Despacho FUNAI nº 7 de 02/02/2012

Norma Federal - Publicado no DO em 06 fev 2012

Aprova as conclusões objeto do citado resumo para reconhecer os estudos de identificação da Terra Indígena TREMEMBÉ DA BARRA DO MUNDAÚ de ocupação tradicional do grupo indígena Tremembé, localizada no município de Itapipoca, Estado do Ceará.

O Presidente da Fundação Nacional do Índiofunai, no uso das atribuições conferidas pelo Decreto nº 7.056, de 28 de dezembro de 2009 , em conformidade com o § 7º do art. 2º do Decreto nº 1775/1996 , tendo em vista o Processo FUNAI/BSB nº 08620.003184/2012-16 e

Considerando o Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação de autoria da antropóloga Claudia Tereza Signori Franco, que acolhe, face às razões e justificativas apresentadas,

Decide:

Aprovar as conclusões objeto do citado resumo para reconhecer os estudos de identificação da Terra Indígena TREMEMBÉ DA BARRA DO MUNDAÚ de ocupação tradicional do grupo indígena Tremembé, localizada no município de Itapipoca, Estado do Ceará.

MÁRCIO AUGUSTO FREITAS DE MEIRA

ANEXO
RESUMO DO RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA TERRA INDÍGENA TREMEMBÉ DA BARRA DO MUNDAÚ

Referência: Processo FUNAI/BSB/003184/2012-16. Terra Indígena: Tremembé da Barra do Mundaú (anteriormente denominada São José e Buriti ou Tremembé de Itapipoca). Localização: Município de Itapipoca, Estado do Ceará. Superfície aproximada: 3.580 ha. Perímetro aproximado: 31,6 Km. Povo Indígena: Tremembé. População: 494 habitantes (2009). Identificação e Delimitação: Grupo Técnico constituído pela Portaria nº 03/DAF, de 14.07.2009, alterada pela Portaria 1497/PRES, de 18.11.2009, coordenado pela antropóloga Cláudia Tereza Signori Franco.

