Lei nº 17318 DE 13/10/2020

Norma Estadual - Ceará - Publicado no DOE em 15 out 2020

Dispõe sobre a regulamentação da produção e a comercialização de queijos e manteigas artesanais no estado do Ceará.

O Governador do Estado do Ceará

Faço saber que a Assembléia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I - DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a regulamentação da produção e a comercialização de queijos e manteigas artesanais no Estado do Ceará.

§ 1º Considera-se queijo artesanal o queijo produzido com leite integral, fresco ou refrigerado e cru respeitados os métodos tradicionais, culturais e regionais e com emprego de boas práticas agropecuárias e de fabricação.

§ 2º Considera-se manteiga da terra ou de garrafa aquela produzida com nata e sal, respeitados os métodos tradicionais, culturais e regionais, com emprego de boas práticas agropecuárias e de fabricação.

Art. 2º A produção artesanal do queijo representa uma alternativa econômica de conservação e aproveitamento da produção leiteira do Estado, cuja tradição se baseia no modo de fazer próprio, expresso na forma de manipulação do leite, conferindo a cada queijo aparência e sabores peculiares.

Art. 3º São produtos lácteos artesanais do Ceará:

I - queijo coalho;

II - queijo de manteiga;

III - manteiga da terra, ou de garrafa ou do sertão.

Art. 4º O Estado do Ceará poderá:

I - reconhecer como artesanais outros tipos de queijo, com base nos seus processos de produção e observado o disposto no § 1º do art. 1º desta Lei;

II - identificar variedades de queijo artesanal derivadas das estabelecidas no caput deste artigo;

III - documentar o processo de produção de queijos artesanais para fins de proteção do Patrimônio Histórico e Cultural, como também Identificação Geográfica - IG.

Art. 5º Considera-se, para efeitos desta Lei, queijeiro artesanal ou produtor de queijos artesanais aquele que preserva a cultura regional na elaboração de queijos, empregando técnicas tradicionais e observando a especificidade de elaboração para cada tipo de queijo e suas variedades.

Parágrafo único. O tempo de maturação do queijo feito a partir de leite cru é definido com base no processo tecnológico de produção de cada variedade de queijo, de acordo com suas características.

CAPÍTULO II - DA PRODUÇÃO DE QUEIJOS E MANTEIGAS ARTESANAIS

Seção I - Dos processos de produção

Art. 6º São condições para a produção de queijos e manteiga artesanais, visando assegurar a qualidade e a inocuidade dos produtos:

I - a utilização de leite proveniente de rebanho sadio, que não apresente sinais clínicos de doenças infectocontagiosas, mastite, brucelose e tuberculose, cujos rebanhos apresentem Certificado de Propriedade Livre de Brucelose e Tuberculose homologado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Mapa, ou seja, controlado para brucelose e tuberculose por órgão estadual de defesa sanitária animal, em conformidade com o art. 6º da Lei Federal nº 13.860, de 18 de julho de 2019, e legislação aplicável, e cujos testes oficiais de zoonoses realizados pelos órgãos competentes apresentem resultados negativos;

II - o atendimento de medidas higiênico-sanitárias, nos termos das diretrizes e normas em vigor.

Art. 7º A produção do queijo coalho compreende o seguinte processo:

I - pesagem e filtração do leite;

II - adição do coalho;

III - coagulação;

IV - corte da coalhada;

V - repouso;

VI - dessoragem;

VII - aquecimento do soro e da massa;

VIII - salga;

IX - enformagem;

X - prensagem;

XI - cozimento opcional no soro ou na água;

XII - maturação.

Parágrafo único. No processo a que se refere o caput deste artigo, devem ser observadas as seguintes condições:

I - a produção será iniciada até 2 (duas) horas após o começo da ordenha, admitido o resfriamento do leite por até 24 (vinte e quatro) horas;

II - serão utilizadas culturas lácteas naturais;

III - a maturação de queijos pode ser realizada em prateleiras de madeira, desde que em boas condições de conservação e não impliquem em risco de contaminação do produto.

Art. 8º O processo de produção de queijo de manteiga artesanal compreende as seguintes fases:

I - desnate;

II - adição ou não de soro;

III - coagulação;

IV - dessoragem;

V - lavagem da massa com leite;

VI - fusão da massa com o sal e a manteiga de garrafa pura;

VII - enformagem.

Parágrafo único. No processo a que se refere o caput deste artigo, o leite poderá sofrer tratamento térmico distinto da pasteurização e serem utilizadas culturas lácteas naturais.

