Decreto nº 35819 DE 29/12/2023

Norma Estadual - Ceará - Publicado no DOE em 29 dez 2023

Dispõe sobre as ações afirmativas e reparatórias de direitos no âmbito do fomento cultural estadual previsto na Lei nº18.012 de 1º de abril de 2022, que institui a lei orgânica da cultura do estado do Ceará, dispondo sobre o sistema estadual da cultura – SIEC.

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, decreta:

CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Este Decreto dispõe sobre as ações afirmativas e reparatórias de direitos no âmbito do fomento cultural previsto na Lei nº 18.012 de 01 de abril de 2022, que institui a Lei Orgânica da Cultura do Estado do Ceará.

Art. 2º Para os fins deste Decreto, consideram-se:

I - ações afirmativas: medidas voltadas a grupos de pessoas que se encontram em condição de subalternidade, consistentes em tecnologias e mecanismos legais de promoção da igualdade e da equidade, sendo considerados, como fundamento e para fortalecimento das ações afirmativas, 3 (três) três pilares, quais sejam, reparação, justiça distributiva e diversidade, como formas e ações de enfrentamento e combate ao racismo, ao capacitismo, violência contra pessoa LGBTI+ e outras formas de opressão.

II – cotas: reserva de vagas nos editais de fomento cultural como medida de garantia de direitos e redução das desigualdades sociorraciais, étnico- raciais e de acessibilidade de grupos discriminados historicamente;

III - editais e vagas específicas: lançamento de editais (termos de execução cultural, patrocínio, premiação, bolsa e subvenção emergencial) e/ou a previsão de vagas específicas destinadas a políticas afirmativas;

IV - bônus de pontuação: previsão em edital de pontuação bonificada em relação à pontuação comum, para projetos desenvolvidos majoritariamente por pessoas trans ou pertencentes aos grupos etnicamente e racialmente discriminados, bem como para projetos que contemplem na proposta estética e/ou de conteúdo histórico-cultural temáticas vinculadas às populações negras, quilombolas, indígenas, ciganas ou de terreiros, pessoas com deficiência, pessoas LGBTI+, em prol do combate ao racismo e a outros tipos de opressões e violências;

V - candidatos/as negros/as: pessoas que se autodeclaram negras (pretos e pardos), observadas as referências utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com impedimentos gerados pelo racismo em decorrência da própria estrutura social, política e econômica, submetidas à banca ou comissão de heteroidentificação;

VI - candidatos/as quilombolas: pessoas pertencentes a território quilombola, com vínculos parentais e comunitários de pertencimento e identidade cultural própria como expressão dos costumes e modo de vida da comunidade;

VII - candidatos/as indígenas: pessoas que se autodeclaram indígenas e que comprovam o vínculo de parentesco e pertencimento ao povo e ou etnia de origem, sendo reconhecidas como membro de sua coletividade, nos termos da Convenção nº. 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT;

VIII - candidatos com deficiência: pessoas que têm impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas;

IX - povos e comunidades tradicionais: grupos culturalmente diferenciados que se reconhecem como tais, possuindo formas próprias de organização social, e que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição, nos termos do Decreto n° 6.040 de 07 2007.

Art. 3º As ações afirmativas previstas neste Decreto serão realizadas por meio de editais para acesso aos recursos e aos instrumentos do regime próprio de fomento à cultura - termos de execução cultural, patrocínio, premiação, bolsa e subvenção emergencial -, mediante a reserva de cotas, vagas específicas, instituição de bônus de pontuação, observado, no que couber, as legislações federais e demais estaduais aplicadas à espécie.

Art. 4º Para fortalecimento das ações afirmativas previstas neste Decreto, serão desenvolvidas ações de valorização e combate ao racismo, como dimensões da política de igualdade racial, especificamente através de formações com conteúdos sobre as relações étnico-raciais, a história e a cultura afro-brasileira e indígena, a serem ofertadas ao conjunto dos sujeitos participantes das políticas culturais.

Parágrafo único. Somente ocorrerá a não-aplicação das políticas afirmativas se for constatada incompatibilidade do edital com a política, o que deverá ser devidamente justificado.

CAPÍTULO II DAS COTAS

Art. 5º A política de cotas tem como objetivo garantir acesso às pessoas pertencentes aos grupos étnicos e raciais historicamente discriminados aos processos de seleções públicas e aos editais do fomento cultural estadual, inclusive quando direcionados a pessoas físicas.