I - DADOS GERAIS

As primeiras referências aos Tremembé datam do século XVI. Os jesuítas começaram a estabelecer aldeamentos em território cearense no século XVII, paralelamente ao processo de concessão de sesmarias na zona costeira. O projeto colonial português promovia uma política que categorizava os povos indígenas em dois pólos, os aliados e os inimigos, derivando disso as justificativas para o emprego da força física. Os povos indígenas que se tornavam aliados dos portugueses necessitavam ser convertidos à fé cristã, enquanto os "índios bravos" eram subjugados militar e politicamente. Os aldeamentos concorriam para a eliminação da identidade tribal dos índios, amalgamando-se povos muito distintos entre si, como os Kariri, Potyguara e Tremembé em Caucaia; os Tabajara, Anacé, Arariú, Kamakú e Akoançú em Ibiapaba; os Kixelô, Javó, Kixariú, Akarisú, Kariú e Juká em Telha. Ao longo do século XVII, as "invasões holandesas", que contaram com apoio de alguns povos indígenas, contribuíram para o acirramento das relações já conflituosas com os portugueses. A distribuição de sesmarias intensificou-se a partir de 1700. O processo de fixação do homem branco na terra era radicalmente diferente da relação que os índios estabeleciam com o seu território. À medida que os estabelecimentos dos colonizadores avançavam, os indígenas se viam impossibilitados de continuar a exercer a posse plena sobre as áreas antigamente ocupadas, buscando regiões de acesso mais difícil. Para fazer frente à situação de violência, escravidão, usurpação e confinamento territorial, vários povos indígenas, liderados pelos Baiacu (ou Paiacu), organizaram-se contra o domínio colonial entre 1683 e 1713. Entre 1694 e 1702, nas capitanias de Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Piauí, houve a "Guerra dos Bárbaros", movimento indígena de vulto, silenciado de forma dura pelos bandeirantes paulistas. Subjugados, os povos indígenas criaram, em 1712, a Confederação Indígena, a fim de negociar a paz com o colonizador. Porém, no ano seguinte, diante da negativa dos portugueses em cumprir os acordos, os "Tapuia" atacaram Aquiraz, sede econômica da capitania, fato que motivou o envio de outras expedições militares para a região, as quais desbarataram a resistência indígena. A concessão de grandes lotes de terras a alguns poucos particulares e à Igreja se manteve no Ceará mesmo depois de revogada a Carta das Sesmarias (1822). A concentração de terras perdura até hoje na região; ao longo do século XX, o "tempo dos coronéis", os indígenas continuaram sofrendo forte pressão sobre a terra e os recursos naturais, cobiçados pelos nãoíndios. Com base na bibliografia disponível, constata-se que o território histórico Tremembé provavelmente alcançava, para além do rio Mundaú, as margens do rio Paraíba ou a foz do Itapicuru. De acordo com o Mapa Etno-Histórico elaborado pelo etnólogo Curt Nimuendaju, a área historicamente ocupada por esse povo estendia-se pela porção norte da costa atlântica, desde a Baía de Caeté e a Baía do Turiaçu (atualmente terras do estado do Maranhão) até os arredores do que hoje é o município de Fortaleza. O Arquivo Público do Ceará dispõe de registros das primeiras sesmarias concedidas na região de Itapipoca, entre os rios Mundaú e Cruxati. Os Tremembé que ocupam a área da Barra do Mundaú são provenientes de Almofala e Itarema, de onde saíram devido às perseguições promovidas pelos "coronéis" e por representantes da Igreja, às secas e ao deslocamento das dunas. Contudo, até hoje Almofala é concebida pelos Tremembé como lugar de origem do povo, persistindo no tempo uma identidade supra-aldeã. Atualmente os Tremembé falam a língua portuguesa. Embora a filiação da língua Tremembé seja desconhecida, estudos indicam tratar-se de língua diversa daquelas pertencentes ao tronco Tupi. Vários pesquisadores propõem que os Tremembé são descendentes dos "Tapuia"/Cariri. Atualmente os Tremembé habitam áreas no litoral e no interior do Ceará, especialmente nos municípios de Itarema, Acaraú e Itapipoca. Hoje a população total é de aproximadamente 3 mil pessoas. Em 2009 viviam na Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú 494 indígenas.

II - HABITAÇÃO PERMANENTE

Em 2009, os 494 Tremembé da Barra do Mundaú estavam assim distribuídos: 27 famílias na aldeia São José, 25 na aldeia Munguba, 23 na aldeia Buriti de Baixo e 37 na aldeia Buriti do Meio. Tradicionalmente os Tremembé estabelecem moradias e aldeias nos trechos de "baixa", de acordo com o critério da sazonalidade. Com efeito, nas porções de baixa existem sítios arqueológicos que atestam a antiguidade da ocupação indígena, aos quais os Tremembé conferem alto valor simbólico. Os Tremembé das aldeias São José e Munguba acessam predominantemente as regiões de Chapada do Mosquito, Camboa, Barra do Alagadiço, Rio Novo, Porto da Canoa, Volta, Macaco, Ana Rosa e Cumbe. Os moradores das aldeias Buriti do Meio e Buriti de Baixo acessam predominantemente as porções da chapada denominadas João Pereira, Cumbucas, Correguinho, Pilão, João Mole, Barreiras e Esperinha. Além de moradias, existem nesses locais casas de farinha, salões, casas de cura, roçados, pontos de caça, pesca e coleta, além de zonas de refúgio de fauna. No passado, as casas eram construídas principalmente nas baixas e na chapada se plantavam os roçados. Em função do tipo da ocupação não-indígena, que avançou sobre seu território, hoje os Tremembé constroem suas moradias preferencialmente no pé do morro e na chapada. Nas baixas de morro formam-se lagoas e correntes sazonais, bem como olhos d'água, lagoas e correntes perenes, importantes fontes de água potável e de peixes. Por sua vez, no pé do morro concentra-se um conjunto específico de espécies vegetais, como madeiras de lei, utilizadas para a construção de moradias, e plantas com propriedades medicinais. Nesse etnoambiente os indígenas implantam quintais e canteiros, onde cultivam frutíferas, temperos, plantas medicinais e ornamentais, e criam galináceos, porcos e caprinos. Os Tremembé reconhecem três subcategorias de áreas sujeitas à inundação neste etnoambiente: baixios, brejos e tremedais. A chapada abrange porções de várzea, recobertas ou não por carnaúba. Atualmente, este é o principal etnoambiente utilizado para atividades agrícolas, onde existem manchas de mata, categorizadas em: mata bruta, mata de carrasco, carnaubal, capoeiras, baixios, brejos e tremedais. Na chapada os Tremembé abrem trilhas e caminhos de uso coletivo, que interligam diversos etnoambientes e roçados e que servem, ainda, às atividades de caça e coleta. Lagoas de chapada, brejos e tremedais ocorrem geralmente nas proximidades de córregos ou olhos d'água e estão associados à mata ciliar, consistindo em ecossistemas favoráveis ao aparecimento de espécies endêmicas de flora e fauna utilizadas pelos índios. Um dos recursos de maior valor que ocorre na chapada é a carnaúba, aproveitada para diversas finalidades, dentre as quais se destaca a cera, com valor comercial. Além disso, a proximidade com o litoral é relevante para os Tremembé porque a praia funciona como ancoradouro e favorece atividades de pesca e recreação.

