Solução de Consulta COTRI nº 18 DE 03/07/2024
Norma Estadual - Distrito Federal - Publicado no DOE em 03 jul 2024
Lei Kandir. Alteração normativa. Lei Complementar nº 204 de 28/12/2023. Cálculo de tributo. Regime tributário. Antecipação. Dúvida meramente procedimental. Convênios. ICMS. Crédito tributário. Adequação normativa às novas disposições prevista na Lei Complementar.
Processo SEI nº: 04034-00001002/2024-65.
Lei Kandir. Alteração normativa. Lei Complementar nº 204 de 28.12.2023. Cálculo de tributo. Regime tributário. Antecipação. Dúvida meramente procedimental. Convênios. ICMS. Crédito tributário. Adequação normativa às novas disposições prevista na Lei Complementar.
RELATÓRIO
Os Autos versam sobre peticionamento promovido por pessoa jurídica de direito privado, através do qual o Consulente esclarece atuar "no ramo de materiais de construção e outros no varejo", tendo o registro de atividade econômica principal, no âmbito da Secretaria de Estado de Economia do Distrito Federal, de "comércio varejista de materiais de construção não especificados anteriormente" (data da consulta em 14.06.2024).
O Consulente assim relata e questiona:
A razão dessa consulta é sobre a alteração do art. 12, § 4º da Lei Kandir , incluída pela Lei Complementar nº 204 de 28.12.2023, cuja nova redação segue abaixo:
"§ 4º Não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte, inclusive nas hipóteses de transferências interestaduais em que os créditos serão assegurados: (Incluído pela Lei Complementar nº 204, de 2023)"
A empresa consulente tem em Goiânia um Centro de Distribuição que abastece todas as suas filiais, inclusive a filial localizada no Distrito Federal (supressão de identificação).
Dentre os materiais comercializados, estão os produtos contidos nos itens 41 e 42 do Anexo IV do Decreto 18.955/1997 , os quais se sujeitam à antecipação do ICMS na entrada no Distrito Federal.
Neste sentido, consulta-se:
1. O cálculo dessa antecipação é com a utilização da fórmula prevista no RICMS e dedução do ICMS destacado na nota fiscal de transferência. Na falta do destaque do ICMS nessa nota fiscal de transferência, como seria calculado a antecipação do ICMS devida ao DF?
2. Os Convênios 178/2023 e 225/2023 que tratam sobre o crédito do ICMS nas transferências interestaduais perderam a eficácia com a publicação da Lei Complementar 204/2023 que VEDA o destaque?
Os Autos foram enviados à Coordenação de Atendimento ao Contribuinte (COATE), a fim de se promover o preparo/saneamento processual, com esteio nos arts. 74 e 75 do Decreto distrital nº 33.269/2011 (Documento SEI nº 131863452), e, em seguida, retornaram a essa Gerência, com a informação de que, "em consulta ao sistema AFE/SIGEST", a Consulente "não se encontra sob ação fiscal." (Documento SEI nº 135421689).
DA ANÁLISE
Ab initio, registre-se o fato de a Autoridade Fiscal promover a análise da matéria consultada plenamente vinculada à legislação tributária.
A faculdade de se formular consulta é um direito subjetivo do sujeito passivo em caso de dúvida, clara e objetiva, sobre a interpretação e aplicação da legislação tributária do Distrito Federal a determinada situação de fato, relacionada a tributo do qual seja contribuinte inscrito no Cadastro Fiscal do Distrito Federal, ou pelo qual seja responsável.
Entenda-se Dúvida (substantivo feminino) a ausência de convicção diante de duas ou mais opiniões ou possibilidades. Ex.: tinha dúvida entre a aplicação da legislação A ou da legislação B a uma determinada situação de fato.
A Dúvida é concêntrica ao Não Saber, porém com este não se confunde, haja vista ser genérico a certo tema, ultrapassando a fronteira jurídica da ausência de convicção diante de duas ou mais opiniões ou possibilidades.
No âmbito da consulta tributária, o quesito deve especificar a dúvida, ou seja, a ausência de convicção sobre duas ou mais interpretações e/ou aplicações da legislação tributária do Distrito Federal a determinada situação de fato.
Na ausência de descrição clara e objetiva da dúvida, a Consulta será inadmissível quanto ao quesito em análise.
Noutra toada, se a situação apresentada já estiver regulamentada, definida ou declarada em disposição literal de legislação, bem como disciplinada em ato normativo, inclusive em Solução de Consulta, ou orientação publicados antes de sua apresentação, a Consulta será ineficaz.
