Norma Técnica nº 2 DE 20/05/2024
Norma Estadual - Mato Grosso - Publicado no DOE em 20 mai 2024
ICMS – prestação de serviços de transportes – portaria nº 047/2000-SEFAZ e respectivas alterações – dispensa do recolhimento do ICMS devido na prestação de serviço de transporte interestadual de produtos especificados, cujas saídas do estado ocorrerem com cláusula CIF – sistemática inaplicável quando o tomador de serviço for beneficiário credenciado junto ao PRODEIC –incompatibilidade com a metodologia de apuração – crédito outorgado – suspensão dos efeitos pela portaria nº 273/2023 – permanece inaplicável a dispensa do recolhimento do ICMS – não se trata de benefício fiscal.
A Portaria SEFAZ nº 47, de 5 de julho de 2000, e respectivas alterações dispensava o recolhimento do ICMS na prestação de serviço de transporte interestadual, realizada sob cláusula CIF, com produtos relacionados nos incisos do artigo 1° da aludida Portaria, desde que atendidas todas a condições estipuladas para sua fruição.
A dispensa do recolhimento do ICMS nos termos da Portaria nº 047/2000-SEFAZ, que tinha por objetivo simplificar o processo de arrecadação, não afetando o montante a ser arrecadado pelo Estado e, consequentemente, não implicava em desoneração do ICMS, portanto, não se tratava de benefício fiscal.
Com a edição da Portaria n° 273/2023-SEFAZ foi suspenso os efeitos da Portaria n° 47/2000-SEFAZ, permanecendo a inaplicabilidade da dispensa ao recolhimento do ICMS incidente na prestação de serviço de transporte interestadual de produtos, com cláusula CIF, relativas às saídas promovidas por beneficiários do referido programa (PRODEIC).
Trata a presente de prestação de informação solicitada pela CJUD – Coordenadoria de Assessoramento Jurídico e Controle de Processos Judiciais, nos termos do artigo 96 do Regimento Interno desta SEFAZ, aprovado pelo Decreto n° 1.488/2022, para subsidiá-la na defesa judicial do Estado de Mato Grosso, nos processos que discutem a legalidade e a constitucionalidade da Portaria nº 237/2023-SEFAZ, de 29/12/2023, que suspendeu os efeitos da referida Portaria nº 47/2000-SEFAZ.
Afirma-se que a operação na modalidade de frete com cláusula CIF, ou seja, valor do frete agregado ao valor do produto, faz jus a dispensa da incidência do ICMS sobre o frete, haja vista que o frete está incluso no valor total da operação.
Reclama-se que a edição da Portaria 273/2023, que suspendeu os efeitos da Portaria nº 47/2000-SEFAZ, e a dispensa do ICMS sobre o frete suas operações mercantis, impossibilita comercialmente o transporte com cláusula CIF.
Afirma-se que o pagamento do ICMS sobre o frete destacado, representa não só bitributação, como viola o disposto nos artigos 13, §1º, II, “b" da Lei Complementar Federal 87/1996; bem como no artigo 97, IV e 178 do CTN e, ainda, no artigo 9º, §2º da Lei Estadual 7.958/2003, e, acima de tudo, por contrariar a Súmula 544 do STF.
Utiliza-se do argumento de que o valor relativo ao frete já está agregado ao valor total da mercadoria comercializada, ou seja, incluso na mesma base de cálculo, sendo proibida a imposição do recolhimento do ICMS do frete nessas operações, uma vez que ocorreria a bitributação.
Em cumprimento à solicitação contida no e-mail encaminhado pela CJUD, incumbe que se proceda aos esclarecimentos necessários à matéria em questão, mediante a presente Nota Técnica, que para melhor elucidar, será dividida em tópicos.
Inicialmente, cumpre informar que não compete a esta unidade fazendária posicionar-se quanto à constitucionalidade de leis. No entanto, sobre a matéria são pertinentes os fundamentos a seguir deduzidos.
1. DISTINÇÃO ENTRE AS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIAS DAS OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DAS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE
Na Constituição Federal em seu inciso II do caput do artigo 155 estão delineadas as vertentes sobre as quais recai o ICMS: (a) a circulação de mercadorias; (b) as prestações de serviço de (b.1) transporte interestadual e intermunicipal; e de (b.2) comunicação.
