Consulta nº 82 DE 10/11/2011

Norma Estadual - Paraná - Publicado no DOE em 10 nov 2011

ICMS. LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS ACOMPANHADA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE MANUTENÇÃO E DE FORNECIMENTO DE MATERIAIS. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO.

A consulente, cadastrada com a atividade de comércio varejista especializado em equipamentos e suprimentos de informática, informa atuar na área de locação de impressoras e de prestação de serviços de impressão em geral, assumindo a responsabilidade pelo transporte e instalação dos equipamentos nos estabelecimentos contratantes de seus serviços.

Expõe ter firmado contrato que tem por objeto a prestação de serviços de impressão e manutenção, o que inclui o fornecimento de toner, de peças de reposição de impressoras e demais insumos necessários à realização da impressão.

Informa, ainda, que por expressa disposição contratual a tomadora está desobrigada de figurar como destinatária e/ou remetente dos equipamentos e materiais utilizados na realização da atividade.

Para documentar a remessa dos equipamentos e materiais já enviados à contratante, expõe ter interpretado as orientações do Setor Consultivo (Consultas n. 161/2006 e n. 103/2008) e emitido nota fiscal indicando como destinatária a própria consulente e o código CFOP 5.949, sem destacar ICMS. Informa, ainda, ter observado, no campo reservado aos dados adicionais, tratar-se de operação não submetida à incidência do imposto, conforme art. 3º, inciso V, do RICMS, por se referir à remessa de equipamento e de material para utilização em prestação de serviço, além de mencionar o número do contrato, os dados da empresa contratante e seu endereço completo.

Colocados os fatos, questiona se está correto seu procedimento quanto ao preenchimento da nota fiscal e à fundamentação da não incidência, porquanto entende que essa também poderia ser justificada a partir do disposto no inciso XI do art.3º do RICMS.

Pergunta, ainda, se o mesmo procedimento poderá ser utilizado para documentar o retorno dos materiais e equipamentos.

No caso de estar equivocado seu entendimento, indaga como deverá proceder.

RESPOSTA

Primeiramente, observa-se que não incide ICMS na locação de bens móveis, assim entendida aquela efetuada nos termos dos artigos 565 a 578 do Código Civil, caracterizada pela cessão de uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

Isso porque na locação não ocorre a circulação da mercadoria, já que o locatário obriga-se a restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as deteriorações naturais ao uso regular (inciso IV do art. 569 do CC).

Registre-se que deve ser indicado no contrato social o exercício dessa atividade e que os bens objeto de locação devem estar devidamente incorporados ao ativo imobilizado, descabendo a utilização de crédito pelas entradas. Precedente: Consulta n. 70/2003.

Cabe ainda mencionar que a jurisprudência do STF - Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a locação também não se encontra no campo de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS, conforme expressa a Súmula Vinculante n. 31 (É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis), aprovada pelo Tribunal Pleno em 4.2.2010.

Por outro lado, quando o contrato tem por objeto a locação de bem móvel e, ao mesmo tempo, a prestação de serviço de manutenção e o fornecimento de componentes e insumos necessários ao funcionamento do bem locado, os serviços e o fornecimento de materiais devem observar o tratamento tributário a que estão submetidas essas atividades (ISS e ICMS).

Esse entendimento é verificado em manifestações do STF, no RE 626.706-SP e por ocasião da discussão havida em 4.2.2010, quando assentada a Súmula Vinculante n. 31, e de decisão recentemente proferida pelo STJ - Superior Tribunal de Justiça, no Resp 1.194.999-RJ, publicado no DJ de 22.9.2010, ao analisar questão referente a contrato que conjugava locação de bem móveis e prestação de serviço. Nesse julgado o STJ reafirmou não incidir ISS sobre a locação de bens, mas entendeu válida sua incidência sobre os serviços de manutenção e de assistência técnica, em razão de expressa previsão na lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, ressalvando que, em virtude de ter sido atribuído um valor global ao contrato, o valor tributável pelo imposto deveria ser apurado pela autoridade fiscal, por meio de procedimento administrativo próprio. Consequentemente, o ICMS também incide nessa operação quando a prestação de serviço contemplar o fornecimento de mercadoria.

