Parecer ECONOMIA/GEOT nº 263 DE 27/11/2023

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 27 nov 2023

ICMS. Não incidência nas transferências de mercadoria entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, pessoa física e pessoa jurídica. Sócios. ADC 49. Arts. 6º, I do RCTE-GO e 49-A do Código Civil.

I - RELATÓRIO

(...), com atividades principal “1011-2/01 Frigorífico - abate de bovinos” e secundárias “1013-9/02 Preparação de subprodutos do abate” e “4634-6/01 Comércio atacadista de carnes bovinas e suínas e derivados”, estabelecida na (...) solicita esclarecimentos acerca da circulação de mercadorias sem cobrança do ICMS para a mesma titularidade, seja de pessoa física para pessoa física (mesmo CPF) ou de pessoa jurídica para pessoa jurídica (mesmo CNPJ) e no caso do destinatário pessoa física pertencer ao quadro societário da pessoa jurídica remetente.

Sobre o assunto, indaga:

1) É extensiva a não incidência do ICMS, quando se dá a remessa de pessoa jurídica para pessoa física, sendo a pessoa jurídica formada por somente uma pessoa física e esta pessoa física ser a mesma destinatária da pessoa jurídica (a remetente jurídica possui no quadro societário o mesmo CPF da pessoa física destinatária). E no caso inverso, da pessoa física (CPF) que remete à pessoa jurídica, cujo quadro societário é formado pelo CPF da pessoa física remetente?

II - FUNDAMENTAÇÃO

A autora da consulta é uma sociedade limitada unipessoal e seu quadro societário é composto pelo sócio de CPF (...).

Constam do Cadastro de Contribuintes do Estado de Goiás – CCE-GO, as seguintes inscrições ativas ou suspensas:

(...).

O Decreto nº 4.852, de 29 de dezembro de 1997, que regulamentou o Código Tributário do Estado de Goiás – RCTE-GO estabelece a respeito do fato gerador do ICMS:

“Art. 6º Ocorre o fato gerador do ICMS, no momento (Lei nº 11.651/91, art. 13):

I - da saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo contribuinte;”

O preceito acima fundamenta-se no art. 12, I da Lei Complementar Federal nº 87, de 13 de setembro de 1996, que regulamentou a aplicação do imposto dos Estados e do Distrito Federal, o ICMS, estatuindo:

“Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;”

Todavia, o Judiciário tem o entendimento de que não incide o ICMS na situação a que se refere o art. 12, I do citado diploma.

No julgamento, em 14/08/2020, do Recurso Extraordinário com Agravo 1.255.885/MS (Tema 1099), o Supremo Tribunal Federal, reafirmando a jurisprudência da Corte sobre a matéria, firmou a seguinte tese de repercussão geral: “Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia.”

Em 19/04/2021, julgando a Ação Declaratória de Constitucionalidade 49/RN – ADC 49, decidiu o STF que “o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual” e declarou a inconstitucionalidade dos artigos 11, §3º, II; 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, §4º, da Lei Complementar Federal n. 87, de 13 de setembro de 1996.

Em 19/04/2023, nos Embargos de Declaração na ADC 49 a Suprema Corte modulou os efeitos temporais da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito, assim como reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 11, § 3º, II, da Lei Complementar nº 87/1996, excluindo do seu âmbito de incidência apenas a hipótese de cobrança do ICMS sobre as transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular.

Assim, a disposição do art. 6º, I do RCTE-GO (art. 13, I do CTE-GO), terá eficácia até 31/12/2023, permanecendo tributadas pelo ICMS até aquela data a saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo contribuinte. A partir de 1º de janeiro de 2024, marco inicial da modulação dos efeitos da decisão proferida na ADC 49, deverá ser implementada a não incidência do imposto nas operações de transferência de mercadoria entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, mediante alterações na legislação estadual.

