Parecer CJ/MPAS nº 2.445 de 25/04/2001
Norma Federal - Publicado no DO em 25 abr 2001
Dispõe sobre a concessão indevida de benefício assistencial e restituição dos valores ao INSS.
REFERÊNCIA:Processo nº 35546.000085/96-00.
INTERESSADA:Rosane Dalmas.
ASSUNTO: Concessão indevida de benefício assistencial. Restituição dos valores ao INSS.
Ementa: Direito Constitucional e Previdenciário. Assistência Social. Concessão imprópria de benefício por culpa da administração. Inexistência de previsão na lei orgânica da assistêncial social (Lei nº 8.742, de 07.12.1993), quanto à restituição dos valores pagos indevidamente pelo INSS. Enriquecimento sem causa do beneficiário. Violação de princípios constitucionais da administração pública. prejuízo ao erário. Apuração do erro e cobrança do débito. necessidade.
RELATÓRIO
1. Trata-se de consulta manifestada junto a esta Consultoria Jurídica em razão de controvérsia existente entre a Procuradoria Geral do INSS e a Divisão do Seguro Social quanto aos procedimentos a serem adotados nos casos de concessões indevidas, por culpa da Administração, de benefícios assistenciais descritos na Lei Orgânica da Assistência Social.
2. Segundo a d. Procuradoria-Geral do INSS, a cobrança das quantias pagas indevidamente afigura-se descabida, uma vez que a Lei nº 8.742/1993 - LOAS - não prevê a cobrança ou o desconto de benefícios concedidos irregularmente, em caso de boa-fé do assistido.
3. Ao contrário, a r. Divisão do Seguro Social entende que nestes casos deve-se aplicar, por analogia, o disposto no art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991, o qual prevê a cobrança do débito, mediante o desconto em parcelas, nos benefícios em manutenção.
4. Em face da divergência antes exposta e considerando que a Lei nº 8.213/1991 não indica qual o procedimento a ser adotado nas hipóteses de pagamentos indevidos em que o benefício previdenciário haja cessado, encaminha-nos a Divisão de Orientação e Uniformização de Procedimentos da Revisão do Direito do INSS o presente processo, para a devida análise e manifestação.
5. Antes, porém, de iniciarmos a nossa abordagem sobre o tema em questão, torna-se imperioso relatar - ainda que de forma sucinta - os fatos que ensejaram a formação dos autos correspondentes, o que se faz, a seguir:
- cuida-se de requerimento de Amparo Assistencial previsto na Lei nº 8.742/1993, levado a efeito por Rosane Dalmas, em 2 de fevereiro de 1996, perante o Posto do INSS de Serafina Corrêa/RS;
- perscrutando os autos em questão observa-se que o benefício assistencial foi inicialmente deferido em 12.06.1996, tendo como renda mensal inicial o valor de R$ 70,93 (setenta reais e noventa e três centavos);
- posteriormente, constatou aquele mesmo Posto de Serviço do INSS erro administrativo e conseqüente irregularidade na concessão do benefício assistencial correspondente;
- tal fato ensejou a cessação do recebimento do amparo social pela assistida a partir de jul./1996;
- da análise dos documentos jungidos aos autos depreende-se que o benefício foi suspenso em virtude de não ter a profissional da área terapêutica do INSS - quando da primeira perícia - considerado a requerente do amparo social incapaz para o desempenho de atividades da vida diária, o que foi ratificado, posteriormente, pela área médica daquele Instituto;
- seguidos os trâmites internos, o processo culminou com a r. decisão da 5ª (Quinta) Câmara de Julgamento do Conselho de Recursos da Previdência Social, datada de 29.03.1999, a qual determinou o cancelamento do benefício concedido e dispensou a interessada da restituição de quaisquer valores, vez que a indevida percepção do amparo assistencial decorreu de erro administrativo.
6. É o Relatório.
FUNDAMENTAÇÃO E CONCLUSÃO
7. Conforme se infere do art. 203 da Constituição Federal de 1988, a Assistência Social tem por objetivo prestar atendimento aos hipossuficientes, através do oferecimento, pelo Estado, de pequenos benefícios em dinheiro, assistência à saúde, fornecimento de alimentos e outras pequenas prestações.
8. Nos termos do art. 1º da Lei nº 8.742/1993, a assistência social é um direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.
9. Vê-se, portanto, que Assistência Social e Previdência Social não se confundem. Nesta, há necessidade de contribuição para se obter benefícios, naquela não.
10. De fato, o benefício previdenciário é uma contraprestação do Estado paga ao segurado que preencher os requisitos previstos na Lei nº 8.213/1991, dentre eles a contribuição para a Previdência Social.
11. Todas as prestações devidas pela Previdência Social aos seus segurados, expressas em benefícios e serviços, encontram-se elencadas no vigente art. 18 da Lei nº 8.213/1991.
12. O entendimento da d. Procuradoria-Geral do INSS é no sentido de que, não estando o amparo social dentre aquelas prestações previstas na norma legal antes citada, não há que se falar em desconto na renda mensal dos benefícios assistenciais em manutenção, por falta de amparo legal.
