Consulta COPAT nº 102 DE 17/12/2019
Norma Estadual - Santa Catarina - Publicado no DOE em 18 dez 2019
ICMS. Obrigações acessórias. Entrega de presentes diretamente pelo fornecedor. O Regulamento do ICMS de Santa Catarina não trata da emissão de documento fiscal em operações de saída de mercadoria paga por adquirente e entregue a terceiro (presenteado) em local diverso, ambos não-contribuintes do imposto estadual. Além disso, não autoriza a ocultação do valor do produto na nota fiscal. Por isso, (1) A consulente, com fulcro no art. 1º , do Anexo 6 , do RICMS/SC , pode solicitar um regime especial para tratar da obrigação acessória nas saídas de presentes; (2) Não cabe o diferencial de alíquota no caso de o comprador estar localizado em SC e o presenteado em outra UF, haja vista que o presenteador é o consumidor final e o último, mero donatário.
Nº Processo: 1970000024063
DA CONSULTA
A consulente é empresa do ramo varejista do comércio de móveis. Relata que efetua vendas de forma presencial e por e-commerce e que uma das modalidades é a entrega de presentes, em que o presenteado recebe o produto dado pelo comprador, porém o comprador não deseja que o presenteado saiba os valores dos itens que recebe de presente.
Informa que, pelos §§ 28 e 29 do Ajuste SINIEF nº 01/2014 , deve-se colocar o nome do presenteado e o endereço de entrega nas informações complementares, para entrega em local diverso, todavia, sem omitir o valor da operação.
Aduz que o Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo prevê, em seu artigo 458, do Livro III, a internalização do Ajuste, o que não é encontrado no Regulamento deste Estado.
Dito isto, indaga:
1) Se poderia emitir uma NF de faturamento normal (CFOP 5102/6108) para o comprador e outra nota (CFOP 5949/6949), indicando o presenteado, como destinatário da mercadoria, sem o valor, referenciando em ambas as notas os dados da operações;
2) Se é devido o diferencial de alíquotas quando o comprador for de SC e o presenteado esteja localizado em outro estado;
3) Quais os procedimentos devem ser adotados, caso não possa utilizar o descrito em (1).
É o relatório, passo à análise.
LEGISLAÇÃO
Ajuste SINIEF nº 01/2014 ;
RICMS-SC , aprovado pelo Decreto 2.870 , de 27 de agosto de 2001, art. 26 , § 4º; Anexo 6, art. 1º.
FUNDAMENTAÇÃO
A consulta versa sobre o Ajuste SINIEF 1/2014 , que alterou o Convênio S/N de 1970 incluindo normas relativas ao procedimento de entrega de mercadorias ao destinatário não-contribuinte do imposto em local diverso (qualquer um de seus domicílios ou em domicílio de outra pessoa). Trata-se de regramento ainda não internalizado em nosso ordenamento tributário. Dessa maneira, não cabe a aplicação dos procedimentos dispostos nesse diploma legal, que resolveria, de pronto, o questionamento em tela.
Vislumbra-se, assim, o uso da analogia como método de integração, consoante o disposto no art. 108 do CTN.
Desponta, a princípio, o tratamento dado às operações de venda triangular para contribuinte consumidor final pelo Regulamento, deitada suas regras nos artigos 41 a 43 do Anexo 6. São as denominadas venda à ordem. Nessas situações, o fornecedor vende para o adquirente originário, que manda entregar para outro agente, o destinatário final.
A COPAT 010/2009 explica, de forma sucinta, esse tipo de operação:
Para que se caracterize venda à ordem, devem ser atendidos três pressupostos básicos:
1 - a propriedade da mercadoria é da empresa "A";
2 - a empresa "B" detém a posse da mercadoria;
3 - a empresa "A" promove a alienação da mercadoria, sem que esta transite pelo seu estabelecimento, para a empresa "C", sendo a entrega efetuada por quem detém a sua posse (empresa "B"), por conta e ordem do detentor da sua propriedade (empresa "A").