A não incidência defendida pela Suprema Corte refere-se às transferências de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo titular contribuinte do imposto, ou seja, entre estabelecimentos pertencentes à mesma pessoa natural ou entre estabelecimentos pertencentes à mesma pessoa jurídica.

Entende-se como transferência de mercadoria as saídas do estoque do estabelecimento remetente para o estoque de outro estabelecimento pertencente ao mesmo titular, sem que haja circulação jurídica.

De acordo com o art. 21 do RCTE-GO (art. 28 da Lei nº 11.651/91), estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoa natural ou jurídica exerça sua atividade em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontre armazenada mercadoria.

A Instrução Normativa nº 946/09-GS estabelece a respeito do Cadastro de Contribuintes do Estado de Goiás:

“Art. 6º Cadastramento é o ato de inscrição no CCE, a ser formalizado antes do início das atividades do estabelecimento e consiste na inclusão das informações concernentes ao contribuinte e ao seu estabelecimento nos arquivos da Secretaria da Fazenda.

(…)

Art. 10. Sujeitam-se à inscrição no CCE e à prestação de informações exigidas pela administração tributária:

I - os comerciantes, mesmo que não possuam estabelecimento fixo, como os vendedores ambulantes e os feirantes;

II - os produtores agropecuários, assim entendidos os produtores rurais e os produtores urbanos;

III - os industriais;

(…)

Art. 39. A inscrição cadastral será identificada com uma única numeração, identificadora do contribuinte e de seu estabelecimento, composta por 9 (nove) algarismos, assim dispostos:

I - os 2 (dois) primeiros formam os números 10 (dez) ou 20 (vinte), que identificam o contribuinte pessoa jurídica, ou 11 (onze), que identifica o contribuinte pessoa física;

(…)

Art. 51. O processo de formalização dos eventos cadastrais realizados fora da REDESIM será composto de solicitação acompanhada por cópia autenticada dos seguintes documentos:

I - tratando-se de pessoa jurídica:

a) ato constitutivo ou última alteração da sociedade, conforme o caso, ou declaração de firma individual, registrada na junta comercial ou no cartório competente em se tratando de sociedade civil, caso o registro ou alteração tenha ocorrido há menos de 6 (seis) meses, ou certidão emitida no máximo há 6 (seis) meses pelo respectivo órgão de registro;

b) comprovante de inscrição no CNPJ;

(…)

II - tratando-se de pessoa física:

a) documento oficial de identificação do titular e do representante, caso exista, e CPF, quando este não constar no documento de identificação;”

O art. 34 do RCTE-GO (art. 44 da Lei nº 11.651/91) define contribuinte como qualquer pessoa, natural ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operação de circulação de mercadoria ou prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação, ainda que a operação e a prestação se iniciem no exterior, esclarecendo em seu § 2º, XI que se considera intuito comercial, especialmente, a aquisição de mercadoria em quantidade incompatível com a necessidade de uso e consumo do adquirente.

Exclui-se desta análise a pessoa física não estabelecida comercialmente, no presente caso, o sócio da pessoa jurídica enquanto indivíduo, vez que as situações em que figure como destinatário de mercadoria são naturalmente constitutivas de fato gerador do ICMS, salvo em caso de alienação de mercadoria integrada ao ativo imobilizado do estabelecimento alienante.

Percebe-se que a titularidade de estabelecimentos está conferida, de forma distinta, ao contribuinte pessoa jurídica e ao contribuinte pessoa física (natural).

Cumpre, particularmente, destacar o que prescreve a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil Brasileiro:

“Art. 2 o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

(…)

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

(...)

II - as sociedades;

(…)

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

(…)

Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

(…)

Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).” (g.n.)

Está claro que a empresa e os seus sócios têm personalidades jurídicas próprias. Como estabelece o Código Civil, a pessoa jurídica não se confunde com seus sócios.