Art. 9º A produção de manteiga da terra ou de garrafa compreende o seguinte processo:

I - separação e pesagem da nata;

II - adição ou não de sal;

III - aquecimento e cozimento;

IV - resfriamento;

V - envase.

Parágrafo único. A manteiga de garrafa, da terra ou do sertão poderá ser produzida na própria queijeira ou em instalações adequadas para tal, observadas as diretrizes e normas vigentes.

Seção II - Das queijeiras

Art. 10. Para os fins desta Lei, considera-se queijeira a unidade de produção do queijo artesanal, localizada em propriedade rural, com área útil construída não superior a 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), na qual são processados até 2.000 (dois mil) litros diários de leite.

Art. 11. A queijeira deve dispor dos seguintes ambientes:

I - área para recepção e armazenagem do leite;

II - área de fabricação;

III - área de maturação;

IV - área de embalagem e expedição;

V - área para resfriamento do produto.

§ 1º A armazenagem das embalagens, dos rótulos, ingredientes e demais insumos a serem utilizados deve ser feita em local que não permita contaminações de nenhuma natureza, separados uns dos outros de forma a não permitir contaminação cruzada, podendo ser realizada em armários de material não absorvente e de fácil limpeza.

§ 2º A armazenagem de materiais de limpeza e de produtos químicos deve ser realizada em local próprio e isolado das demais dependências.

Art. 12. As instalações da queijeira devem atender às seguintes exigências:

I - localizar-se distante de pocilgas e galinheiros e demais fontes de mau cheiro e de contaminações;

II - ter impedimento físico, por meio de cerca, tela, muro ou similar, ao acesso de animais e de pessoas estranhas à produção; e

III - ser construída segundo normas técnicas em vigor e com área compatível com o volume máximo da produção, observado o limite previsto no art. 10 desta Lei.

§ 1º A queijeira poderá ser instalada junto a estábulo ou local de ordenha, respeitadas as seguintes condições:

I - inexistência de comunicação direta entre o estábulo e a queijeira;

II - revestimento com cimento do piso da sala de ordenha do estábulo;

III - existência de valetas, na sala de ordenha, para o escoamento da água de lavagem e da água da chuva; e

IV - existência de torneira independente para higienização do estábulo e dos animais.

§ 2º Para o atendimento do disposto neste artigo, serão observadas as especificidades regionais e identidades locais.

Art. 13. Para os fins do disposto nesta Lei, são considerados responsáveis pelas queijeiras:

I - o produtor do queijo devidamente capacitado;

II - o profissional responsável registrado em conselho de classe;

III - o profissional responsável indicado por associação ou cooperativa.

Parágrafo único. Os produtores de queijos artesanais deverão integrar os programas de desenvolvimento profissional e programas de qualidade e higiene sanitária específicos para produção artesanal, oferecidos e certificados por instituições públicas e/ou privadas legalmente reconhecidas, para fins de cumprimento das exigências necessárias à obtenção dos registros referidos nesta Lei.

Art. 14. A queijeira deve dispor de água para limpeza e higienização de suas instalações, observada a proporção de 3 (três) litros de água para cada 1 (um) litro de leite processado.

Seção III - Dos insumos

Subseção I - Da água

Art. 15. A água utilizada na produção de queijos artesanais deverá ser:

I - potável;

II - proveniente de nascente, açudes, barragens, de cisterna (revestida e protegida do meio exterior) ou de poço artesiano, carros-pipa;

III - canalizada dentro da queijeira;

IV - tratada por sistema de filtração e cloração;

V - acondicionada em caixa d'água tampada, construída com material sanitariamente adequado.

§ 1º As nascentes deverão ser protegidas do acesso de animais e livres de contaminação por água de enxurrada e outros agentes.

§ 2º A água utilizada na produção de queijos artesanais será, periodicamente, submetida à análise físico-química e bacteriológica, nos termos da legislação em vigor.

§ 3º A higienização de caixas d'água, cisternas e similares devem ser realizadas a cada 6 (seis) meses ou sempre que necessário.

Subseção II - Do leite

Art. 16. O leite empregado na produção de queijos artesanais deverá ser proveniente de propriedade ou posse rural nos termos do art. 6º desta Lei e seus incisos.

Art. 17. Em situações de assentamento familiar ou agrupamento de produtores, a critério do órgão de controle sanitário competente, admitir-se-á o compartilhamento da queijeira para o processamento de leite produzido em outras propriedades, desde que o responsável pela queijeira assuma a responsabilidade pela qualidade do leite processado e do queijo artesanal produzido e que os rebanhos apresentem Certificado de Propriedade Livre de Brucelose e Tuberculose homologado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Mapa, ou seja, controlado para brucelose e tuberculose por órgão estadual de defesa sanitária animal, em conformidade com o art. 6º da Lei Federal nº 13.860, de 18 de julho de 2019, e legislação aplicável.