Por sua vez, a Lei Complementar n° 87/96, de 13/09/96, que disciplinou o ICMS, definiu, no seu artigo 2º, as hipóteses de incidência do imposto, harmonizando-se com a Constituição Federal, ao destacar as prestações de serviços de transporte das operações com mercadorias a que se referem. Além disso, a Lei especial do ICMS anunciou os respectivos contribuintes, determinou o momento da ocorrência do fato gerador do imposto, em cada hipótese de incidência, e indicou a formação das bases de cálculo correspondentes.
Desse modo, tendo o ICMS hipóteses de incidência distintas no que tangem às operações relativas à circulação de mercadorias e às prestações de serviços, nas pegadas da Lei Complementar nº 87/96, a Lei (estadual) nº 7.098/98 prevê, em seu artigo 2º, incisos I e II; bem como no artigo 3º, incisos I e V; e no artigo 6º, incisos I e III e § 1º, o seguinte:
Art. 2º O imposto incide sobre:
I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
II – prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;
(...)
Art. 3º Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I – da saída da mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
(...)
V – do início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de qualquer natureza;
(...)
Art. 6º A base de cálculo do imposto é:
I – na saída de mercadoria prevista nos incisos I, III e IV do artigo 3º, o valor da operação;
(...)
III – na prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, o preço do serviço;
(...)
§ 1º Integram a base de cálculo do imposto:
I – o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;
II – o valor correspondente a:
a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição;
b) frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado.
(...)
E os contribuintes, em cada uma das referidas hipóteses, também serão distintos: um será o prestador do serviço de transporte interestadual e intermunicipal e o outro será aquele que der saída de mercadorias de seu estabelecimento, conforme artigo 16 da Lei nº 7.098/98, a seguir transcrito:
Art. 16 Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadorias ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
(...)
Logo, não se pode confundir operações de circulação de mercadorias com prestação de serviços de transporte, uma vez que se tratam de hipóteses de incidências distintas.
Infere-se dos dispositivos transcritos que na prestação de serviço de transporte interestadual ou intermunicipal o imposto é devido ao Estado em que ocorre o início da prestação; dessa forma, as empresas transportadoras, ressalvados os casos em que a legislação admita a substituição tributária, ao serem contratadas para prestarem serviço de transporte, com início em território mato-grossense, devem recolher o ICMS ao Estado de Mato Grosso.
Neste contexto, a segregação das hipóteses de incidência do ICMS, no que se refere às prestações de serviço de transporte de determinadas mercadorias, das operações com essas mercadorias reveste-se da constitucionalidade e da legalidade necessárias para a exigência do tributo quando presentes os elementos que tipificam os fatos geradores em cada um dos casos.
2. DO TRANSPORTE CONTRATADO – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO SUJEITA AO ICMS
No que tange à prestação de serviço de transporte, a obrigação de recolher o ICMS correspondente, independentemente da venda da mercadoria se dar com cláusula CIF ou com cláusula FOB, é do contribuinte prestador de serviço (transportadora ou transportador autônomo) e não do contribuinte vendedor ou, mesmo, do adquirente da mercadoria.
Em outras palavras, o ICMS relativo à prestação de serviço de transporte deve ser recolhido ao Estado pelo transportador ou, nos casos de previsão na legislação, mediante o regime de substituição tributária, pelo tomador do serviço.
Assim, quando o prestador de serviços de transporte é contratado pelo remetente da mercadoria para entregá-la ao destinatário, deverá ser recolhido o ICMS incidente no serviço de transporte (frete) para o Estado de Mato Grosso; e, salvo disposição em contrário, a obrigação é do contribuinte prestador de serviço (transportador) e não do contribuinte vendedor ou comprador.
É essencial salientar que será devido o ICMS tanto na prestação de serviço de transporte da mercadoria (transportador), como também na própria operação de circulação da mercadoria (remetente/vendedor) seja com preço CIF ou não (FOB).
A diferença é que se o remetente da mercadoria arcar com o custo do transporte (preço CIF), seja por transporte próprio ou contratando uma transportadora, e sendo o respectivo preço cobrado em separado, deverá também integrar a base de cálculo do ICMS da mercadoria, conforme o já comentado § 3º do artigo 6º da Lei nº 7.098/98.
Essa regra encontra-se disciplinada também no artigo 72, inciso I e § 1º, incisos I e II, do Regulamento do ICMS deste Estado, aprovado pelo Decreto nº 2.212, de 20 de março de 2014 (RICMS/2014), como segue:
Art. 72 A base do cálculo do imposto é: (cf. caput do art. 6° da Lei n° 7.098/98)
I – nas saídas de mercadorias previstas nos incisos I, III e IV do artigo 3°, bem como no § 13 do referido artigo, o valor da operação; (cf. inciso I do caput do art. 6° da Lei n° 7.098/98)
(...)