Em outras palavras, na venda à ordem o adquirente original compra a mercadoria do fornecedor remetente, ambos contribuintes do ICMS, e manda entregar ao cliente final, não-contribuinte.
De igual maneira, na situação descrita pela consulente, a mercadoria transita direto do estabelecimento fornecedor ao destinatário final. Todavia, diferenciam-se por dois motivos: (1) o cliente final (presenteado) e o adquirente são não-contribuintes; (2) ocorre somente uma operação de compra e venda, entre a empresa vendedora e o adquirente (quem dará o presente).
Diante disso, e por falta de substrato jurídico que atenda ao Ajuste SINIEF 01/2014 , cabe perquirir o ordenamento jurídico fiscal de Santa Catarina. O próprio Regulamento do ICMS de Santa Catarina permite, em seu art. 1º, do Anexo 6, que a consulente solicite um regime especial, para casos especiais em que o tipo de operação realizado impossibilite o cumprimento da obrigação acessória. In verbis:
Art. 1º Nos casos em que as peculiaridades da organização do contribuinte possam suprir plenamente as exigências fiscais e nos casos em que a modalidade das operações realizadas impossibilite o cumprimento de obrigação tributária acessória, poder-se-á adotar regime especial que concilie os interesses do fisco com os do contribuinte.
§ 1º O regime especial poderá versar sobre:
I - disposições relativas a obrigações acessórias previstas na legislação;
II - situações específicas previstas expressamente neste regulamento.
§ 2º Os regimes especiais serão concedidos:
I - pelo Gerente Regional da Fazenda Estadual, nos casos expressamente previstos na legislação;
II - pelo Gerente de Fiscalização, quando se tratar de obrigação acessória cujo objeto for atividade relacionada ao uso do equipamento Emissor de Cupom Fiscal - ECF;
III - pelo Diretor de Administração Tributária ou pelo Secretário de Estado da Fazenda, nos demais casos.
Quanto à segunda questão suscitada, impende destacar que a circulação de mercadorias, no âmbito do ICMS, é a jurídica. Desta sorte, somente incide o imposto estadual na transferência de domínio da mercadoria do vendedor para o adquirente.
PAULO DE BARROS CARVALHO (Direito Tributário, Linguagem e Método. Ed. Noeses: São Paulo, 5ª ed., p. 736), ao densificar o critério material da regra-matriz de incidência do principal tributo estadual´, deixa claro que:
O direito, ao criar suas próprias realidades, atribui à expressão "operações de circulação de mercadorias" o significado de "transferência de sua titularidade". Do mesmo modo, ao tributar as "operações de importação de mercadorias" refere-se à aquisição de tais bens por sujeito estabelecido ou domiciliado no país, não sendo seu ingresso físico bastante, em si mesmo, para a caracterização do fato jurídico tributário."
E, na lição lapidar de ROQUE ANTONIO CARRAZA (ICMS, 15ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2011, p. 53-54):
Deveras, só quando há transferência da titularidade das mercadorias (o domínio ou a posse indireta, como exteriorização da propriedade é que o fato imponível do ICMS se verifica. Do contrário inocorre alteração da titularidade da res, verifica-se apenas a saída física da mercadoria.
[.....]
Em suma, o dever de pagar ICMS só nasce com a mudança de titularidade do domínio ou da posse ostentatória da propriedade (posse autonôma, despida de título de domínio hábil) da mercadoria, que, como já escrevemos, é um bem móvel preordenado à prática dos atos de comércio.
Quer dizer, estando o comprador em SC e a pessoa que receberá o presente em outro ente, ocorrerá o fato gerador jurígeno somente na transferência dominial do objeto entre o fornecedor e o adquirente, pois o ato seguinte (dar o presente) não ocorre mais com uma mercadoria, mas, pela natureza jurídica do presente, com um bem fora de comércio, não sujeito ao ICMS.
