Consulta COPAT nº 73 DE 06/12/2012
Norma Estadual - Santa Catarina - Publicado no DOE em 20 dez 2013
ICMS. DOAÇÃO DE AREIA À PREFEITURA MUNICIPAL, RESULTADO DE ATIVIDADE DE DRAGAGEM. NÃO INCIDE O ICMS POR NÃO RESTAR CARACTERIZADA OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA. A SAÍDA DA AREIA DEVE SER DOCUMENTADA COM EMISSÃO DE NOTA FISCAL. A DISPENSA PREVISTA NO ART. 4º, DO ANEXO 6, DO RICMS/SC SOMENTE SE APLICA NO CONTEXTO DE REGIME ESPECIAL EM QUE FIQUE DEMONSTRADO A IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA.
DA CONSULTA
A consulente identifica-se como atuando no ramo de construção naval. Em decorrência de suas atividades realiza dragagem de manutenção de seu cais, bem como de doca seca, devidamente autorizada pelos órgãos competentes, tanto da esfera estadual como federal. Acrescenta que a autorização para realizar a dragagem especifica que o material dragado não poderá ser comercializado, devendo ser utilizado exclusivamente no próprio empreendimento ou doado a entidade pública.
Informa ainda que não consegue fazer uso de todo o material dragado, razão por que pretende doar o referido material (areia) para a Prefeitura Municipal, obtendo autorização para tanto junto à Câmara de Vereadores, conforme Lei Municipal 2.637/12.
Após discutir o conceito de mercadoria, formula a seguinte consulta a esta Comissão:
(i) a doação à Prefeitura Municipal de areia obtida em razão da dragagem enquadra-se no conceito de mercadoria, para fins de incidência do ICMS?
(ii) estaria obrigada à emissão de documento fiscal, considerando o disposto no art. 4º do Anexo 6 do RICMS?
A autoridade fiscal, em suas informações de estilo, atesta que forma prestadas as declarações obrigatórias, previstas na Portaria 226/01 e que não foi encontrada Resolução Normativa relativa à matéria objeto da consulta. Acrescenta ainda que a consulente não fez qualquer referência quanto ao ITCMD e à imunidade do Município de Navegantes na condição de donatário.
LEGISLAÇÃO
CF, art. 150, VI, a;
Lei 13.136, de 25 de novembro de 2004, art. 2º, III;
RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, art. 1º;
Anexo 6, arts. 1º e 4º
FUNDAMENTAÇÃO
A presente consulta tem por objeto a incidência ou não de ICMS na hipótese de doação; ou seja, se a doação de areia dragada está compreendida no conceito de operação de circulação de mercadorias.
A norma de incidência tributária tem a estrutura de um proposição condicional, cuja protase contém a descrição de um fato, eleito pelo legislador, como fato gerador do tributo, e cuja apodose determina o comportamento imposto ao contribuinte (pagamento do tributo), no caso de concretização do fato descrito. De forma lapidar, marco Aurélio Greco (ICMS Combustíveis e Energia Elétrica Destinados à Industrialização Sentido do art. 3º, III da LC 87/96. RDDT 128: 88-116) define fato gerador como o evento que, se e quando ocorrido, irá dar nascimento às situações
jurídicas subjetivas, dentre as quais a obrigação tributária.
A seu turno, aprofundando a análise, Sacha Calmon Navarro Coelho (In Comentários ao Código Tributário Nacional, coordenado por Carlos Valder do Nascimento, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 262), conceitua o fato gerador nos seguintes termos:
Acontecido o fato previsto na hipótese legal (hipótese de incidência), o mandamento que era abstrato, virtual, torna-se atuante e incide. Demiúrgico, ao incidir, produz efeitos no mundo real, instaurando relações jurídicas (direitos e deveres). A incidência, em direito tributário, é para imputar a determinadas pessoas o dever de pagar somas ao Estado, a título de tributo. Esse, precisamente é o comportamento desejado pela ordem jurídica.
O legislador determinou como fato gerador do ICMS a efetivação de (i) operações relativas á circulação de mercadorias e (ii) a prestação de serviços de transporte e comunicação. No caso em tela, podemos afastar de plano as prestações de serviços. Mas, ela constitui operação de circulação de mercadorias? Dispõe o art. 110 do CTN que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente ... para definir ou limitar competências tributárias. Assim, o conceito de mercadorias, para definir a incidência do ICMS, deve ser pesquisado no direito privado.