III - ATIVIDADES PRODUTIVAS

Os Tremembé demonstram sofisticado conhecimento ecológico transmitido de geração a geração. As principais atividades produtivas desenvolvidas pelos Tremembé são agricultura, pesca e artesanato. A caça e a coleta, em virtude da degradação ambiental promovida por não-índios na região, são atividades secundárias. Essas atividades sofrem a influência direta do regime das águas; são realizadas em nove etnoambientes distintos, de acordo com critérios específicos de gênero e geração. Os Tremembé obtêm a maioria dos alimentos de que necessitam para sua subsistência em lagoas e rios. A pesca é uma de suas principais atividades produtivas; além da alimentação cotidiana, os peixes são importantes para a realização das festas do Torém, quando se pesca em maior escala. Para conservar o pescado, eles utilizam jiraus para moquear. Os Tremembé pescam geralmente com anzol nos rios e lagoas, e com pequenas redes ou malhadeiras no mar. A pressão exercida por não-índios prejudica a prática da pesca desenvolvida pelos Tremembé. A atividade pesqueira é efetuada durante o todo o ano, mas na época da seca (verão) esta atividade é intensificada; durante o período da cheia (inverno), quando o nível das águas se eleva, a pesca se realiza principalmente perto de fruteiras. Os Tremembé conhecem profundamente bio-indicadores, etologia de algumas espécies e sua relação com a alternância das fases do ciclo hidrológico e com a biogeografia dos corpos d'água do seu território. A agricultura é a principal fonte alimentar de origem vegetal e de carboidratos para os Tremembé, que cultivam mandioca, feijão, arroz, batata doce, banana, coco, melancia, caju, abóbora e goiaba, dentre outros. Com a mandioca fabricam a farinha de puba (farinha grossa) e o beiju e, com o caju, o mocororó, bebida ingerida nos dias de Torém. A atividade agrícola se inicia com o preparo da terra nos meses de janeiro e fevereiro; plantase em março, abril, maio; a colheita ocorre em agosto; faz-se o segundo plantio do ano entre setembro e outubro; a segunda colheita ocorre em dezembro e janeiro. Os Tremembé também plantam diversas espécies de valor medicinal: agrião, algodão, alho, amor crescido, boldo, capim santo, cebola do mato, cebolinha, couve, cravo, cumaru, flor balão, hortelã, inhame, laranja, limão, malvarisco, mamão, manu, marupá, pinhão branco e roxo, dentre outras, e coletam diversas espécies na floresta: jatobá, jurema, casca de caju azedo, entre outras. As roças atualmente são comunitárias/familiares e são plantadas nas áreas de chapada. Apesar de a caça ser pouco praticada, sobretudo devido à degradação ambiental do entorno, os índios apontaram a existência de diversas espécies animais no interior dos limites da terra indígena, dentre as quais destacam-se o tatu peba e a galinha d'água. As caçadas são uma atividade tipicamente masculina, normalmente realizada por um único homem ou por grupos de 2 ou 3 índios. Embora a caça ocorra durante todo o ano, algumas espécies são caçadas preferencialmente em determinadas épocas, como o tatu peba, durante o inverno, época das cheias. Os lugares preferenciais de caça são as matas da chapada e os alagadiços da região de baixa. O artesanato também é uma atividade relevante para os Tremembé. A produção artesanal inclui a confecção de colares de sementes e conchas (búzios), brincos, paneiros, caçuás e rendas de bilro, principal atividade artesanal feminina. A coleta de produtos vegetais é praticada sazonalmente ou conforme a necessidade. Os principais produtos coletados são: azeitona, jatobá, ingá, goiaba, murici, urucum e goiaba. Os Tremembé coletam ainda mel de jataí, tiúba, uruçú, europa, mumbuca.

