Consulta nº 49 DE 13/12/2022

Norma Estadual - Tocantins - Publicado no DOE em 13 dez 2022

Fato Gerador Temporal da Energia Elétrica.

EMENTA: ICMS. Não incidência do imposto sobre os “serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica”, nos termos do art. 3º, x, da lei complementar federal nº 87/1996. O fornecimento de energia elétrica é indissociável e sua cadeia não pode ser segregada em partes que seriam a geração, a transmissão, a distribuição e o consumo da energia. A transmissão e a distribuição da energia não são serviços prestados e nem possuem existência ou valor econômico autônomos, sendo integrantes do custo do fornecimento de energia como um todo, e, portanto, componentes da base de cálculo do ICMS. Não houve qualquer alteração legal na base de cálculo do imposto incidente nas operações com energia elétrica, razão pela qual o ICMS incide em todos os componentes da tarifa de energia elétrica, incluindo a TUSD e a TE.

RELATO:

1. A empresa em epígrafe, devidamente qualificada nos autos e estabelecida em Palmas - TO, é concessionária de serviço público federal de distribuição de energia elétrica.

2. Aduz que em razão da promulgação da Lei Complementar 194, de 23 de junho de 2022, constatou-se significativa alteração na sistemática de cobrança do ICMS nas operações envolvendo a comercialização de combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo, a qual ocasionou dúvida quanto à imediata aplicabilidade destas disposições em suas operações, especialmente no âmbito deste Estado.

3. Apesar da publicação da Medida Provisória 14, a qual revogou o inciso VI, do art. 27 da Lei 1.287/01, remanescem dúvidas sobre os efeitos da revogação, especialmente sobre: (i) aos aspectos formais da medida provisória e a vinculação dessa R. Secretaria da Fazenda aos atos decorrentes dela; e (ii) sobre os efeitos da revogação após 31 de dezembro de 2022.

4. Em razão do que dispõe o CTE – Lei 1.287/01, a base de cálculo do ICMS nas operações envolvendo distribuição de energia elétrica consiste no valor total da operação, assim entendido o valor da tarifa de energia elétrica, acrescidos dos serviços de transmissão, distribuição e demais encargos setoriais.

5. A Lei Complementar 194/22 vedou a inclusão de todo e qualquer custo de transmissão e distribuição e demais encargos setoriais na base de cálculo dessas operações (incluso no inciso X do art. 3º da L.C 87/96).

6. Contudo, até o momento, não houve votação e publicação de norma pelo Poder Legislativo ou edição de ato infra legal ou equivalente por parte do Poder Executivo deste Estado internalizando o dispositivo federal que prevê a não incidência do ICMS aos serviços de transmissão e distribuição e demais encargos setoriais.

7. Para além da não auto aplicabilidade da norma no âmbito deste Estado, como se sabe, o setor de energia é totalmente regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), autarquia que tem incumbência legal de fixar as tarifas de energia elétrica, detalhando cada uma das suas componentes.

8. Insta observar que o PRORET possui a estrutura de tarifa, dividido entre Tarifa de Energia (TE) e Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD).

9. No entendimento da consulente, a parcela TE e suas subparcelas têm natureza de energia e, portanto, deveriam compor a base de cálculo do tributo.

10. Já a parcela TUSD embute os custos de transmissão e distribuição, sob o nome de Transporte, e os encargos associados a esses serviços públicos de transmissão e distribuição de energia elétrica.

11. Portanto, no entendimento da consulente, a totalidade da TUSD se enquadraria integralmente na hipótese de não incidência prevista no artigo 2º da Lei Complementar nº 194/22.

12. Diante de todo o exposto, formula a presente

CONSULTA:

13. Está correto o entendimento da Consulente de que a Lei Complementar 194/22 não é, por si só, instrumento que goza de eficácia plena e imediata para reduzir a alíquota do ICMS das operações com energia elétrica neste Estado, nos termos do art. 27 do Código Tributário Estadual – Lei 1.287/01, devendo por esta razão prevalecerem essas normas internas, até que novo ato normativo (lei, decreto, portaria, etc.) internalize as previsões da referida Lei Complementar?