A faculdade de formular Consulta se estende aos órgãos da Administração Pública e às entidades representativas das categorias econômicas ou profissionais, relativamente às atividades desenvolvidas por seus representados.
Uma vez exercida essa faculdade, o pronunciamento da Autoridade Fiscal poderá se operar em três sentidos, quais sejam: Inadmissibilidade da Consulta, Ineficácia de Consulta e Consulta Eficaz (arts. 76 a 80 do Decreto distrital nº 33.269/2011).
O instituto da consulta administrativa tributária se materializa por meio de um procedimento tributário de caráter preventivo, envolvendo determinado fato de duvidoso enquadramento tributário, que possa gerar insegurança jurídica em relação à situação fática, com força vinculante para a Administração, acaso seja favorável ao contribuinte, guardando força normativa até que outro ato a modifique ou revogue.
Todavia, não é vinculativa para o sujeito passivo, uma vez que este poderá provocar o Judiciário para se pronunciar, com espeque no inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988).
Por outro lado, avulta importância registrar a Consulta não ser o instrumento adequado para se questionar o lançamento tributário ou seu início por meio de uma ação fiscal, haja vista o instrumento adequado ser a Impugnação e/ou o Recurso.
Feita esta introdução, passemos ao caso versado nos Autos. Conforme já mencionado, os Autos tratam sobre alteração normativa da Lei Kandir por meio da Lei Complementar nº 204 de 28.12.2023, a qual propiciou ao Consulente questionamentos acerca do cálculo do tributo envolvendo o regime tributário de Antecipação de Pagamento, bem como se os Convênios nº 178/2023 e nº 225/2023, que versam sobre o crédito do ICMS nas transferências interestaduais, perderam a eficácia com a publicação da citada Lei Complementar.
O julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 19 de abril de 2021, em que se declarou inconstitucionais alguns dispositivos da Lei Complementar nº 87/1996 , para afastar a incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo Contribuinte, influenciou sobremaneira a edição da Lei Complementar nº 204/2023 , de modo que, nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, deixou de haver a incidência do ICMS a partir de 01.01.2024, embora a autonomia dos estabelecimentos continue a existir no ordenamento jurídico pátrio para os demais fins. Por esta razão, foram publicados o Convênio ICMS nº 178/2023 e o Convênio ICMS nº 225/2023 .
Pois bem, a alteração promovida pela Lei Complementar nº 204 , de 28 de dezembro de 2023, ao § 4º do art. 12 da Lei Kandir , especifica que não se considera ocorrido o fato gerador do ICMS na saída de mercadoria entre estabelecimentos de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores, inclusive em transferências interestaduais. A consulta envolve a interpretação desta alteração em relação à antecipação do ICMS e à eficácia dos Convênios ICMS.
Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
(.....)
§ 4º Não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte, inclusive nas hipóteses de transferências interestaduais em que os créditos serão assegurados:
I - pela unidade federada de destino, por meio de transferência de crédito, limitados aos percentuais estabelecidos nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal , aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada;
II - pela unidade federada de origem, em caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o transferido na forma do inciso I deste parágrafo.
De acordo com o RICMS-DF (Decreto distrital nº 18.955/1997), a antecipação do ICMS é calculada utilizando uma fórmula específica, a depender de cada caso em que se enquadre, levando-se em conta o valor da operação, a alíquota interna e o crédito destacado na nota fiscal de transferência.
Os Convênios de ICMS nº 178/2023 e nº 225/2023 estabelecem regras para o crédito de ICMS nas transferências interestaduais. Com a publicação da Lei Complementar nº 204/2023 , que veda o destaque do ICMS nas transferências entre estabelecimentos de mesma titularidade, há uma alteração significativa no regime de crédito do imposto.
Segundo o Princípio da Hierarquia entre as Normas em matéria de Direito Tributário, uma lei complementar federal pode sobrepor-se a convênios firmados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Portanto, a eficácia dos Convênios nº 178/2023 e nº 225/2023 é impactada pela nova legislação, na medida em que a Lei Complementar nº 204/2023 declara a não ocorrência do fato gerador e mantém os créditos de ICMS nas transferências interestaduais, independentemente do destaque do imposto.
Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sôbre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do art. 52, e do seu sujeito passivo;
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II dêste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.
Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.
Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;
III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.