§ 1° Integram a base de cálculo do imposto os valores correspondentes a: (cf. § 1° do art. 6° da Lei n° 7.098/98)
I – seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como bonificações ou descontos concedidos sob condição; (cf. alínea a do inciso II do § 1° do art. 6° da Lei n° 7.098/98)
II – frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado. (cf. alínea b do inciso II do § 1° do art. 6° da Lei n° 7.098/98)
(...).
Portanto, dos dispositivos acima transcritos infere-se que a parcela do frete, assim como ocorre com as demais despesas acessórias decorrentes da venda, nas operações realizadas com cláusula CIF, é incluída no valor da operação e, por conseguinte, deve compor a base de cálculo do ICMS devido pelas saídas das mercadorias.
3. DA NÃO CUMULATIVIDADE DO IMPOSTO PAGO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE E NAS OPERAÇÕES COM AS MERCADORIAS TRANSPORTADAS
Nunca é demais relembrar que o ICMS tem hipóteses de incidência distintas no que tange às operações relativas à circulação de mercadoria e às prestações de serviço de transporte, conforme preceitua o já noticiado artigo 2° da Lei n° 7.098/98.
Entretanto, em razão da não cumulatividade do imposto, o tomador dos serviços de transporte, regra geral, poderá se creditar do ICMS recolhido pela transportadora contratada, compensando (deduzindo) com o débito do imposto gerado em suas operações de venda, nos termos do disposto no artigo 99 no RICMS/2014, em cumprimento às disposições que disciplinam o regime de compensação do imposto previsto na Constituição Federal de 1988 (artigo 155, inciso II e § 2º, inciso I), na Lei Complementar nº 87/96 (artigos 19 e seguintes) e na Lei (estadual) nº 7.098/98 (artigos 24 e seguintes).
Por isso, em regra, ao emitir o conhecimento de transporte, deve o transportador fazer o destaque do imposto e efetuar o recolhimento do valor correspondente, exceto nos casos em que for detentor de algum benefício fiscal específico ou se for aplicável hipótese de dispensa do recolhimento, como estava previsto na Portaria nº 047/2000-SEFAZ, que adiante será abordada.
Desta forma, há possibilidade de o contribuinte (remetente/autora), tomador de serviços de transporte (frete), deduzir de seus débitos de ICMS, devidos pelas saídas de suas mercadorias com cláusula CIF, o imposto incidente na prestação de serviço de transporte dessas mercadorias, devido pelas transportadoras contratadas, tendo em vista que é um tributo não cumulativo.
Então, pode-se dizer que, na operação com preço CIF, o Estado de origem não recebe em duplicidade o ICMS pelo transporte, na medida em que o imposto pago pela prestação de serviços de transporte, regra geral, consistirá em direito de crédito, reconhecido ao estabelecimento remetente da mercadoria, para o qual tenham sido prestados os serviços de transporte (RICMS/2014, artigos 103 e 105 combinados com o inciso IV do artigo 106), para efeito de compensação com os débitos do imposto devido pelas operações com mercadorias que realizar no período.
Diante de todo o exposto, não há que se falar em pagamento em dobro do imposto (pagamento do “ICMS sobre o frete duas vezes”), haja vista que incide ICMS sobre a operação de venda da mercadoria, em que o frete é um dos componentes do preço (CIF) e o sujeito passivo é o vendedor da mercadoria.
Também incide ICMS sobre a prestação de serviços de transporte de cargas contratado, em que o sujeito passivo é o transportador. Neste caso, porém, o valor do ICMS pertinente (ICMS incidente sobre a prestação de serviço de transporte da mercadoria), em regra, é dedutível do valor daquele (ICMS incidente sobre a operação relativa à circulação de mercadoria).
Cumpre destacar que existem hipóteses em que há vedação ao crédito do imposto destacado em documento fiscal da prestação ou operação anterior ou a obrigatoriedade de efetuar o seu estorno, dentre outras, quando as operações ou prestações subsequentes forem isentas ou não tributadas pelo ICMS.
4. DA SISTEMÁTICA DE DISPENSA DO RECOLHIMENTO DO ICMS DEVIDO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL DE DETERMINADOS PRODUTOS VENDIDOS COM CLÁUSULA CIF, NA VIGÊNCIA DOS EFEITOS DA PORTARIA N° 047/2000-SEFAZ.