14. Sendo negativa a resposta a pergunta “A”, isto é, considerando que a produção de efeitos da Lei Complementar 194/22 independe de qualquer complementação legislativa ou manifestação do Poder Executivo deste Estado, indaga-se qual foi a data que a referida redução de alíquota entrou em vigor?

15. Está correto o entendimento da Consulente de que as disposições da MP 19/20222 vinculam os servidores da Secretaria da Fazenda do Estado e, assim, devem observar a aplicação da alíquota geral de 18% para as operações internas com energia elétrica a partir de 14/072022?

16. Está correto o entendimento da Consulente no sentido de que a não incidência de ICMS sobre os serviços e encargos detalhados na inicial não têm aplicabilidade imediata, seja porque precisa ser internalizada por lei ou por outro ato normativo estadual, seja porque as rubricas a serem excluídas do campo de incidência do ICMS ainda precisam ser fixadas que seja pela ANEEL, quer seja pelo próprio Estado?

17. Sendo positiva a resposta, qual o instrumento normativo deve a Consulente aguardar para, eventualmente, excluir do campo de incidência do ICMS os serviços de transmissão, distribuição e demais encargos setoriais, a fim de garantir-se maior segurança ao Estado, a ela e aos consumidores finais que poderão estar sujeitas a cobranças complementares, caso haja a aplicação equivocada dessa desoneração?

18. Sendo negativa a resposta à pergunta 15, isto é, caso este órgão consultivo entenda que a Lei Complementar 194/22 tem eficácia plena e imediata, pede-se a gentileza de confirmar se está correto o entendimento da Consulente no sentido de não incidência sobre toda a TUSD, mantendo-se a incidência sobre toda a TE, com aplicabilidade retroativa a 23/06/2022.

INTERPRETAÇÃO:

19 Ato continuo à publicação da Lei Complementar n. 194/2022, diversos Estados da Federação (Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Piauí́, Bahia, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Sergipe, Rio Grande do Norte, Alagoas, Ceará e Distrito Federal) impetraram a ADI 7.195 contra a referida lei, haja vista que essa inovação legal imporia ônus excessivo e desproporcional aos entes federados, comprometendo a continuidade dos serviços essenciais prestados à população.

20. No Estado do Tocantins foi editada a Medida Provisória 19, de 14 de julho de 2022 e, posteriormente, a Lei 4.018, de 22 de novembro de 2022 (publicada no Diário Oficial nº 6.214, de 23/11/2022), ora colacionada:

Substitui o percentual da alíquota do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS nas operações de que tratam as alíneas “c” e “d” do inciso I do art. 27 da Lei n° 1.287, de 28 de dezembro de 2001, na forma que especifica.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO TOCANTINS,

Faço saber que a ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO TOCANTINS decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Até que sobrevenha decisão definitiva no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.164, por parte do Supremo Tribunal Federal, aplica-se como alíquota do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS nas operações internas relativas a energia elétrica, o percentual de 18%, suspendendo-se, nesse interregno, a aplicação do montante definido no inciso VI do art. 27 da Lei nº 1.287, de 28 de dezembro de 2001.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 14 de julho de 2022.

Palácio Araguaia, em Palmas, aos 22 dias do mês de novembro de 2022, 201º da Independência, 134º da República e 34º do Estado.

21. Em relação às questões relacionadas às novas hipóteses de não incidência do ICMS, cumpre destacar que a consulente parte de premissas equivocadas.

22. O inciso X do caput do art. 3º da Lei Complementar federal nº 87, de 1996, acrescentado pelo art. 2º da Lei Complementar federal nº 194, de 2022, procurou prever nova hipótese de não incidência do ICMS, em relação aos “serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica”:

Art. 3º O imposto não incide sobre:

(...)

X - serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica. (Incluído pela Lei Complementar nº 194, de 2022)

(...)

23. Ressalte-se que não houve qualquer alteração na base de cálculo do imposto. O inciso XI do caput do art. 7º da Lei nº 10.297, de 1996, acrescentado pela Lei nº 18.521, de 2022, apenas reproduziu o teor da norma federal.

24. Sobre o tema, cumpre esclarecer que a decomposição da tarifa de energia elétrica em TUSD e TE, decorrência da abertura do mercado de energia, é uma divisão de tarefas (geração, transmissão e distribuição) de cunho eminentemente administrativo e concorrencial entre os agentes econômicos responsáveis por cada tarefa.