IV - MEIO AMBIENTE

A região de Itapipoca, situada na costa oeste do Ceará, apresenta características climáticas peculiares que garantem a existência de paisagens como serras, sertão e litoral. Na classificação de Köppen, o clima do litoral cearense é caracterizado como Aw - Clima Tropical Chuvoso, quente e úmido, com chuvas concentradas no período de janeiro a maio. O clima de Itapipoca é Tropical Quente Semi-Árido e Tropical Quente Semi-Árido Brando, com pluviosidade média em torno de 1.130 mm e temperatura média anual entre 26º e 28º. Oliveira et al. classificam a área de abrangência do município de Itapipoca em cinco sistemas, divididos em nove subsistemas. Dentre os sistemas, podem-se identificar três categorias que ocorrem na área de uso dos Tremembé de São José e Buriti: I) a planície litorânea, que compreende a faixa praial, pós-praia, campos de dunas móveis com Neossolos Quartzarênicos e Vegetação Pioneira Psamófila; campos de dunas fixos; e o mangue, que é formado por planície flúviomarinha com solos Glei Tiomórficos e Sálicos, ocupada predominantemente por vegetação de Floresta Perenifólia Paludosa Marinha. II) Planície fluvial (várzea) na beira do rio Mundaú e principais afluentes, caracterizada por Neossolos Flúvicos e vegetação de Floresta Mista Dicótilo-Palmácea (mata ciliar, carnaubais). III) Glacis Litorâneos, composto pelos tabuleiros litorâneos. A região próxima à foz do rio Mundaú, onde estão localizadas as aldeias São José e Buriti e suas áreas de uso, foram classificadas por Meireles (2004) em cinco unidades de paisagem, que podem ser correlacionadas aos subsistemas de Oliveira et al.: tabuleiro litorâneo, lagoas, manguezal, campo de dunas e faixa de praia. No levantamento realizado na área ocupada pelos Tremembé da Barra do Mundaú, Meireles (2004) avalia que a grande disponibilidade de água doce armazenada na área do tabuleiro a partir dos sistemas lacustres e de córregos perenes, que se formam por meio do lençol freático próximo à superfície em certos locais, ficaria extremamente ameaçada pela implantação de grandes empreendimentos. O autor ressalta que, por se tratar de uma área de transição entre a planície costeira, a várzea e o manguezal, o tabuleiro local é um ambiente extremamente vulnerável, principalmente quando exposto às atividades humanas intensivas, como grandes investimentos imobiliários ou turísticos. Segundo Meireles (2004), as lagoas estão disseminadas por todas as unidades de paisagem locais e são mais representativas nos tabuleiros, associadas aos córregos. Algumas lagoas sazonais sobre o tabuleiro areno-argiloso são vinculadas às flutuações sazonais do nível do lençol freático. O ecossistema manguezal ocorre ao longo do rio Mundaú na área de influência das marés e é classificado, de acordo com a legislação ambiental vigente, como área de preservação permanente (APP), uma vez que se trata de um ambiente estratégico de reprodução de muitas espécies da biodiversidade marinha e fluvial. Meireles (2004) realizou um perfil representativo do ecossistema manguezal, dividindo-o (na direção do terraço fluvio-marinho ao tabuleiro) em: a) bosque de manguezal composto por Vegetação Paludosa Marítima de Mangue entrecortada por canais estuarinos e gamboas, e b) apicum, uma região ocupada por espécies herbáceas, que atua como reguladora das propriedades bioquímicas e físicas do ecossistema e também é entrecortada por gamboas. O manguezal constitui um subsistema instável com alta vulnerabilidade. Apesar disso, observa-se que uma grande área na beira do rio Mundaú foi desmatada e aplainada para a construção de uma fazenda de criação de camarão, representando danos severos para as nascentes e o carnaubal ali existentes; esta obra foi embargada judicialmente. Por sua vez, os Tremembé de Itapipoca apresentam um sistema detalhado de classificação de ambientes terrestres e aquáticos, o que demonstra o conhecimento acumulado ao longo da ocupação duradoura e tradicional na área delimitada. Eles reconhecem e nomeiam 11 diferentes tipos de fisionomias ou ambientes terrestres (alguns sujeitos à inundação): praia, morros, cascudos, baixas de morro, pé de morro, mangue, croa, chapada, baixios, brejos e tremedal. Entre os diferentes corpos d'água ou ambientes aquáticos, indicam sete categorias: mar, rios, córregos, correntes, lagoas, gamboas e olhos d`água. Dentre tais subcategorias de ambientes terrestres e aquáticos, é possível discernir unidades de obtenção e/ou manejo de recursos naturais, que são áreas específicas para o exercício de atividades de coleta, agricultura, caça, pesca, lazer, religião, dessedentarização, criação de animais e construção, entre outras.