CAPÍTULO III - DO REGISTRO

Art. 18. Para a produção de queijos artesanais, o estabelecimento deverá ter registro emitido pelo órgão de inspeção do Estado do Ceará ou do município em que o empreendimento estiver devidamente instalado.

§ 1º Para os fins desta Lei, entende-se por registro o ato autorizativo que atesta que o estabelecimento foi prontamente inspecionado e atende à legislação que disciplina a produção e a manipulação de queijos artesanais, observando o risco sanitário, independentemente das condições jurídicas do imóvel em que está instalado, podendo ser, inclusive, anexo à residência.

§ 2º A obtenção de registro no Sistema de Inspeção Federal - SIF supre a necessidade de obtenção dos atos autorizativos a que se refere o caput deste artigo.

Art. 19. A obtenção do registro na Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará - Adagri ou em órgão estadual que vier a substituí-lo e/ou no órgão de controle sanitário municipal está condicionada à efetivação de cadastro.

§ 1º Para obtenção a que se refere o caput deste artigo, o produtor ou responsável legal do estabelecimento deverá formalizar pedido, individualmente ou por meio de associação ou cooperativa, nos termos seguintes:

I - requerimento solicitando o registro e a inspeção;

II - apresentar o registro no CNPJ ou CPF para o agricultor familiar e a inscrição no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar - CAF para produtor rural ou empresa;

III - apresentar documentação que ateste as condições sanitárias dos animais, sobretudo os que vão dar origem à matéria-prima a ser utilizada no processamento artesanal do queijo;

IV - apresentar a planta baixa ou croqui do estabelecimento;

V - apresentar o alvará de funcionamento expedido pelo órgão público municipal competente onde se localiza o estabelecimento;

VI - apresentar a licença expedida pelo órgão ou pela entidade dotada de competência para o exercício de poder de polícia em matéria ambiental, conforme previsto na legislação vigente;

VII - apresentar a documentação fornecida por profissional técnico legalmente habilitado, contendo análises: física, química e microbiológica da água de abastecimento da unidade de produção, entre outros documentos pertinentes e exigidos pela legislação em vigor.

§ 2º Nos casos de necessidade de adequação sanitária da queijeira, deverá ser firmado termo de compromisso fornecido pelo órgão de controle sanitário do Estado ou Serviço de Inspeção Municipal e assinado pelo representante legal do estabelecimento, com vistas ao cumprimento, no prazo definido, das exigências desta Lei e de seus regulamentos.

CAPÍTULO IV - DA COMERCIALIZAÇÃO

Seção I - Da embalagem

Art. 20. Os queijos artesanais deverão ter, na peça ou na embalagem, o nome da sua tipificação ou variedade, o número do registro, o nome do município de origem e as datas de fabricação e validade, respeitada a legislação federal vigente.

Parágrafo único. Os queijos de manteiga produzidos em tachos de inox, bem como os que utilizam água e soro fermento, desde que atendam às outras especificidades de produção, deverão ser identificados como "QUEIJO TIPO DE MANTEIGA".

Art. 21. O órgão de inspeção no qual esteja registrada a queijeira disponibilizará instruções detalhadas para a confecção do rótulo para queijos artesanais embalados.

Art. 22. O transporte de queijos artesanais será realizado em caixa ou depósito fechado, livrando-os do contato com fatores contaminantes, garantindo a sua integridade. O uso da refrigeração no transporte dos produtos artesanais é obrigatório.

Parágrafo único. O acondicionamento para transporte do queijo artesanal não embalado será realizado em caixa ou tubo plástico, de fibra de vidro ou similar, com tampa ou vedação e de uso exclusivo para o produto.

Seção II - Dos exames laboratoriais

Art. 23. Serão realizados exames laboratoriais de rotina para atestar a qualidade do produto final.

§ 1º Os exames a que se refere o caput deste artigo terão sua frequência determinada pelo órgão de inspeção competente, e as amostras para as análises especificadas deverão ser coletadas exclusivamente nas queijeiras.

§ 2º Constatada a não conformidade nos exames de rotina, o órgão competente poderá exigir novos exames às expensas do produtor e/ou queijeira, sem prejuízo de serem adotados outros procedimentos pertinentes.

CAPÍTULO V - DA FISCALIZAÇÃO

Art. 24. A inspeção e a fiscalização sanitária da produção do queijo artesanal serão realizadas periodicamente pelo órgão de inspeção competente, visando assegurar o cumprimento das exigências desta Lei e dos demais dispositivos legais aplicáveis à espécie.