Ora, entende-se por mercadoria o bem móvel adquirido para fim de revenda (ou seja, de mercancia).
Nesse sentido, define Hely Lopes Meireles (Imposto Devido por Serviço de Concretagem. Revista dos Tribunais. Ano 62, Julho/1973, vol. 453, pp. 45 a 52):
Mercadoria é toda coisa oferecida ao consumidor através da circulação econômica; enquanto a coisa não é posta em circulação econômica, não é mercadoria. O que caracteriza a mercadoria é a existência de um bem material posto em circulação econômica, para o consumo, mediante remuneração.
Já quanto ao conceito de mercadoria, decidiu a Primeira Seção (que reúne as turmas de direito público) do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.125.133; RDDT 182: 227):
4. A circulação de mercadorias versada no dispositivo constitucional refere-se à circulação jurídica, que pressupõe verdadeiro ato de mercancia, para ao qual concorrem a finalidade de obtenção de lucro e a transferência de titularidade.
Com efeito, a caracterização como mercadoria não é uma qualidade substancial do bem, mas circunstancial. Depende da intenção de quem promove a saída do bem. Se a intenção é a comercialização, será mercadoria; se a intenção for outra, não o será. Portanto, um mesmo bem pode ser mercadoria em determinado momento e não o ser em outro.
À evidência, não se vislumbra, no caso sob consulta, intenção de comércio. A Consulente não comercializa o material dragado, mas o está cedendo a título gratuito, à órgão público a Prefeitura Municipal para uso próprio. Não há intuito de lucro. A areia é obtida como subproduto da dragagem. A atividade da consulente não tem por objetivo a extração de areia, mas dragar o seu cais e doca seca. A doação à Prefeitura Municipal decorre da necessidade de dar um destino ao material dragado que, em momento algum, adquire a condição de mercadoria. Não se tratando de mercadoria, não incide o ICMS, por hipossuficiência da hipótese.
No tocante à dispensa de emissão de documento fiscal, com fundamento no art. 4º do Anexo 6 do RICMS, o dispositivo deve ser interpretado dentro de seu contexto. O art. 1º desse Anexo prevê a possibilidade de ser concedido regime especial, que concilie os interesses do Fisco com os do contribuinte, quando a modalidade das operações realizadas impossibilite o cumprimento de obrigação acessória. Nesse contexto, é permitido ao Diretor de Administração Tributária dispensar a emissão de documentos fiscais, observadas as condições previstas nos incisos do art. 4º.
Na falta de regime especial, em que o contribuinte demonstre a impossibilidade de cumprimento da obrigação acessória, não há que se falar de dispensa de emissão de documentos fiscais.
A autoridade fiscal, ao prestar suas informações, levanta a questão da incidência do ITCMD. Embora a consulta não trate deste imposto, que incide sobre a transferência de propriedade, é oportuno dar o seguinte esclarecimento: com efeito, o art. 2º, III, da Lei 13.136, de 25 de novembro de 2004, prevê como fato gerador desse imposto a doação a qualquer título de bens móveis, inclusive semoventes, direitos, títulos e créditos. Assim, em princípio, a doação da areia dragada estaria sujeita à incidência do ITCMD. Contudo, a teor do art. 5º, II, do mesmo pergaminho, o contribuinte do imposto é o donatário, ou seja a Prefeitura Municipal. Ora, essa operação está ao abrigo da imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a da Constituição da República:
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, instituir impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços uns dos outros.
RESPOSTA
Posto isto, responda-se à consulente:
a) não incide o ICMS sobre a doação de areia obtida como resultado de dragagem à Prefeitura Municipal;
b) a saída da areia deve ser documentada por nota fiscal, não se aplicando o disposto no art. 4º do Anexo 6 do RICMS, fora da concessão de regime especial.
A superior consideração da Comissão.
Velocino Pacheco Filho
AFRE- matr.184244-7
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 6 de dezembro de 2012.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.
REPUBLICAÇÃO POR INCORREÇÃO.
FRANCISCO DE ASSIS MARTINS
Presidente COPAT
MARISE BEATRIZ KEMPA
Secretária Executiva
Data e Hora Emissão 19/12/2012 15:40:59