V - REPRODUÇÃO FÍSICA E CULTURAL

É importante esclarecer que o levantamento populacional foi realizado apenas com as pessoas que assumiram a identidade indígena no momento dos trabalhos de campo do GT; os demais moradores, todos aparentados, se recusaram a receber a equipe. A situação de tensão e conflitos entre os Tremembé originou-se com a instalação do empreendimento da Nova Atlântida, nos primeiros anos do século XXI; a diferenciação socioeconômica interna ao grupo, causada pela contratação de alguns indígenas, somase à pressão exercida pela empresa para que os funcionários não reivindiquem a demarcação da terra indígena. Nesse contexto, alguns indígenas sentiram-se indignados com a forma de atuação da empresa e decidiram assumir publicamente a identidade indígena e lutar por seus direitos. No campo da cosmologia, cabe destacar que o Torém é o principal ritual sagrado praticado pelos Tremembé. Durante as festas do Torém, realizam-se trocas (simbólicas, políticas, econômicas) entre Tremembé de diversas aldeias e entre Tremembé e outros povos indígenas do Ceará. Os cantos entoados nas festas são o principal meio de transmissão do conhecimento e do sentimento sobre o território Tremembé. As mulheres atuam como rezadeiras, raizeiras, parteiras e cantoras de Torém (esta última função também é desempenhada pelos homens). Além do Torém, no mês de dezembro, 'tempo do peixe gordo', os Tremembé realizam as festas do murici e do batiputá. Na TI Tremembé da Barra do Mundaú existem cinco sítios arqueológicos identificados pelo IPHAN, aos quais os Tremembé chamam de "moradas dos antigos". Os Tremembé classificam alguns peixes como "reimosos", expressão de um universo mais amplo de regras que balizam a relação entre humanos e seres da natureza, comum a vários povos indígenas.