Embora foram suspensos os efeitos da Portaria nº 047/2000-SEFAZ, pela Portaria nº 237/2023-SEFAZ, a partir de 1º/01/2024, é importante esclarecer que suas disposições contemplavam sistemática consistente em dispensa do recolhimento do ICMS devido na prestação de serviço de transporte interestadual de produtos especificados, cujas saídas do Estado ocorressem com cláusula CIF, como segue:
Art. 1º Fica dispensado o recolhimento do ICMS incidente na prestação de serviço de transporte interestadual dos produtos abaixo relacionados, cujas saídas do território mato-grossense ocorrerem com cláusula CIF, desde que atendidas as condições estipuladas nesta portaria: (Nova redação dada ao art. 1º pela Port 081/16, efeitos a partir de 03.05.16)
I – algodão em caroço, algodão em pluma, óleo de algodão degomado, caroço de algodão, fibrilha de algodão, torta de algodão e farelo de algodão;
II – aves vivas ou abatidas, suas carnes e miudezas comestíveis, frescas, refrigeradas ou congeladas;
III – arroz em casca e arroz beneficiado;
IV – café cru, em coco ou em grão;
V – couro ou pele, em estado fresco, salmourado ou salgado;
VI – feijão;
VII – gado em pé, carnes e miudezas comestíveis das espécies bovina, bufalina, suína, ovina e caprina, frescas, refrigeradas ou congeladas;
VIII – girassol;
IX – látex natural e cernambi;
X – madeira in natura, bem como madeira simplesmente serrada, lenha, resíduos de madeira, cavaco de madeira e briquete de qualquer espécie;
XI – milho, milheto e sorgo, todos em grão;
XII – soja em grão, farelo de soja e óleo bruto degomado de soja.
Parágrafo único Ressalvada disposição expressa em contrário, o disposto neste artigo não se aplica às operações promovidas por estabelecimento: (Acrescentado o parágrafo único pela Port. 081/16, efeitos a partir de 03.05.16)
I – credenciado junto a programa de desenvolvimento setorial implementado no Estado de Mato Grosso;
II – optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional.
(...)
Art. 5º A emissão do CTRC/CTA e o recolhimento do ICMS na forma dos artigos 3º e 4º não implicam direito de crédito do ICMS referente à parcela do valor da Nota Fiscal correspondente ao frete, ficando vedado ao remetente do produto primário o seu aproveitamento.
Assim, verifica-se que, conforme dispositivos acima reproduzidos, ficava dispensado o recolhimento do ICMS incidente na prestação de serviço de transporte interestadual dos produtos relacionados nos incisos do artigo 1° da aludida Portaria n° 47/2000-SEFAZ, cujas saídas do território mato-grossense ocorressem com cláusula CIF, desde que atendidas todas a condições estipuladas na referida Portaria para sua fruição.
Ressalta-se que, de acordo com o parágrafo único do artigo 1º da Portaria n° 047/2000, a dispensa do recolhimento do ICMS incidente na prestação de serviço de transporte interestadual dos produtos que relaciona era restringida, ou seja, não era aplicável quando o estabelecimento que promovia as operações fosse credenciado junto a programa de desenvolvimento setorial implementado no Estado de Mato Grosso (PRODEIC).
Desta feita, não se vislumbra a hipótese de que, durante a vigência dos efeitos da Portaria em comento, era dispensado o recolhimento do ICMS incidente na prestação de serviço de transporte interestadual de produtos contratados por estabelecimento que estivesse credenciado junto ao PRODEIC.
Além disso, nota-se que na referida sistemática havia uma mera simplificação no processo, sem que fosse afetado o montante a ser arrecadado pelo Estado, na medida em que o recolhimento apenas ocorria em uma das fases pelo remetente da mercadoria com preço CIF e, por não haver recolhimento do ICMS da prestação de serviços de transporte pelo transportador contratado, não haveria compensação de imposto a ser feita (creditamento do ICMS pago anteriormente – não cumulatividade) – artigo 5º da Portaria nº 047/2000
Ressalta-se, também, que a dispensa não implicava desoneração do ICMS, mas, tão somente, simplificava o processo de arrecadação (débito e crédito do imposto, controles, fluxo de caixa, etc), pois, ao final, o montante do imposto a ser recebido pelo Estado seria o mesmo, caso não houvesse a dispensa do recolhimento nos termos da Portaria nº 047/2000-SEFAZ, portanto, sem causar redução de receita para o Estado, pois não é benefício fiscal.