Sem prejuízo de todo o exposto, com a aprovação do § 5º do art. 12 da LC nº 87/1996 , a operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo CNPJ raiz continua não caracterizando fato gerador de ICMS, mas o contribuinte poderá destacar o imposto, considerando a alíquota para operação interna ou interestadual conforme legislação em vigor.
Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
(.....)
§ 4º Não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte, inclusive nas hipóteses de transferências interestaduais em que os créditos serão assegurados:
I - pela unidade federada de destino, por meio de transferência de crédito, limitados aos percentuais estabelecidos nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal , aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada;
II - pela unidade federada de origem, em caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o transferido na forma do inciso I deste parágrafo.
§ 5º Alternativamente ao disposto no § 4º deste artigo, por opção do contribuinte, a transferência de mercadoria para estabelecimento pertencente ao mesmo titular poderá ser equiparada a operação sujeita à ocorrência do fato gerador de imposto, hipótese em que serão observadas:
I - nas operações internas, as alíquotas estabelecidas na legislação;
II - nas operações interestaduais, as alíquotas fixadas nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal .
Noutras palavras, o destaque do ICMS passa a ser opcional, de sorte que, em observância ao Princípio da Não Cumulatividade do ICMS, pode-se destacar o imposto sobre a operação de transferência de mercadorias, hipótese em que serão observadas, nas operações internas, as alíquotas estabelecidas na legislação, e, nas operações interestaduais, as alíquotas fixadas nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da CRFB/1988.
Note-se que, com a publicação do Convênio ICMS nº 228, de 29 de dezembro 2023, prorrogado pelo Convênio ICMS nº 48 , de 25 de abril de 2024, o contribuinte poderá se valer das mesmas regras existentes em 31 de dezembro de 2023 para emitir NF-e de transferência de mercadorias.
Diante das alterações recentes, recomenda-se o Consulente buscar orientação específica junto à Secretaria de Estado de Economia do Distrito Federal para confirmar os procedimentos atualizados para cálculo da antecipação do ICMS e a aplicação dos créditos nas transferências interestaduais. Isso porque a emissão de orientações procedimentais ou genéricas refoge às competências regimentais desse órgão, uma vez que tais tarefas estão concretamente atribuídas a outras Unidades, integrantes desta Subsecretaria de Receita.
Caberá ao Consulente abrir um procedimento junto ao próprio setor que promoveu a orientação original.
CONCLUSÃO
Em razão de todo o exposto, com espeque no inciso I do art. 5º da Lei ordinária distrital nº 4.717/2011, passo às indagações apresentadas pelo Consulente:
I - O cálculo dessa antecipação é com a utilização da fórmula prevista no RICMS e dedução do ICMS destacado na nota fiscal de transferência. Na falta do destaque do ICMS nessa nota fiscal de transferência, como seria calculado a antecipação do ICMS devida ao DF?
Resposta: prejudicada, por se tratar de pedido de orientações procedimentais ou genéricas.
II - Os Convênios 178/2023 e 225/2023 que tratam sobre o crédito do ICMS nas transferências interestaduais perderam a eficácia com a publicação da Lei Complementar 204/2023 que VEDA o destaque?
Resposta: não perderam a eficácia, mas sim devem-se adequar à opção de o contribuinte se valer das mesmas regras existentes em 31 de dezembro de 2023 para emitir NF-e de transferência de mercadorias, em atenção ao disposto no § 5º do art. 12 da LC nº 87/1996 .
A presente Consulta é eficaz, nos termos do disposto art. 80 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal - RPAF), aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.
À consideração superior.
Brasília/DF, 28 de junho de 2024
ZENÓBIO FARIAS BRAGA SOBRINHO
Auditor-Fiscal da Receita do Distrito Federal
Matrícula 109.123-9
De acordo.
Encaminhamos à análise desta Coordenação o Parecer supra.
Brasília/DF, 28 de junho de 2024
LUÍSA MATTA MACHADO FERNANDES SOUZA
Gerência de Esclarecimento de Normas
Gerente
Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea "d" do inciso VI do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 129, de 30 de junho de 2022 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 124, de 05 de julho de 2022, pág.4).
A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.
Saliente-se, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderem ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.
Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de 30 (trinta) dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o inciso II do art. 78 combinado com o caput do art. 79 do Decreto distrital nº 33.269, de 18 de outubro de 2011.
Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do art. 252 da Portaria nº 140, de 17 de maio de 2021.
Brasília/DF, 1º de julho de 2024
DAVILINE BRAVIN SILVA
Coordenação de Tributação
Coordenadora