Assim, embora o STF não tenha ainda examinado situação fática envolvendo operação mista, em que há conjugação de locação e prestação de serviço, a partir das manifestações de seus membros nas ações antes citadas é possível extrair o entendimento declarado pelo STJ.

A propósito, frise-se que, quando da aprovação do enunciado vinculante antes citado (PSV 45/DF - Proposta de Súmula Vinculante), esse aspecto da locação conjugada com prestação de serviços chegou a ser abordado, já que o texto inicialmente apresentado pelo Ministro Joaquim Barbosa tinha a seguinte redação: É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis dissociadas da prestação de serviços.

No entanto, por unanimidade, os Ministros acolheram a exclusão da expressão dissociadas de prestação de serviços, sugerida pelo Ministro Cezar Peluso, que assim se manifestou:

Veja bem: estamos afirmando que é inconstitucional quando incide sobre locação de móveis, mas só quando é dissociada da operação de serviço. Quando for associada, cabe imposto? Não. Então, a referência a “dissociada” é desnecessária, porque, quando associada, também não incide.

Quando há contrato de locação de móveis e, ao mesmo tempo, prestação de serviço, a locação de móveis continua não suportando o imposto; o serviço sim.

Logo, depreende-se dos posicionamentos jurisprudenciais citados que a locação pura e simples não pressupõe a obrigação de prestar assistência técnica ou serviços de manutenção nem de fornecer, de forma continuada, os produtos que serão consumidos durante o período de uso do bem pelo locatário, necessários ao seu funcionamento, tais como toner, cartucho de tinta, cilindros, unidades de revelação etc., conforme dispõe o contrato apresentado pela consulente.

Em relação ao fornecimento dessas mercadorias ocorre a transferência de propriedade e seu consumo pelo locatário, que detém a posse, ainda que precária, do bem.

O acordo em exame, portanto, caracteriza-se como um contrato misto, que conjuga locação de máquinas e equipamentos, prestação de serviço de manutenção (com reposição de peças e partes) e o fornecimento de mercadorias necessárias ao funcionamento dos bens locados.

Para Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil: Contratos em Espécie, vol. 3, 11. ed. - São Paulo: Atlas, 2011, pp. 453 a 458), essa fórmula contratual consistiria num contrato de fornecimento, que pertence àquela categoria de contratos mistos (...). O fornecedor não apenas se obriga a entregar as coisas, no que o negócio se aproxima da compra e venda e da locação, como também a realizar atos, a fim de possibilitar que o fornecido delas se utilize, no que aufere princípios de empreitada. Ao fornecido resta a obrigação principal de pagar o preço (p. 454).

Esclarece o doutrinador que deve ser analisado se o objeto do contrato é a utilização da coisa sem supervisão de quem a entrega, ou se a isso se agrega obrigação de manutenção e assistência, quando então se caracterizará o fornecimento, geralmente em conjunto com outros contratos.

Cabe frisar ainda que, para fins tributários, não importa o nome dado ao acordo de vontade entre as partes, mas sim os efeitos concernentes ao conteúdo pactuado, podendo um mesmo contrato conter cláusulas relativas a vários tipos de contratos nominados pelo Código Civil.

De todo o exposto, quanto à realidade contratual relatada pela consulente, conclui-se que:

a) o objeto do acordo compreende a locação de máquinas e equipamentos, conjugada com prestação de serviço de manutenção e fornecimento de mercadorias consumíveis, estando abrangida pela não incidência de ICMS apenas a atividade de locação pura e simples;

b) conforme dispõe o inciso V do art. 2º da Lei Complementar n. 87/1996, o ICMS incide sobre o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência tributária dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual, sendo esse o caso do serviço de que trata o item 14.01 da lista de serviços anexa à LC n. 116/2003: Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS);

c) o fornecimento das mercadorias fungíveis, necessárias à impressão (toner, cartuchos de tintas etc.), sujeita-se ao ICMS, pois é o locatário que delas se aproveita, não sendo restituíveis ao locador ao término do contrato, porquanto já consumidas; logo, há circulação de mercadoria;

d) na determinação da base de cálculo do ICMS, quando o preço acordado é global, cabe observar as regras dispostas no art. 15 da Lei Complementar n. 87/1996 e reprisadas no art. 8º da Lei n. 11.580/1996, adiante transcrito:

Art. 8º Na falta dos valores a que se referem os incisos I e VIII do art. 6º , a base de cálculo do imposto é (art. 8º da Lei n. 11.580/96):

I - o preço corrente da mercadoria, ou de sua similar, no mercado atacadista do local da operação ou, na sua falta, no mercado atacadista regional, caso o remetente seja produtor, extrator ou gerador, inclusive de energia;

II - o preço FOB estabelecimento industrial a vista, caso o remetente seja industrial;

III - o preço FOB estabelecimento comercial a vista, na venda a outros comerciantes ou industriais, caso o remetente seja comerciante.