E, justamente, de forma a assegurar a correta tributação, foi prevista a ressalva do parágrafo único do artigo 1º da Portaria nº 047/2000-SEFAZ, impedindo que, indiretamente, pudesse ser conferida alguma benesse fiscal (aumento do benefício fiscal ou, até mesmo, desoneração de imposto), não intencionada pela legislação, às operações promovidas por estabelecimento credenciado junto a programa de desenvolvimento setorial implementado no Estado de Mato Grosso (PRODEIC) ou por contribuinte optante pelo Simples Nacional.
Repita-se: o tratamento dado pela Portaria n° 47/2000, cujos efeitos foram suspensos pela Portaria nº 237/2023, a partir de 1º/01/2024, não consistia em benefício fiscal.
Assim são vazias as fundamentações de lesão ao preceituado na Súmula 544 do STF e no artigo 178 do CTN, pois ambos tratam de hipótese de isenção de tributo.
Desse modo, já resta claro que a matéria disciplinada na Portaria nº 47/2000-SEFAZ não tipificava isenção do ICMS (ou qualquer outro benefício fiscal relativo ao imposto em questão), haja vista que o legislador buscou apenas a simplificação dos procedimentos (mera técnica de tributação), o que não afetava o valor do imposto devido, pois o correspondente valor restaria embutido no montante do ICMS devido pela operação de circulação da mercadoria.
Portanto, por tratarem o artigo 178 do CTN e a Súmula 544 do STF, especificamente, de isenção de tributo, não há qualquer violação aos referidos normativos.
4.1 DA NÃO EXTENSÃO À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE BENEFÍCIOS CONFERIDOS À OPERAÇÃO
Conforme a disposição do § 3º do artigo 5º da Lei nº 7.098/98, não se estende ao ICMS devido pela prestação de serviços de transporte pago pelo transportador ou pelo tomador do serviço (em regime de substituição tributária) o benefício relativo à operação com a mercadoria:
Art. 5º Os benefícios fiscais serão concedidos ou revogados na forma e atendendo às disposições estabelecidas no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea g, da Constituição Federal.
(...)
§ 3º Salvo disposição em contrário, o benefício concedido para determinada operação não alcança a correspondente prestação de serviço com ela relacionada.
Em conformidade com o dispositivo anteriormente transcrito, no transporte de mercadoria, cuja operação esteja albergada por benefício fiscal, este não se estende à prestação. Por conseguinte, o transportador que prestar serviços ao tomador beneficiário do PRODEIC deverá recolher o imposto incidente na prestação pelo seu valor total.
Por outro lado, ainda sobre o alcance de benefício, vale ressaltar que, ao contrário do alegado, em relação ao recolhimento do imposto pertinente à operação de circulação de mercadorias, na hipótese de venda com cláusula CIF, em que haja previsão de aplicação do benefício fiscal (PRODEIC) sobre o valor da operação, a parcela correspondente ao custo do frete integra o valor sobre o qual será aplicado o benefício, salvo se a própria norma que o conceder determinar a exclusão.
Em outras palavras, se a base de cálculo é o valor da operação acrescida das despesas acessórias como frete e outras, é sobre esse valor que deve ser aplicado o benefício fiscal, exceto nos casos em que o próprio dispositivo que conceder o benefício estabelecer de forma diversa.
E, como já apontado anteriormente, o contratante do serviço de transporte se creditará do valor do imposto recolhido pelo transportador, relativo ao frete, ressalvadas as hipóteses de vedação previstas na legislação tributária, assegurando, com isso, o atendimento ao princípio da não cumulatividade.
4.2 DA EXIGÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DOS CRÉDITOS PARA FRUIÇÃO DE BENEFÍCIOS DO PRODEIC
Nessa esteira, outro ponto importante a ser esclarecido é que a forma de apuração do valor de crédito presumido/outorgado (benefício do PRODEIC para saídas interestaduais) exige o cômputo de todos os créditos fiscais relativos às entradas efetivadas no mês, o que inclui os créditos relativos ao ICMS incidente nas prestações de serviços de transporte, devido pelas transportadoras contratadas, justificando, como se verá adiante, a inaplicabilidade da dispensa do recolhimento do ICMS pelo transportador, conforme disposto no inciso I do parágrafo único do artigo 1º da Portaria nº 47/2000, quando o tomador dos serviços for beneficiário do PRODEIC.
