Consulta SEFAZ nº 182 DE 13/11/2017

Norma Estadual - Mato Grosso - Publicado no DOE em 13 nov 2017

Comodato - Locação - Prestação de Serviço de Transporte

INFORMAÇÃO Nº 182/2017 – GILT/SUNOR

..., empresa estabelecida na ..., .../MT, inscrita no CNPJ sob o nº ... e no Cadastro de Contribuintes deste Estado sob o nº ..., formula consulta sobre a possibilidade de realização de contrato de comodato ou locação de caminhões para prestação de serviços de transporte.

A consulente informa que um dos sócios da empresa possui um caminhão em seu nome, pessoa física, o qual consta no documento uma restrição de alienação fiduciária ao banco, diante disso indaga se há possibilidade de fazer um contrato de comodato do bem para a transportadora ou tem que ser um contrato de locação com valores.

Esclarece que o referido sócio também faz parte do quadro societário de outra empresa denominada ..., a qual não é transportadora, mas possui caminhões com documento em seu nome Pessoa Jurídica, pelo que indaga se essa empresa pode fazer contrato de comodato dos referidos bens para a consulente, já que ambas tem um sócio em comum.

Por fim, declara a Consulente que não se encontra sob procedimento fiscal iniciado ou já instaurado para apurar fatos relacionados com a matéria objeto da presente consulta e que a dúvida suscitada não foi objeto de consulta anterior ou de decisão proferida em processo administrativo já findo, em que tenha sido parte.

É a consulta.

Inicialmente cabe informar que, em consulta ao Sistema de Gerenciamento de Cadastro de Contribuintes desta SEFAZ/MT, verifica-se que a Consulente se encontra cadastrada na CNAE principal 4930-2/02 – Transporte rodoviário de carga, exceto produtos perigosos e mudanças, intermunicipal, interestadual e internacional, bem como que está enquadrada no regime de Estimativa Simplificado desde 18/01/2013.

No que se refere à matéria consultada, cabe esclarecer que o artigo 232, parágrafo único, do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 2.212/2014 estabelece que as transportadoras podem operar com veículos próprios ou afretados, sendo que em relação a esta, considera-se veiculo próprio, além daquele registrado em seu nome,os que forem operados em regime de locação ou qualquer outra forma, a saber:

Art. 232 O Conhecimento de Transporte Rodoviário de Cargas, modelo 8, será utilizado por quaisquer transportadores rodoviários de carga que executarem serviços de transporte intermunicipal, interestadual e internacional, de cargas, em veículos próprios ou afretados. (cf. art. 16 do Convênio SINIEF 6/89)

Parágrafo único Considera-se veículo próprio, além do que se achar registrado em nome da pessoa, aquele que por ela for operado em regime de locação ou qualquer outra forma.

Destarte, neste caso, os veículos podem ser disponibilizados para a transportadora operar, tanto no regime de comodato como de locação, dependendo do instituto em que se amoldar o contrato realizado, ou seja, se atendidos os requisitos necessários para a sua caracterização.

No que tange ao comodato, vale trazer as regras deste instituto prescritas no artigo 579 e seguintes do Código civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002):

Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto."

(...)

Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.

Art. 582 O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo Comodante.

(...).

Depreende-se, das regras estabelecidas para o referido instituto, que para caracterizá-lo o contrato deve conter os seguintes requisitos:

a) gratuidade - o comodato é contrato essencialmente gratuito. O Comodante não pode estipular qualquer espécie de retribuição pela cessão de uso da coisa;

b) não fungibilidade - a coisa emprestada não pode ser substituída por outra no ato da devolução;

c) tradição - o comodato só se realiza com a entrega do objeto. Enquanto não ocorrer a transferência da posse do bem, não há comodato;

d) temporalidade - a coisa emprestada deve ser devolvida após algum tempo. Seu uso há de ser temporário, do contrário seria doação;

e) unilateralidade - o comodato cria obrigações apenas para o comodatário – de conservar e de restituir o bem.

Segundo a lição de Maria Helena Diniz, os bens fungíveis são os que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade, e os bens infungíveis são os que, pela sua qualidade individual, têm um valor especial, não podendo, por este motivo, ser substituídos sem que isso acarrete a alteração de seu conteúdo. (Código Civil Anotado, 9ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2003, p. 101).

No mesmo sentido, leciona o professor José Carlos Moreira Alves "as coisas infungíveis são aquelas em que se leva em consideração sua própria individualidade, e que, por conseguinte, não podem ser substituídas por outras".

Diferem das coisas fungíveis, que são consideradas pelo seu gênero e não pela sua individualidade. Em outras palavras, são as coisas que são passíveis de serem medidas e pesadas, sendo que, por esta razão, podem ser substituídas por outras da mesma espécie, qualidade e quantidade. (apud. Teresa Ancona Lopez. Comentários ao Código Civil: parte especial: das várias espécies de contratos, vol. 7 (arts.565 a 652): Coord. Antonio Junqueira de Azevedo – São Paulo: Saraiva, 2003 p.85).

Portanto, como se observa, o comodato é um contrato unilateral, a título gratuito, pelo qual alguém entrega a outrem coisa infungível para ser usada temporariamente e depois restituída.

Acrescenta-se que, somente podem ser objeto de contrato de comodato os bens passíveis de devolução no final do contrato e que possam ser individualizados. Portanto, produtos que não guardam essas características, por terem durabilidade inferior ao prazo do contrato ou, por qualquer outro motivo, não for possível a sua devolução, estarão sujeitos ao recolhimento do imposto estadual.