13. Nesse ponto, vale transcrever trecho da Nota Técnica nº 547/1999 daquela Procuradoria:
"[...] a Lei nº 8.742/1993 não prevê a cobrança ou desconto de benefícios indevidos em caso de boa fé do assistido devendo, pois, a Autarquia se resignar aos termos do Acórdão 1.159/99 da CAJ, que cancelou o benefício, mas dispensou a segurada de restituir as importâncias recebidas na vigência da concessão desse benefício, visto que não consta dos autos nenhuma referência sobre ter concorrido para o erro administrativo." (grifos nossos)
14. Com o devido respeito ao douto entendimento daquela Procuradoria-Geral, pensamos diferentemente.
15. Com efeito, se é certo que a cobrança de débitos oriundos de pagamentos indevidos pela Previdência Social a beneficiários de boa fé apresenta-se desaconselhável, por não encontrar guarida na LOAS, o mesmo não se conclui se formos além e analisarmos a questão em consonância com os Princípios Gerais do Direito, a Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 8.112/1990.
16. Segundo o ordenamento civil, quem recebe o que não lhe é devido tem o dever de restituir, em atenção ao princípio que veda o enriquecimento sem causa.
17. Ora, se o benefício foi concedido de forma irregular é porque quem o recebeu não fazia jus à assistência social prestada pelo Estado.
18. Por outro lado, entendemos que a questão do "erro" administrativo não pode simplesmente ser ignorada.
19. A Lei nº 8.112/1990, ao cuidar no Capítulo IV, das responsabilidades dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais assim dispõe:
"Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.
Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
§ 1º [...]
§ 2º [...]
§ 3º A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles será executada, até o limite do valor da herança recebida.
Art. 124. A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função." (grifos nossos)
20. Nesse passo, se houve culpa da administração quando da concessão indevida do benefício, seja previdenciário ou assistencial, mister se faz a instauração de processo administrativo, com fincas a se apurar o responsável pelo erro e possibilitar ao Erário o ressarcimento do prejuízo.
21. Impende ressaltar, ainda, que deixar de cobrar do responsável os prejuízos por ele causados ao Erário é atentar contra os princípios da Administração Pública. Senão vejamos:
- viola-se o princípio da moralidade administrativa, que consagra a doutrina do não-locupletamento à custa alheia originada do Direito Civil;
- fere-se o princípio da legalidade, vez que no Direito Administrativo o conceito de legalidade contém em si não só a lei, mas, também, o interesse público e a moralidade;
- infringe-se o princípio da indisponibilidade, segundo o qual a Administração não pode transigir, ou deixar de aplicar a lei, senão nos casos expressamente permitidos. Nem tampouco dispor de bens, verbas ou interesses fora dos estritos limites legais;
- ignora-se o princípio da eficiência porquanto o Administrador Público é gestor da coisa pública, coisa da sociedade, e, como tal, deve planejar a atividade do órgão ou entidade que dirige de forma a obter o máximo de resultado social e econômico, quando for o caso.
22. Do exposto até aqui pode-se concluir que os benefícios pagos impropriamente pelo INSS, sejam previdenciários ou assistenciais, podem ser cobrados tanto do beneficiário deste quanto do servidor que agiu com culpa ou dolo na sua concessão. A obrigação é solidária.
23. Pugna a Divisão do Seguro Social pela aplicação do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991, nos casos de pagamentos indevidos de benefícios assistenciais.
24. Nos termos do citado artigo, pode a Previdência Social descontar nos benefícios em vigor, de forma parcelada, os pagamentos de benefícios além do devido, desde que não se trate de beneficiário de má-fé.
25. A resposta ao referido pleito impõe-se negativa, em face do caráter alimentar do benefício assistencial, conforme asseverado no despacho nº 630/99 da d. Procuradoria da Previdência Social/RS.
26. Por outro lado, conforme dito alhures, a Lei nº 8.213/1991 diz respeito tão-somente a benefícios previdenciários, que não se confundem com os benefícios assistenciais descritos na LOAS.
27. Fica, portanto, afastada a aplicação da analogia no caso presente.
28. Assim sendo, em se tratando de benefícios previdenciários cessados ou nos casos de benefícios assistenciais, suspensos ou em vigor, o ressarcimento de eventuais prejuízos sofridos pela Previdência Social nas hipóteses objetos do presente parecer poderá, a nosso ver, ocorrer da seguinte forma:
a) cobrança do prejuízo diretamente do servidor responsável, mediante a consignação em folha de pagamento, desde que autorizada por este, na forma do § 1º do art. 45 da Lei nº 8.112/1990;
b) em qualquer hipótese poderá a Previdência Social lançar mão da cobrança judicial, atribuindo como sujeitos passivos da obrigação o servidor responsável pelo ato que originou a imprópria concessão do benefício e/ou o beneficiário das importâncias pagas indevidamente.
29. Por fim, consigne-se que, em sendo acatado o correspondente entendimento, deverá a área competente do INSS instaurar processo administrativo, com vistas a se apurar a responsabilidade pelos prejuízos causados àquela Autarquia, decorrentes dos fatos narrados no presente parecer.
À consideração superior.
Brasília, 25 de abril de 2001.
PEDRO HUMBERTO CARVALHO VIEIRA
Assistente da Consultoria Jurídica
De acordo.
À consideração do Senhor Consultor Jurídico.
Brasília, 25 de abril de 2001.
CARLOS AUGUSTO VALENZA DINIZ
3º Coordenador de Consultoria Jurídica
Aprovo.
À consideração do Senhor Ministro.
Brasília, 25 de abril de 2001.
INDIRA ERNESTO SILVA QUARESMA
Consultora Jurídica Substituta
Aprovo.
Publique-se.
ROBERTO BRANT