Importam transcrever os dispositivos do Decreto n° 288, de 05 de novembro de 2019, que, desde 01/01/2020, regulamenta a Lei nº 7.958, de 25 de setembro de 2003, que define o Plano de Desenvolvimento de Mato Grosso, cria Fundos e dá outras providências, combinada com as disposições dadas pela Lei Complementar nº 631, de 31/07/2019:
Art. 7° Para fins da edição da resolução de que trata o artigo 6°, o CONDEPRODEMAT deverá, no âmbito do PRODEIC, observar, também, o disposto neste artigo.
§ 1° Os benefícios fiscais terão como limites máximos:
I – nas operações internas: redução de base de cálculo de até 85% (oitenta e cinco por cento) do valor da operação e/ou crédito outorgado no percentual de até 85% (oitenta e cinco por cento) aplicado na forma indicada nos §§ 1° a 3° do artigo 14;
II – nas operações interestaduais: crédito outorgado no percentual de até 90% (noventa por cento), aplicado na forma indicada nos §§ 1° a 3° do artigo 14.
(...)
Art. 13 Para o cálculo e fruição dos benefícios fiscais decorrentes de cada Programa, atendido o disposto em resolução editada nos termos do artigo 6°, deverão, ainda, ser observadas as seguintes condições:
I – em relação às operações de saídas internas de bebidas alcoólicas, o benefício fiscal consistirá em redução de base de cálculo do ICMS, mantido o estorno proporcional de crédito previsto no artigo 26, inciso V, da Lei n° 7.098, de 30 de dezembro de 1998, bem como no § 4° do artigo 14 deste decreto;
II – em relação às demais operações de saídas internas, bem como em relação às operações de saídas interestaduais, o benefício fiscal consistirá em crédito outorgado, relativo ao ICMS, hipótese em que o respectivo valor será obtido mediante a observância do disposto nos §§ 1° a 3° do artigo 14 deste decreto;
III – o diferimento do valor do ICMS devido a título de diferencial de alíquotas somente poderá ser concedido para as operações de aquisições de bens do ativo imobilizado.
(...)
Art. 14 O crédito outorgado e a redução de base de cálculo, previstos nos termos dos incisos do caput do artigo 13, bem como no seu § 1º, aplicam-se, exclusivamente, em relação às operações próprias com os produtos resultantes do processo industrial do estabelecimento beneficiário, não alcançando:
(...)
§ 1° Para a utilização de crédito outorgado de que trata este decreto, o beneficiário deverá observar o que segue:
I – no cálculo do crédito outorgado deverão ser considerados, exclusivamente, os valores que o contribuinte efetivamente receber pelas operações ou prestações próprias que realizar;
II – fica vedada a utilização como crédito outorgado de valor apurado:
a) a partir de imposto cuja base de cálculo contenha, em sua composição, qualquer liberalidade ofertada a seus clientes;
b) com base em parcela integrante do valor da operação ou prestação própria, independentemente do respectivo título, não onerosa ao destinatário ou tomador do serviço;
III – o valor correspondente à liberalidade concedida aos clientes e/ou à parcela não onerosa ao destinatário ou prestador de serviço serão deduzidos do valor do produto efetivamente recebido, para efeitos da definição da base de cálculo do ICMS beneficiado com crédito outorgado.
§ 2° Sem prejuízo do disposto no § 5° deste artigo, para fins de apuração do valor de crédito outorgado, previsto neste decreto, o contribuinte deverá, ainda, observar o que segue:
I – somar todos os créditos fiscais relativos às entradas efetivadas no mês, acrescendo eventuais excessos de créditos transferidos do mês imediatamente anterior;
II – calcular o ICMS incidente sobre suas operações próprias de saídas de mercadorias tributadas no mês, passíveis de aplicação do benefício fiscal;
III – aplicar o percentual fixado pelo CONDEPRODEMAT para utilização como crédito outorgado sobre o valor apurado, de acordo com o disposto no inciso II deste artigo;
IV – o crédito outorgado do mês corresponderá, alternativamente:
a) ao valor da diferença positiva entre o montante apurado na forma do inciso III e a soma encontrada de acordo com o disposto no inciso I, ambos deste parágrafo;
b) a zero, quando a diferença entre o valor apurado na forma do inciso III e a soma encontrada de acordo com o disposto no inciso I, ambos deste parágrafo, for igual ou menor que zero.
§ 3° Quando a soma encontrada de acordo com o disposto no inciso I for maior que o valor apurado na forma do inciso III, ambos do § 2° deste artigo, a diferença deve ser transferida para utilização no mês seguinte.
Assim, não se pode deixar de observar as condições para fruição de benefício do PRODEIC, inclusive o correto cálculo do crédito outorgado a que fizer jus o beneficiário, devendo, obrigatoriamente, ser considerados no seu cômputo todos os créditos fiscais relativos às entradas efetivadas no mês.