25. Essa divisão não altera a regra matriz de incidência do ICMS nem repercute na sua base de cálculo. Material e economicamente, a cadeia de geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica é una. Diferentemente de uma operação com uma mercadoria comum, o fornecimento de energia é indissociável, não podendo ser segregado em partes.

26. O que se “vende” é a energia elétrica como um todo, pois não se compra a transmissão ou a distribuição da energia elétrica separadamente. Essas últimas não são “operações” anteriores, não são serviços prestados e não possuem existência ou valor econômico autônomos.

27. Todas as etapas concorrem para a concretização do negócio jurídico tributável pelo ICMS – a operação com energia elétrica, que é o próprio fornecimento de energia elétrica ao consumidor final. Dessa forma, todas as tarifas devem compor o preço final, incidindo-se o ICMS sobre a operação como um todo, que abrange a geração, a transmissão e a distribuição.

28. Em julgamento recente, posterior às alterações legislativas em análise, o Tribunal de Justiça de São Paulo muito bem discorreu sobre o tema:

Pensando-se agora em termos maiores, como por exemplo, na rede de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica de um país, ou de uma região, é possível dizer que a corrente elétrica gerada está presente e passa por toda esta rede, ficando disponível a quem a ela se conectar. A energia elétrica, então, não é gerada, armazenada, transportada, novamente armazenada, de um ponto a outro desta rede, para enfim ser adquirida e consumida, como uma mercadoria em um ciclo produtivo material.

A energia elétrica está na corrente elétrica presente na usina de geração e nas redes de transmissão e de distribuição, disponível aos consumidores que a ela se conectarem.

A usina de geração, as redes de transmissão e as redes de distribuição, compõem o enorme condutor de corrente elétrica de uma região ou país. E, assim, qualquer consumidor que se conecte a este gigantesco condutor, terá energia disponível, na velocidade da luz, isto é, instantaneamente, para consumo.

É errada, portanto, a ideia de que a energia elétrica seja uma mercadoria transportável num ciclo produtivo plurifásico, de um estabelecimento a outro, até chegar ao consumidor final. Neste contexto, a expressão operações de energia elétrica, tais como utilizadas pelo constituinte, mais se adequam à realidade da estrutura física necessária à geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica.

(...)

Ora, se o ICMS sobre energia elétrica incidisse sobre uma hipotética circulação desta mercadoria, em processo produtivo multifásico, os princípios constitucionais exigiriam sua não-cumulatividade. Não é isso que ocorre: justamente porque a operação de fornecimento de energia elétrica tem especificidades condizentes com a própria natureza da geração, transmissão e distribuição de energia, como visto, sua incidência se dá de forma monofásica.

(...)

Não se pode tratar como transporte ou circulação de energia elétrica, uma equivocadamente imaginária cadeia de geração, armazenamento, aquisição, armazenamento, transporte e, enfim, consumo de energia, na qual se tributa somente o consumo, sem relação com o custo de seu “transporte”, ou de sua “circulação entre estabelecimentos do mesmo fornecedor”. A operação de energia elétrica, sujeita à tributação, é feita da geração, da transmissão e da distribuição de energia. O custo de cada uma destas operações compõe o preço final do consumo da energia elétrica, sem o qual, este consumo seria inviável.

Para viabilizar a concorrência entre os agentes econômicos do sistema de energia elétrica e, assim, melhorar sua eficiência dentro dos imperativos constitucionais do serviço público, é que se decompôs o preço da tarifa, em TE, TUSD e TUST, viabilizando a contratação livre, nos termos regulados, pagando-se algumas ou todas as tarifas, dependendo de sua contratação para viabilização do consumo.

Isso não significa que, no caso de um consumidor cativo, não haja efetivo uso do sistema de distribuição e de transmissão, como forma de viabilizar o consumo, de modo que as tarifas decompostas que remuneram cada agente econômico devem, necessariamente, compor o preço final da energia consumida, ou seja, da operação de energia elétrica.

A incidência do ICMS energia elétrica, por sua vez, monofásica, dá-se sobre a operação de energia elétrica, o que abrange, como não poderia deixar de ser, a geração, a transmissão e a distribuição de energia, pois sem qualquer deles, não há corrente elétrica disponível, não há consumo possível.