Art. 6º Da totalidade das vagas ou recursos disponibilizados em cada edital de fomento à cultura ou seleção pública realizada diretamente pela Secretaria da Cultura – Secult ou por entidade executora de contrato de gestão, será aplicada reserva de vagas na seguinte forma:

I - 20% (vinte por cento) para pessoas negras (pretos e pardos);

II – 10% (dez por cento) para pessoas com deficiência;

III – 5% (cinco por cento) para pessoas indígenas;

IV – 5% (cinco por cento) para pessoas quilombolas.

§ 1º As vagas reservadas por meio das cotas serão distribuídas segundo critérios de regionalização e especialidade.

§ 2º Em caso do percentual de cota sobre o total de vagas ofertadas resultar número fracionado, o quantitativo de vagas a serem reservadas, nos termos deste artigo, será aumentado para o número inteiro subsequente caso a fração seja superior a 0,5 (cinco décimos), ou diminuído para o inteiro imediatamente anterior, se a fração for inferior a 0,5 (cinco décimos), observado sempre o patamar limite para a reserva de vagas estabelecido no caput deste artigo.

§ 3° As (os) candidatas(os) negros/as, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, após a validação de suas autodeclarações e com nota suficiente para ingresso pela ampla concorrência, serão classificados nesta modalidade, sem implicar em diminuição do número de vagas destinadas às cotas.

§ 4° A classificação da(os) candidata(os) aprovada(os) nos processos seletivos observará os critérios de proporcionalidade, levando em consideração a relação entre o número de vagas total e número de vagas reservadas na modalidade cotas.

Art.7º As (os) candidatas(os) negras/os, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, concorrentes às cotas instituídas neste Decreto deverá apresentar manifestação formal como negro/a (preto ou pardo), indígena, quilombola ou pessoa com deficiência, na ocasião da sua inscrição.

Art.8º A(o) candidata(o) negra(o), indígena, quilombola, pessoa com deficiência, optante por cotas, será eliminado do processo seletivo em caso de reprovação ou não comprovação da condição de cotista.

Seção I Dos candidatos negros

Art.9º A autodeclaração do candidato à cota para negros/as (preto ou pardo) observará os quesitos cor e raça empregados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), devendo o documento ser submetido a comissão de heteroidentificação.

§ 1º A comissão de heteroidentificação aferirá aspectos fenotípicos (cor de pele, textura do cabelo e aspectos faciais), considerada a cor da pele o critério mais importante e não sendo considerados aspectos de ascendência genética ou de relações parentais, tampouco a participação em manifestações socioculturais afro-brasileiras, como critério para validação.

§ 2º Não aceita a autodeclaração do/a condidato/a negro (preto/pardo) pela comissão de heteroidentificação, poderá ser interposto recurso à banca recursal no prazo de 3 (três) dias úteis.

§ 3º A banca recursal fará o julgamento do recurso, realizando a reavaliação do candidato no caso de o julgar procedente.

Seção II Dos candidatos quilombolas

Art. 10. O candidato à cota quilombola deverá declarar seu pertencimento étnico mediante documento emitido pela associação civil de seu território,com assinatura de seus representantes legais.

§ 1º O candidato autodeclarado quilombola na forma do caput deste artigo, para validação de sua participação no certame pelo sistema de cotas, deverá apresentar declaração de pertencimento étnico assinada por 3 (três) lideranças ou associação quilombola do quilombo da qual se declara pertencer.

§ 2º A autenticidade da declaração de pertencimento étnico será validada pela comissão responsável da seleção pública e/ou por técnicos da Secretaria da Igualdade Racial do Estado do Ceará, tendo por base os critérios de pertencimento étnico exigidos neste Decreto e na legislação pertinente à matéria.

Seção III Dos candidatos indígenas

Art. 11. O candidato à cota indígena deverá declarar seu pertencimento étnico mediante documento emitido pela associação civil de seu território, com assinatura de seus representantes legais.

§ 1º O candidato autodeclarado indígena na forma do caput deste artigo, para validação de sua participação no certame pelo sistema de cotas, deverá apresentar declaração de pertencimento étnico assinada por 3 (três) lideranças ou associação indígena da aldeia da etnia da qual se declara pertencer.