Feitos tais esclarecimentos cabe examinar a situação da Consulente. Conforme apontado anteriormente, de acordo com os dados cadastrais de Goiás, há dois titulares atualmente em operação:

1- o titular, representado CNPJ base (...)que possui os estabelecimentos:

1-1- (...), Ativa, Industrial, Alexânia-GO (Consulente);

1.2- (...), Ativa, Substituto Tributário/Diferencial de Alíquotas, Brasília-DF; e

1.3- (...), Suspensa, Produtor Rural, Alexânia-GO, que poderá ou não ser reativada;

Vale lembrar que na hipótese de que hajam outros estabelecimentos cadastrados com o mesmo CNPJ base (...)em outra unidade federada, estarão incluídos no titular do item 1.

2- o titular, representado pelo CPF (...), que possui o seguinte estabelecimento:

2.1- (...), Ativa, Produtor Rural, Alexânia – GO.

Igualmente registre-se que caso hajam outros estabelecimentos cadastrados com o mesmo CPF (...) em outra unidade federada, estarão incluídos no titular do item 2.

Pode-se afirmar, portanto, que a partir da produção de efeitos da decisão dada na ADC 49, isto é, a partir de 1º de janeiro de 2024, serão contempladas pela não incidência do ICMS:

1- as operações de transferência de mercadoria realizadas entre os estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, pessoa jurídica, representada pelo CNPJ base (...);

2- as operações de transferência de mercadoria realizadas entre os estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, pessoa natural, representada pelo CPF (...).

As saídas realizadas por estabelecimentos da pessoa jurídica (CNPJ base (...)) com destino aos estabelecimentos da pessoa física (CPF (...)), assim como as saídas realizadas por estabelecimentos da pessoa física (CPF (...)) com destino aos estabelecimentos da pessoa jurídica (CNPJ base (...)), configuram venda de mercadoria e são normalmente tributadas.

Diga-se, mais, os estabelecimentos do titular contribuinte pessoa natural (CPF) não pertencem ao titular contribuinte pessoa jurídica (CNPJ). Logo, as transferências desta para aqueles, e vice-versa, não estarão amparadas pela não incidência do ICMS.

III – CONCLUSÃO

1) A disposição do art. 6º, I do RCTE-GO (art. 13, I do CTE-GO), terá eficácia até 31/12/2023, permanecendo tributadas pelo ICMS até aquela data a saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo contribuinte. A partir de 1º de janeiro de 2024, marco inicial da modulação dos efeitos da decisão proferida na ADC 49 pelo Supremo Tribunal Federal, deverá ser implementada a não incidência do imposto nas operações de transferência de mercadoria entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, mediante alterações na legislação estadual.

A não incidência defendida pela Suprema Corte refere-se às transferências de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo titular contribuinte do imposto, ou seja, entre estabelecimentos pertencentes à mesma pessoa natural ou entre estabelecimentos pertencentes à mesma pessoa jurídica.

De acordo com o art. 49-A da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil Brasileiro, a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

As saídas realizadas por estabelecimentos da pessoa jurídica (CNPJ base (...)) com destino aos estabelecimentos da pessoa física (CPF (...)), assim como as saídas realizadas por estabelecimentos da pessoa física (CPF (...)) com destino aos estabelecimentos da pessoa jurídica (CNPJ base(...)), configuram venda de mercadoria e são normalmente tributadas.

Os estabelecimentos do titular contribuinte pessoa natural (CPF) não pertencem ao titular contribuinte pessoa jurídica (CNPJ). Logo, as transferências desta para aqueles, e vice-versa, não estarão amparadas pela não incidência do ICMS.

Pode-se afirmar, portanto, que a partir da produção de efeitos da decisão dada na ADC 49, isto é, a partir de 1º de janeiro de 2024, serão contempladas pela não incidência do ICMS:

1- as operações de transferência de mercadoria realizadas entre os estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, pessoa jurídica, representada pelo CNPJ base (...);

2- as operações de transferência de mercadoria realizadas entre os estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, pessoa natural, representada pelo CPF (...).

É o parecer.

 GOIANIA, 27 de novembro de 2023.

OLGA MACHADO REZENDE

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