Já a locação, tem sua disciplina no artigo 565 e seguintes do Código civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002)

Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

Art. 566. O locador é obrigado:

I - a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em contrário;

II - a garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa.

Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava.

Art. 568. O locador resguardará o locatário dos embaraços e turbações de terceiros, que tenham ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada, e responderá pelos seus vícios, ou defeitos, anteriores à locação.

Art. 569. O locatário é obrigado:

I - a servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos, conforme a natureza dela e as circunstâncias, bem como tratá-la com o mesmo cuidado como se sua fosse;

II - a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar;

III - a levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros, que se pretendam fundadas em direito;

IV - a restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as deteriorações naturais ao uso regular.

(...)

No que tange à tributação, o art. 5º do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 2.212, de 20/03/2014, traz previsão de não incidência do imposto nas operações realizadas a título de locação e comodato desde que atendidos os requisitos nele previstos, conforme se transcreve a seguir:

Art. 5° O imposto não incide sobre: (v. caput do art. 4° da Lei n° 7.098/98)

(...)

XV - as saídas de máquinas, equipamentos, ferramentas e objetos de uso do contribuinte, bem como de suas partes e peças, com destino a outros estabelecimentos para fins de lubrificação, limpeza, revisão, conserto, restauração ou recondicionamento, ou em razão de empréstimo ou locação, desde que os referidos bens retornem ao estabelecimento de origem, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados da data de remessa:

a) nos casos de locação ou de empréstimo, desde que realizados mediante contrato entre as partes, prévia e devidamente registrado em cartório, podendo o prazo de retorno ser superior ao estabelecido neste inciso, desde que previsto em cláusula contratual e até o limite de vigência do respectivo pacto;

(...)

XVII – a saída do bem e o respectivo retorno, em decorrência de comodato, desde que contratado por escrito;

(...)

Verifica-se, portanto, que para não incidir ICMS sobre as operações de remessa de bens a título locação e/ou comodato, além do cumprimento dos requisitos fixados para a configuração dos respectivos institutos, a contratação deve ser realizada por escrito no caso do comodato, inclusive registrado em cartório no caso de locação por prazo superior a 120 dias.

Importa ainda ressaltar que tanto a participação de um sócio em outra empresa, exercendo funções de gerência, como a locação ou transferência, a qualquer título, de veículo destinado ao transporte de mercadorias configura interdependência entre as empresas o que pode ensejar responsabilidade solidária, é o que se infere do artigo 78 parágrafo único c/c art. 39 inciso VIII, ambos do Regulamento do ICMS:

Art. 78 Quando o valor do frete, cobrado por estabelecimento pertencente à mesma empresa que realizar a operação, ou por outro estabelecimento de empresa que com aquela mantenha relação de interdependência, exceder os níveis normais de preços em vigor, no mercado local, para serviço semelhante, constantes de tabelas elaboradas pelos órgãos competentes, o valor excedente será havido como parte do preço da mercadoria. (cf. art. 10 da Lei n° 7.098/98)

Parágrafo único Para os efeitos deste artigo, consideram-se interdependentes duas empresas quando:

I – uma delas, por si, seus sócios ou acionistas, e respectivos cônjuges ou filhos menores, for titular de mais de 50% (cinquenta por cento) do capital da outra;

II – uma mesma pessoa fizer parte de ambas, na qualidade de diretor ou sócio, com funções de gerência, ainda que exercidas sob outra denominação;

III – uma delas locar ou transferir a outra, a qualquer título, veículo destinado ao transporte de mercadorias.

(...)

Art. 39 Fica também atribuída a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos legais devidos pelo sujeito passivo, pelos atos e omissões que praticarem e que concorrerem para o não cumprimento da obrigação tributária: (cf. art. 128 do CTN c/c o caput do art. 18-A da Lei n° 7.098/98, acrescentado pela Lei n° 7.867/2002)

(...)

VIII – a empresa interdependente, conforme definido no parágrafo único do artigo 78, nos casos de falta de pagamento do imposto pelo contribuinte e de omissão de que for responsável. (cf. art. 128 do CTN c/c o caput do art. 18-A da Lei n° 7.098/98, acrescentado pela Lei n° 7.364/2000)

De modo que, além da pessoa do sócio, caracteriza ainda situação de interdependência a locação ou transferência a qualquer título, entre empresas, de veículo destinado ao transporte de mercadorias.

Por fim, a resposta aos questionamentos da consulente é positiva, ou seja, ela pode firmar contratos de comodato e/ou locação de veículos destinados a prestação de serviços de transporte, uma vez que atua no ramo de atividade de transportadora, desde que observados os requisitos legais de cada instituto.

Cabe ainda ressalvar que o entendimento exarado na presente Informação vigorará até que norma superveniente disponha de modo diverso, nos termos do parágrafo único do artigo 1.005 do RICMS/2014.

Importa ainda registrar que não produzirá os efeitos legais previstos no artigo 1.002 e no parágrafo único do artigo 1.005 do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 2.212/2014, a consulta respondida sobre matéria que esteja enquadrada em qualquer das situações previstas nos incisos do caput do artigo 1.008 do mesmo Regulamento.

É a informação, ora submetida à superior consideração, com a ressalva de que os destaques apostos nos dispositivos da legislação transcrita não existem nos originais.

Gerência de Interpretação da Legislação Tributária da Superintendência de Normas da Receita Pública, em Cuiabá – MT, 13 de novembro de 2017.

Marilsa Martins Pereira

FTE

APROVADA:

Adriana Roberta Ricas Leite

Gerente de Interpretação da Legislação Tributária