Nas pegadas do artigo 14 do Decreto n° 288/2019, vigente a partir de 1º/01/2020, verifica-se que a fruição de crédito presumido ou outorgado em decorrência de credenciamento junto ao PRODEIC tem como premissa o exaurimento de todos os créditos fiscais do período, relativos ao ICMS que onerar a entrada no estabelecimento de insumos da produção: matéria-prima, produtos intermediários, embalagens, energia elétrica, inclusive o crédito fiscal que incidir sobre a prestação de serviço de transporte.
Importa destacar que o ICMS a ser pago pelo transportador já representa receita do ICMS assegurada ao Estado, portanto, a sua dispensa, visando à simplificação de procedimentos (Portaria nº 047/2000-SEFAZ), cujos efeitos estavam vigentes até 31/12/2023, não poderia implicar prejuízo ao Erário.
Portanto, sendo o tomador do serviço beneficiário do PRODEIC, a dispensa do recolhimento impediria a inclusão do crédito do ICMS que deveria ser pago na prestação do serviço de transporte contratado no cálculo do benefício decorrente do aludido Programa, implicando desrespeito à regra de apuração do valor do benefício a ser fruído.
Além disso, a medida caracterizaria concessão adicional de benefícios não prevista em lei, o que, consequentemente, configuraria aumento de renúncia fiscal, reduzindo-se a receita a ser auferida pelo Estado, violando, inclusive, o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n° 101/2000), dando azo a todos os seus consectários legais.
Na sequência, para melhor ilustrar o prejuízo ao Erário, apresentam-se quadros demonstrativos de apuração do imposto nas vendas com cláusula CIF, em operações contempladas com o benefício do PRODEIC, com valores hipotéticos: no primeiro caso, com a observância e, no segundo em desobediência à regra estabelecida pelo parágrafo único do artigo 1º da Portaria nº 47/2000-SEFAZ, na redação conferida pela Portaria nº 081/2016-SEFAZ, cujos efeitos estavam vigentes até 31/12/2023:
Quadro 1 – Cálculo hipotético da apuração do imposto a recolher nos moldes do Decreto nº 288/2019 – em operações contempladas pelo benefício do PRODEIC – Hipótese de não aplicação da dispensa do recolhimento do ICMS pelo transportador, obedecendo a regra do parágrafo único do artigo 1º da Portaria nº 047/2000-SEFAZ:
A | ICMS pago pela transportadora | R$ 20,00 | |
B |
Débitos de ICMS pelas saídas das mercadorias (venda CIF) |
Inc. II do § 2º do art. 14 do Decreto nº 288/2019 | R$ 1.000,00 |
C | Percentual de crédito outorgado saída interestadual (PRODEIC) | Resolução do CONDEPRODEMAT publicada no DOE | 80% |
D | Valor máximo de crédito outorgado permitido | Inc. III do § 2º do art. 14 do Decreto nº 288/2019 | R$ 800,00 |
E | Crédito de ICMS pelas entradas | Inc. I do § 2º do art. 14 do Decreto nº 288/2019 *inclui o crédito do ICMS pago pela transportadora (A) | R$ 120,00 |
F | Valor do crédito outorgado pelas saídas interestaduais (D – E) | Alínea a, inc. IV do § 2º do art. 14 do Decreto nº 288/2019 | R$ 680,00 |
G | ICMS a recolher incentivado (B – E – F) | R$ 200,00 | |
H | Receita auferida pelo Estado (A + G) | R$ 220,00 |
Quadro 2 – Cálculo da apuração do imposto a recolher nos moldes do Decreto nº 288/2019 – Hipótese de aplicação da dispensa do recolhimento do ICMS pelo transportador, desobedecendo a regra do parágrafo único do artigo 1º da Portaria nº 047/2000-SEFAZ:
A | ICMS pago pela transportadora |
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B | Débitos de ICMS pelas saídas (venda CIF) | Inc. II do § 2º do art. 14 do Decreto nº 288/2019 | R$ 1.000,00 | ||
C | Percentual de crédito outorgado saída interestadual (PRODEIC) | Resolução do CONDEPRODEMAT publicada no DOE | 80% | ||
D | Valor máximo de crédito outorgado permitido | Inc. III do § 2º do art. 14 do Decreto nº 288/2019 | R$ 800,00 | ||
E | Crédito de ICMS pelas entradas | Inc. I do § 2º do art. 14 do Decreto nº 288/2019 (**NÃO inclui o crédito do ICMS pago pela transportadora) | R$ 100,00 | ||
F | Valor do crédito outorgado pelas saídas interestaduais (D – E) | Alínea a inc. IV do § 2º do art. 14 do Decreto nº 288/2019 |
R$ 700,00 |
||
G | ICMS a recolher incentivado (B – E – F) | R$ 200,00 | |||
H | Receita auferida pelo Estado (A + G) | R$ 200,00 |
Em análise aos demonstrativos expostos, verifica-se, portanto, a diferença negativa de arrecadação do ICMS para o Estado de Mato Grosso, na hipótese de aplicação da dispensa do recolhimento do ICMS incidente na prestação de serviço de transporte interestadual de produtos, cujas saídas do território mato-grossense ocorrerem com cláusula CIF promovidas por beneficiários do referido programa (PRODEIC), ou seja, em desobediência ao comando do parágrafo único do artigo 1º da Portaria nº 47/2000-SEFAZ, acrescentado pela Portaria nº 081/2016-SEFAZ.