A propósito, presente pode ser considerado uma doação, pois atende aos seguintes requisitos, explicitados por PABLO STOLZE GAGLIANO (O contrato de doação: análise crítica do atual sistema jurídico e os seus efeitos no Direito da Família e das Sucessões, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 35-47):
1. Unilateralidade, pelo fato de não haver uma contraprestação de quem recebe o presente;
2. Formalismo excepcionado, pelo fato de a consulente, empresa de comércio eletrônico, provavelmente negociar bens móveis, de pequeno valor;
3. Ânimo de doar, pela vontade de beneficiar patrimonialmente o presenteado;
4. Gratuidade, porquanto o presenteado experimenta o aumento patrimonial apenas em virtude de liberalidade da outra parte.
Destarte, o que ocorre é uma compra e venda seguida de uma doação, com entrega direta ao destinatário final. No primeiro caso, envolve uma mercadoria, pois a coisa é um objeto de comércio, que deixa de sê-la com o ato de presenteamento (doação) pelo adquirente.
Em relação ao conceito de mercadoria, recorremos novamente aos ensinamentos de PAULO DE BARROS CARVALHO (Direito Tributário, Linguagem e Método, 7ª ed., São Paulo: Ed. Noeses, p. 756):
O étimo do termo "mercadoria" está no latim mercatura, significando tudo aquilo susceptível de ser objeto de compra e venda, isto é, o que se comprou para pôr à venda. Evoluiu de merx, mercis (sobretudo no plural: merces, mercium), referindo-se ao que é objeto de comércio, adquirindo, na atualidade, o sentido de qualquer objeto natural ou manufaturado que se possa trocar e que, além dos requisitos comuns a qualquer bem econômico, reúna outro requisito extrínseco, a destinação ao comércio. Não se presta ao vocábulo para designar, nas províncias do direito, senão coisa móvel, corpórea, que está no comércio
Dessa forma, a doação retira o atributo de mercadoria da coisa doada.
Sobre o tema, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO (ICMS: Teoria e Prática, 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 33) sinteticamente explica que "há fundamento para desconsiderar as 'doações ' da hipótese de incidência do ICMS, em razão desse negócio implicar manifesta ausência de capacidade contributiva, além do fato de não se tratar de efetiva mercadoria, diante da ausência de transação mercantil".
Conclui-se, então, que a consulente deve remeter duas notas: a primeira, para o consumidor final, isto é, ao adquirente da mercadoria, com o ICMS destacado, e a segunda para o presenteado, sem o destaque do tributo. O tratamento em relação aos CFOPs deve ser especificado no pedido de concessão de TTD, e a aplicação da alíquota independe da localização do presenteado.
Tão evidente esse raciocínio que, não por outra razão, foi a solução dada por vários estados (RJ: Art. 48, Anexo III da Parte II da Resolução SEFAZ nº 720/2014; SP: Art. 458 do RICMS/SP; ES: Art. 416 do RICMS/ES; SE: Art. 529 do RICMS/SE; etc) ao regulamentar os procedimentos especiais de obrigação acessória em relação aos brindes e presentes. Não estamos lidando com silêncio eloquente do administrador ou legislador catarinense, mas de mero lapso na incorporação das normas complementares do art. 96 do Código Tributário Nacional à legislação tributária estadual.
Ressalte-se, mais uma vez, que para efetuar esse procedimento, deve primeiramente requerer autorização de regime especial de obrigação acessória.
RESPOSTA
Diante do exposto, proponho que se responda à consulente que, na ausência de regramento quanto à emissão de nota fiscal para entrega de presentes:
(1) A consulente, com fulcro no art. 1º , do Anexo 6 , do RICMS/SC , pode solicitar um regime especial para tratar da obrigação acessória nas saídas de presentes por conta e ordem de terceiro;
(2) Não cabe o diferencial de alíquota no caso de o comprador estar localizado em SC e o presenteado em outra UF, haja vista que o presenteador é o consumidor final e o último, mero donatário.
É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.
GUILHERME OIKAWA GARCIA DOS SANTOS
AFRE II - Matrícula: 9576932
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 14.11.2019.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586 , de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.
Responsáveis
FRANCISCO DE ASSIS MARTIN
Presidente COPAT
CAMILA CEREZER SEGATT
Secretário(a) Executivo(a)