Art. 25. As ações de fiscalização na unidade de produção de queijo artesanal deverão ter natureza prioritariamente orientadora, de acordo com art. 2º, parágrafo único, da Lei Federal nº 13.860/2019 e a legislação sanitária em vigor, possuindo linguagem acessível ao produtor de queijo ou responsável.

§ 1º O auto de infração apenas poderá ser lavrado pela autoridade competente a partir da segunda visita em diante, após a orientação da fiscalização devidamente comprovada, exceto quando o ato importe em ação ou omissão dolosa, resistência ou embaraço à fiscalização.

§ 2º A orientação a que se refere este artigo dar-se-á por meio de notificação escrita ao produtor ou responsável pela produção e comercialização do produto.

Seção I - Das penalidades

Art. 26. A ocorrência de descumprimento ao disposto nesta Lei e na legislação pertinente acarretarão, isoladas ou cumulativamente, as seguintes sanções:

I - advertência, nos casos de primeira infração, em que não se configure dolo ou má-fé e desde que não haja risco iminente de natureza higiênico-sanitária, devendo a situação ser regularizada no prazo estabelecido pela fiscalização;

II - multa, fixada em resolução, nos casos não compreendidos no inciso anterior;

III - apreensão das matérias-primas, dos produtos, dos subprodutos e dos derivados do leite, adulterados ou que não apresentarem condições higiênico-sanitárias adequadas ao fim a que se destinam;

IV - suspensão das atividades do estabelecimento, quando causarem risco ou ameaça de natureza higiênico-sanitária ou no caso de o proprietário ou responsável dificultar a ação fiscalizatória ou reincidência do inciso I e/ou II deste artigo;

V - interdição total ou parcial do estabelecimento, na hipótese de adulteração ou falsificação de produto ou de inexistência de condições higiênico-sanitárias que permitam o funcionamento de estabelecimento;

VI - cancelamento do registro quando o motivo da interdição, prevista no inciso anterior, não for sanado.

Art. 27. A unidade de produção de queijo e manteiga artesanais e/ou o produtor de queijo responderão criminalmente, conforme a legislação em vigor, pelos danos causados à saúde pública, caso se comprove ação ou omissão delituosa no que se refere à observância dos padrões higiênico-sanitários, físico-químicos e microbiológicos, a adição indevida de produtos químicos e biológicos e o uso indevido de práticas de beneficiamento, embalagens, conservação, transporte e comercialização, independentemente das sanções administrativas previstas em lei e a obrigação de reparar os danos causados.

CAPÍTULO VI - DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 28. Para o desenvolvimento da produção e comercialização de queijos artesanais, o Estado do Ceará e/ou o município, diretamente ou por meio de convênios, consórcio público e outros instrumentos congêneres, poderá implementar e adotar, observados o planejamento e a previsão orçamentária, mecanismos que promovam:

I - adequação sanitária e melhoria do rebanho bovino destinado à produção de queijos e manteigas artesanais;

II - qualificação técnica e educação sanitária do produtor e comerciante de queijo e manteigas artesanais;

III - apoio financeiro e incentivo à adequação sanitária dos estabelecimentos de produção;

IV - facilitação ao acesso ao crédito para financiamentos destinados à melhoria do rebanho, da gestão e dos processos de produção de queijos e manteigas artesanais;

V - organização de rede laboratorial adequada às demandas da produção de queijos e manteigas artesanais;

VI - pesquisa e desenvolvimento tecnológico, voltados para o aprimoramento dos processos de produção e comercialização de queijos e manteigas artesanais;

VII - estímulo às práticas associativistas e cooperativistas no âmbito da produção e comercialização de queijos e manteigas artesanais;

VIII - campanhas informativas voltadas para o consumidor de queijos e manteigas artesanais;

IX - respeito e conhecimento do patrimônio cultural e gastronômico do Ceará, salvaguardando o fazer tradicional e a memória coletiva como um fator de desenvolvimento local.

Parágrafo único. O Estado do Ceará poderá desenvolver iniciativas com a finalidade de sensibilizar as comunidades locais, os governos e as autoridades municipais para defender e valorizar as riquezas do patrimônio cultural alimentar do Estado e as razões da necessidade de sua preservação.

Art. 29. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 30. Revogam-se as disposições em contrário.

PALÁCIO DA ABOLIÇÃO, DO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, em Fortaleza, 13 de outubro de 2020.

Camilo Sobreira de Santana

GOVERNADOR DO ESTADO