Verifica-se que a observância da regra prevista no inciso I do parágrafo único do artigo 1º da Portaria nº 047/2000-SEFAZ, cujos efeitos estiveram vigentes até 31/12/2023, já estabelecia a inaplicabilidade da dispensa do ICMS, conforme disciplinado no artigo 1º da referida Portaria, cujos efeitos estiveram vigentes até 31/12/2023, em respeito à contrapartida dos benefícios fiscais concedidos ao contribuinte beneficiário de Programa de desenvolvimento setorial implementado no Estado de Mato Grosso.
Por fim, diante de todo o exposto, consideradas as disposições que regem a concessão de benefício no âmbito do PRODEIC, bem como os preceitos encartados na legislação do ICMS, especialmente o parágrafo único do artigo 1º da Portaria nº 047/2000-SEFAZ, vigente até 31/12/2023, informa-se que:
1- Não era aplicada a dispensa do recolhimento do ICMS incidente na prestação de serviço de transporte interestadual de produtos, cujas saídas do território mato-grossense eram promovidas por beneficiários do referido programa, pois incompatível com a fruição do benefício que envolve metodologia própria de apuração do imposto incentivado, sob pena de ampliação indevida de benefício fiscal originalmente concedido.
2- A sistemática de simplificação prevista na Portaria nº 47/2000 já não era aplicada para o tomador dos serviços de transportes, e, desse modo o transportador deveria efetuar o recolhimento do ICMS sobre a prestação de serviço de transporte dos produtos, sendo passível de geração de crédito de ICMS, pelo tomador dos serviços que realizar a respectiva operação, ou seja, não impedia e não impede que a tomadora de serviços realize operações com cláusula CIF.
3- A dispensa do recolhimento do ICMS prevista na Portaria nº 047/2000-SEFAZ não implicava desoneração do ICMS, mas, tão somente, simplificava o processo de arrecadação (débito e crédito do imposto, controles, fluxo de caixa, etc.), pois, ao final, o montante do imposto a ser recebido pelo Estado era exatamente o mesmo, caso não houvesse a dispensa do recolhimento nos termos da referida Portaria nº 047/2000, portanto, sem causar redução de receita para o estado, ou seja, não se tratava de benefício fiscal.
4- Com a edição da Portaria nº 273/2023-SEFAZ, houve a suspensão dos efeitos da Portaria n° 47/2000. O entendimento continua mantido, ou seja, não se aplica a dispensa do recolhimento do ICMS na prestação de serviço de transporte de produtos, cujas saídas do território mato-grossense ocorrerem em decorrência de operações com cláusula CIF, quando promovidas por beneficiários do PRODEIC, haja vista que o benefício do referido Programa exige o cômputo de todos os créditos fiscais relativos às entradas efetivadas no mês, o que inclui os créditos relativos ao ICMS incidente nas prestações de serviços de transporte, devido pelas transportadoras contratadas pela tomadora de serviços.
É o que cabia informar, com a ressalva de que os destaques apostos nos dispositivos da legislação transcrita não existem nos originais.
Unidade de Divulgação e Consultoria de Normas da Receita Pública da Unidade de Uniformização de Entendimentos e Resolução de Conflitos, em Cuiabá/MT, 31 de janeiro de 2024.
Francislaine Cristini Vidal Marchesin Garcia Rúbio
FTE
De acordo:
Elaine de Oliveira Fonseca
Chefe de Unidade – UDCR/UNERC (em substituição)