VI - LEVANTAMENTO FUNDIÁRIO

Sobre a TI Tremembé da Barra do Mundaú incide a área conhecida regionalmente como Sítio São José e Buriti, imóvel que corresponde às antigas posses de Mundaú, Mundaú Velho, Gadelha, Buriti, Pedrinhas, Baleia e Baixas, situado no distrito de Marinheiros, município de Itapipoca (CE). A cadeia dominial do imóvel Sítio São José e Buriti apresenta contradições que permitem levantar a hipótese de que os Tremembé da Barra do Mundaú seriam, além de ocupantes originários, herdeiros naturais dessas terras, uma vez que o sobrenome "Carneiro", que identifica um tronco familiar Tremembé, aparece também entre os herdeiros ilegítimos do português José Maria da Silveira com Emília Batista Carneiro, uma indígena, de acordo com relatos dos Tremembé. Em 1939, todas as terras do Sítio São José e Buriti foram registradas em nome de Euclides Carneiro, um dos filhos ilegítimos de José Maria da Silveira e Emília Batista Carneiro, mas não se sabe nada sobre a parte que coube a seus oito irmãos (quatro legítimos e quatro ilegítimos). Após a morte de Euclides, sua esposa, Zulmira Souto Carneiro, adquiriu as terras por herança. Em 1976, Zulmira vendeu o imóvel São José ao senhor José Galvão Prata e esposa, Maria Luce Girão Prata. Este casal, por sua vez, vendeu as terras para o Consórcio Turístico Nova Atlântida, formado por um grupo de investidores espanhóis. Recentemente a empresa Nova Atlântida Ltda. apropriou-se de duas áreas no interior da Terra Indígena: uma às margens do rio Mundaú (próximo à aldeia São José) e outra na chapada (aldeia Buriti do Meio). Portanto, atualmente a referida empresa consiste no único ocupante não-indígena no interior da terra delimitada; os moradores que se identificaram como não-índios durante os trabalhos de campo do GT, em 2009, são Tremembé que temiam sofrer represálias por parte de representantes da empresa onde trabalham.

VII - CONCLUSÃO E DELIMITAÇÃO

A presente proposta de limites resulta da reunião de elementos objetivos de natureza etnohistórica, antropológica, ambiental, documental, cartográfica e fundiária, obtidos por meio de trabalhos de campo e de gabinete realizados por equipe técnica qualificada, autorizados por Portarias expedidas pela Presidência da Funai. A proposta, que contou com a anuência dos Tremembé, consiste num polígono delimitado pela margem esquerda do rio Mundaú, ao sul; pela faixa litorânea, a nordeste; e pela Vila dos Pracianos/Praia da Baleia, a oeste, somando a superfície aproximada de 3.580 hectares e o perímetro aproximado de 31,6 Km. Neste sentido, a terra indígena ora delimitada, ocupada de forma permanente e tradicional pelo povo Tremembé, apresenta as condições ambientais necessárias às suas atividades produtivas e tem importância crucial para seu bem-estar e para a satisfação de suas necessidades de reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, de acordo como artigo 231 da Constituição Federal vigente.

CLÁUDIA TEREZA SIGNORI FRANCO

Antropóloga-coordenadora do GT

MEMORIAL DESCRITIVO

Partindo do ponto P-01 de coordenadas geográficas aproximadas 03º 09'14"S e 39º 25'17"WGr, localizado na margem do Oceano Atlântico; daí, segue margeando a costa, no sentido geral sul, com distância aproximada de 5.200 m, até o ponto P-02 de coordenadas geográficas aproximadas 03º 10'57"S e 39º 23'07"WGr, localizado na foz do rio Mundaú; daí, segue pelo referido rio a montante, até o ponto P-03 de coordenadas geográficas aproximadas 03º 12'01"S e 39º 28'12"WGr, localizado na margem esquerda do rio Mundaú; daí, segue por uma linha reta até o ponto P-04 de coordenadas geográficas aproximadas 03º 09'26"S e 39º 27'28"WGr; localizado na margem da Lagoa do Mato, daí, segue por uma linha reta até o ponto P-05 de coordenadas geográficas aproximadas 03º 09'27"S e 39º 25'24"WGr; daí, segue por uma linha reta até o ponto P-01, início da descrição deste perímetro. OBS: 1 - Base cartográfica utilizada na elaboração deste memorial descritivo: SA.24-Y-D-III, - Escala. 1: 100.000 - DSG - 1980. 2- As coordenadas geográficas citadas neste memorial são referenciadas ao Datum Horizontal SAD 69. Responsável técnico pela identificação dos limites:Emerson Rodrigues, Engenheiro Agrimensor, CREA nº 11.058/D - DF.