Parecer ECONOMIA/GEOT nº 246 DE 11/07/2022

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 11 jul 2022

Cobrança de ITCD em casos de inventário processado no exterior.

RELATÓRIO:

Trata-se de consulta formulada pela Gerência do ITCD sobre o entendimento a ser adotado pela Administração Tributária do Estado de Goiás acerca de inventários processados no exterior com beneficiários em Goiás.

O caso concreto objeto de exame se refere ao inventário processado na França do genitor de XXX. A conclusão do inventário acarretou a transferência de € 38.536,83 para conta do beneficiário no Brasil. Convertidos em moeda nacional, o valor total líquido foi de R$ 204.794,10 (duzentos e quatro mil, setecentos e noventa e quatro reais e dez centavos).

Como se sabe, recentemente o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de diversas leis estaduais que instituíam fatos geradores do ITCD de bens inventariados no exterior. No entanto, o Código Tributário do Estado de Goiás não foi formalmente revogado, havendo, por conseguinte, um aparente conflito entre a decisão da Suprema Corte com a norma positivada em Goiás.

É o breve relatório.

FUNDAMENTAÇÃO:

O art. 155, §1º, III da CF/88 dispõe que:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(...)

§ 1º O imposto previsto no inciso I:

(...)

III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

A lei complementar anunciada pela Constituição Cidadã, mesmo passados 34 anos, ainda não editada. Com base no art. 24, §3º da CF/88, os Estados e o DF exerceram a competência legislativa plena, preenchendo o vácuo normativo deixado pela desídia do legislador do Congresso Nacional:

Art. 24 (...) § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

Ainda com base na Constituição Federal, no art. 34, §3º do ADCT, as unidades federadas encontraram mais razão para justificar as leis estaduais que instituíam o ITCD de bens inventariados no exterior:

Art. 34 (...) § 3º Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto.

Esse entendimento justificou durante anos a instituição do ITCD nos diversos estados da federação. No estado de Goiás a instituição do tributo veio contemplada no art. 73 do Código Tributário do Estado de Goiás, que assim dispõe:

Art. 73. A incidência do imposto alcança:

I-A - a transmissão causa mortis de bem móvel ou direito, quando:

(...)

b) o herdeiro ou legatário tiver domicílio neste Estado e o processo de inventário esteja tramitando ou venha a tramitar no exterior;

Ocorre que no RE 851.108/SP (“leading case”), o plenário do STF decidiu em repercussão geral que “é vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, §1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

O fundamento central da decisão se baseou no fato de que as múltiplas normas existentes poderiam deflagrar conflitos entre as unidades federativas, havendo possibilidade de indevida bitributação entre os estados e entre os países com os quais o Brasil possui acordos comerciais.

No intuito de preservar o princípio da segurança jurídica, a Corte Constitucional decidiu modular os efeitos da decisão de modo que seus efeitos operassem prospectivamente, ou seja, a partir da publicação do acórdão, o que se deu em 20/04/2021.

Posteriormente, na ADI 6831/GO, o STF se pronunciou expressamente acerca do art. 73, I, “a”, I-A, “b” e “c”, e II, “b”, da Lei nº 11.651/1991 - Código Tributário do Estado de Goiás-, declarando-o inconstitucional, aplicando os efeitos da decisão para as transmissões posteriores 20/04/2021.

Portanto, não restam dúvidas de que a norma interna que instituiu o ITCD nos casos de inventários processados fora do Brasil foi expurgada do ordenamento jurídico, sendo incabível a tributação nessas hipóteses.

Contudo, o caso concreto tratado na consulta diz respeito à transmissão de bens móveis deixados por Claude Cromer, falecido em 14/02/2021, domiciliado na França, cujo legatário é domiciliado no estado de Goiás.

Embora o recebimento dos valores tenha sido realizado apenas em 20/04/2022, conforme documento anexo (SEI 000030971300), é cediço que, pelo princípio de Saisine, a transmissão dos bens ocorre no exato momento do falecimento do "de cujus".

Nesse sentido, o código civil brasileiro assim dispõe:

Lei nº 10.406/2002 - Código Civil Brasileiro:

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Art. 1.785. A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido.

Portanto, a transmissão dos valores ocorreu em período anterior à decisão emanada do STF no "leading case", o qual teve os efeitos modulados prospectivamente. A transmissão se deu em 14/02/2021, ao passo que a decisão do Supremo Tribunal Federal aplica-se para transmissões posteriores a 20/04/2021. Desse modo, no presente processo, é devida a tributação do ITCMD.

CONCLUSÃO:

Posto isso, observada a decisão do Pretório Excelso, o qual declarou a inconstitucionalidade do art. 73, I, “a”, I-A, “b” e “c”, e II, “b”, da Lei nº 11.651/1991, e os argumentos expostos no parecer, em atenção à consulta formulada, entende esta Gerência de Orientação Tributária que nas transmissões causa mortis de bem móvel ou direito, quando o herdeiro ou legatário tiver domicílio no Estado de Goiás e o inventário esteja tramitando ou venha a tramitar no exterior, o ITCMD não deverá ser cobrado nas transmissões posteriores a 20/04/2021, devendo ser aplicada a decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal e observado o princípio de Saisine.

Vale ressaltar que a transmissão tratada no processo objeto de consulta é anterior ao período em que o STF modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, devendo ser normalmente tributada.

Gerência de Orientação Tributária do (a) SECRETARIA DE ESTADO DA ECONOMIA, aos 11 dias do mês de julho de 2022.

Documento assinado eletronicamente por DENILSON ALVES EVANGELISTA, Gerente, em 11/07/2022, às 17:08, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.

Documento assinado eletronicamente por HELVECIO VIEIRA DA CUNHA JUNIOR, Auditor (a) Fiscal da Receita Estadual, em 12/07/2022, às 09:32, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.