§ 2º A declaração de pertencimento étnico será validado por técnicos da Secretaria dos Povos Indígenas do estado do Ceará, tendo por base os critérios de pertencimento étnico exigidos neste Decreto e na legislação pertinente à matéria.

Seção IV Dos candidatos com deficiência

Art. 12. O candidato optante pela reserva de vaga para pessoa com deficiência deverá se declarar pessoa com deficiência de acordo com a definição da Lei Federal nº 13.146, de 6 de julho 2015.

§ 1º Por ocasião da inscrição no certame, o candidato optante apresentará laudo médico ou documento equivalente válido indicando a deficiência, observada legislação específica sobre o tema.

§ 2º O laudo válido ou documento equivalente apresentado deverá conter as informações mínimas especificadas em ato da Secult, a qual poderá solicitar a validação do laudo por especialistas se necessário.

CAPÍTULO III DOS EDITAIS E DAS VAGAS ESPECÍFICAS

Art. 13. Poderão ser divulgados de editais específicas de fomento cultural ou previstas vagas específicas para ações afirmativas em editais como forma de promover a redução das desigualdades sociorraciais, étnico-raciais, de gênero e de acessibilidade de grupos discriminados historicamente.

Parágrafo único. A política de vagas específicas em editais será preferencialmente destinada a pessoas transgêneros, considerando o histórico de violência e vulnerabilidade, terá como objetivo a garantia de direitos, a promoção da diversidade, da igualdade e da equidade.

CAPÍTULO IV DO BÔNUS DE PONTUAÇÃO

Art. 14. Poderá ser previsto em edital de fomento cultural pontuação bonificada em relação à pontuação comum para projetos desenvolvidos majoritariamente por pessoas trans ou pertencentes a grupos etnicamente e racialmente subordinados, bem como para projetos que contemplem na proposta estética e/ou de conteúdo histórico-cultural temáticas vinculadas às populações negras, quilombolas, indígenas, ciganas ou de terreiros, pessoas com deficiência, pessoas LGBTI+, em prol do combate ao racismo e a outros tipos de opressões e violências.

§ 1º O bônus de pontuação será aplicado em projetos submetidos por pessoas jurídicas.

§ 2º A bonificação não poderá exceder a 30 % (trinta por cento) da pontuação máxima prevista no edital.

CAPÍTULO IV DO MONITORAMENTO DA APLICAÇÃO DA POLÍTICA DE AÇÕES AFIRMATIVAS

Art. 15. O acompanhamento, o monitoramento e a avaliação da política de ações afirmativas regulamentada por este Decreto será de responsabilidade de comitês gestores temáticos da Secult, composta por técnicos com expertise em políticas de ações afirmativas objeto deste Decreto.

CAPÍTULO V DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 16. A realização de editais com ações afirmativas é indutora à democratização do acesso à política cultural de fomento à cultura, mas não implica a obrigatoriedade de classificação/aprovação do projeto realizado.

Art. 17. Além do disposto neste Decreto, poderão ser propostos outros mecanismos voltados especificamente a determinados territórios, povos, comunidades e populações que sejam de interesse das políticas de ações afirmativas, cabendo à Secult proceder a estudos e aprovar a metodologia junto aos colegiados temáticos pertinentes.

Art. 18. Quaisquer projetos ou documentos no fomento cultural que apresentem formas de preconceito ou intolerância relativas à diversidade religiosa, racial, étnica, de gênero, geracional, de orientação sexual e quaisquer outras formas de discriminação serão desclassificados, garantido o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras ações de natureza criminal.

Art. 19. As disposições deste Decreto poderão ser aplicadas, no que couber, às seleções públicas de pessoal relacionadas à Rede Pública de Espaços e Equipamentos Culturais do Estado do Ceará - RECE, vinculados à Secretaria da Cultura.

Art. 20. As disposições deste Decreto poderão ser aplicadas, no que couber, aos editais da Lei Complementar Federal n.º 195, de 8 de julho de 2022 (Lei Paulo Gustavo).

Art. 21. Este Decreto entra em vigor por ocasião de sua publicação.

PALÁCIO DA ABOLIÇÃO, DO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, em Fortaleza, aos 29 de dezembro de 2023.

Elmano de Freitas da Costa

GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