§ 1º Para aplicação dos incisos II e III deste artigo, adotar-se-á sucessivamente:

a) o preço efetivamente cobrado pelo estabelecimento remetente na operação mais recente;

b) caso o remetente não tenha efetuado venda de mercadoria, o preço corrente da mercadoria ou de sua similar no mercado atacadista do local da operação ou, na falta deste, no mercado atacadista regional.

§ 2º Na hipótese do inciso III deste artigo, se o estabelecimento remetente não efetuar vendas a outros comerciantes ou industriais ou, em qualquer caso, se não houver mercadoria similar, a base de cálculo será equivalente a setenta e cinco por cento do preço de venda corrente no varejo.

No que diz respeito à forma de documentação das saídas, devem ser observadas as regras dispostas no Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto n. 1.980/2007, para cada situação, sendo que:

1. na saída dos bens móveis destinados à locação, pertencentes ao imobilizado da empresa, a nota fiscal deve ser emitida sem destaque de ICMS, com a indicação do Código Fiscal de Operações e Prestações – CFOP 5.949 ou 6.949 (Outra saída de mercadoria ou prestação de serviço não especificado), tendo por destinatária a empresa contratante e contendo o esclarecimento de que se trata de remessa para locação, com a indicação dos dados do contrato;

2. nas saídas de peças de reposição, vinculadas à prestação de serviço de manutenção, e de mercadorias fornecidas para consumo do locatário, que se caracterizam como operações de venda, a nota fiscal deve conter o destaque de ICMS e indicar como destinatária a empresa contratante, sendo permitido o acréscimo de indicações necessárias ao controle do tributo municipal, desde que atendidas as normas da legislação específica (alínea “a” do § 1º do art. 206 do RICMS). Especificamente em relação à atividade de manutenção, a legislação faculta o uso de Nota Fiscal-Ordem de Serviço, por estabelecimento prestador de serviços, conforme disciplinado nos artigos 146 e 147 do RICMS, na qual, em linhas separadas, deverá constar o valor acumulado das mercadorias sujeitas ao ICMS e dos serviços gravados pelo imposto municipal (§ 3º do art. 146);

3. no retorno dos bens móveis, ou na devolução de mercadorias não empregadas na manutenção ou não consumidas pelo locatário, as operações acompanham o tratamento tributário a que está vinculada a operação de remessa, cabendo o creditamento em relação às mercadorias devolvidas, se for o caso, observado o estabelecido no Capítulo I do Título III do RICMS, que disciplina os procedimentos relativos à devolução e ao retorno de mercadorias.

Nos termos expostos, verifica-se que o procedimento da consulente não está correto.

Quanto às orientações contidas nas Consultas n. 161/2006 e n. 103/2008, mencionadas pela interessada, expõe-se que a primeira não guarda relação com a matéria em exame, pois retrata a situação fática de envio de veículos integrantes do ativo imobilizado do contribuinte para utilização de seus funcionários em todo o território nacional; e no tocante à segunda, embora não tenha sido contestada a informação da então consulente, de que emitia nota fiscal sem destaque de ICMS para documentar o fornecimento de mercadorias à locatária, a resposta centrou-se na forma como devem ser documentados a remessa e o retorno de materiais, quando necessária sua substituição em equipamentos locados.

De todo o modo, as respostas às consultas antes citadas e, ainda, a relativa à Consulta n. 187/2002, também relacionada à locação de bens móveis com fornecimento de materiais, foram emitidas em data anterior ao entendimento ressaltado nas manifestações do STF e na decisão do STJ mencionada. Assim, revelando-se superada a orientação anteriormente exposta, fica essa revogada.

Por fim, esclarece-se que a consulente, caso esteja procedendo de maneira diversa, deverá adequar seus procedimentos ao aqui esclarecido.