(...) (TJSP - 1ª Câmara de Direito Público; Agravo de Instrumento 2147056-37.2022.8.26.0000; Relator Des. Marcos Pimentel Tamassia; publicado em 20/09/2022) Grifou-se

29. No mesmo sentido é a jurisprudência reiterada do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. ICMS. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. BASE DE CÁLCULO. TARIFA DE USO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO (TUSD). INCLUSÃO.

1. O ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a indissociabilidade das suas fases de geração, transmissão e distribuição, sendo que o custo inerente a cada uma dessas etapas – entre elas a referente à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) – compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar 87/1996.

2. A peculiar realidade física do fornecimento de energia elétrica revela que a geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação mercantil, não podendo qualquer um deles ser decotado da sua base de cálculo, sendo certo que a etapa de transmissão/distribuição não cuida de atividade meio, mas sim de atividade inerente ao próprio fornecimento de energia elétrica, sendo dele indissociável.

3. A abertura do mercado de energia elétrica, disciplinada pela Lei n. 9.074/1995 (que veio a segmentar o setor), não infirma a regra matriz de incidência do tributo, nem tampouco repercute na sua base de cálculo, pois o referido diploma legal, de cunho eminentemente administrativo e concorrencial, apenas permite a atuação de mais de um agente econômico numa determinada fase do processo de circulação da energia elétrica (geração). A partir dessa norma, o que se tem, na realidade, é uma mera divisão de tarefas – de geração, transmissão e distribuição – entre os agentes econômicos responsáveis por cada uma dessas etapas, para a concretização do negócio jurídico tributável pelo ICMS, qual seja, o fornecimento de energia elétrica ao consumidor final.

(...) (STJ - Primeira Seção; REsp nº 1.163.020/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/03/2017). Grifou-se

23. Este mesmo entendimento tem sido adotado pelos Tribunais de Justiça de várias entidades da Federação. Cito, como exemplo, no Estado de Santa Catarina, nas apelações cíveis nº 0300509-69.2015.824.0006, 0321375-47.2015.8.24.0023 e 0330826-96.2015.8.24.0023 e nos agravos de instrumento nº 0155240-17.2015.8.24-0000, 4004960-29.2016.8.24.0000 e 4004953-37.2016.8.24.0000.

RESPOSTAS:

Questão 13: Em face da internalização da Lei Complementar n. 194/22, através da Lei nº 6.214, de 23 de novembro de 2022, despiciendo discorrer sobre a eficácia plena e imediata da referida lei complementar.

Questão 14: Prejudicada.

Questão 15: As disposições contidas na Lei nº 6.214, de 23/11/2022 vinculam os servidores da SEFAZ à observação da aplicação da alíquota geral de 18% para as operações internas com energia elétrica a partir de 14 de julho de 2022.

Questão 16: Prejudicada, haja vista que a alíquota de 18% prevalece até que sobrevenha decisão definitiva no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.164, por parte do Supremo Tribunal Federal.

Questões 16, 17 e 18:

Material e economicamente, a cadeia de geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica é una. Todas essas etapas concorrem para o fornecimento de energia elétrica, que é indissociável, não podendo ser segregado em partes;

Não existem, nessa cadeia, “serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica”. A transmissão e a distribuição da energia não são serviços prestados e nem possuem existência ou valor econômico autônomos, sendo partes do custo do fornecimento de energia, e, portanto, componentes da base de cálculo do ICMS incidente nas operações com energia elétrica; e

A Lei complementar federal nº 194, de 2022, e a Lei nº 18.521, de 2022, não promoveu qualquer alteração da base de cálculo do ICMS devido nas operações com energia elétrica, razão pela qual o ICMS incide em todos os componentes da tarifa de energia elétrica, incluindo a TUSD e a TE.

À Consideração Superior.

DTRI/DGT/SEFAZ - Palmas/TO, 12 de dezembro de 2022.

Rúbio Moreira

AFRE IV – Mat. 695807-9

De acordo.

José Wagner Pio de Santana

Diretor de Tributação Luiz Carlos da Silva Leal

Superintendente da Administração Tributária