Parecer ECONOMIA/GEOT nº 59 DE 09/04/2024

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 09 abr 2024

Fato gerador do ITCD. Bitributação. ITCD X ITBI.

RELATÓRIO:

(...), formula consulta a esta Gerência visando esclarecer se haveria incidência de ITCD na operação especificada.

Informou que realizou contrato de honorários advocatícios com (...), no valor de R$ 56.676,35 (cinquenta e seis mil, seiscentos e setenta e seis reais e trinta e cinco centavos), sendo que o pagamento da prestação dos serviços foi feita com a dação de um imóvel registrado sob a matrícula de nº 21.178 no Cartório de Registro de Imóveis da Primeira Circunscrição da Comarca de Anápolis/GO.

Ressalta que houve o recolhimento do ITBI à Prefeitura de Anápolis, que avaliou o bem no valor de R$ 158.051,05 (cento e cinquenta e oito mil, cinquenta e um reais e cinco centavos). Contudo, o tabelião registrador exigiu a manifestação da Secretaria da Economia acerca da incidência ou não do ITCD na operação, tipificada no art. 72-A, inciso VIII, alínea "b", do Código Tributário Estadual.

FUNDAMENTAÇÃO:

A doação, para efeitos de incidência do imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCD), pode ser caracterizada de múltiplas formas, como especifica o art. 72-A da Lei nº 11.651/1991. Na alínea "b" do inciso VIII, a legislação dispõe que a diferença verificada entre o valor de mercado e o valor nominal expresso no contrato social ou de compra e venda é qualificado como uma doação.

Vejamos o que dispõe o art. 72-A, VIII, "b", do CTE/GO:

Art. 72-A. Caracteriza-se doação:

(...)

VIII - a diferença positiva entre o valor de mercado:

(...)

b) do bem ou direito e o valor nominal expresso no contrato social ou contrato de compra e venda;

(...)

O fato gerador do ITCD é caracterizado pela transferência de qualquer bem ou direito a título gratuito, em que a doação é uma das formas mais comuns. O dispositivo legal mencionado estende essa noção para incluir situações nas quais, mesmo que não haja uma doação explícita conforme tradicionalmente compreendida (isto é, a transferência direta e gratuita de bens ou direitos), a legislação tributária identifica uma "doação implícita" pela diferença de valores. Isso significa que, se o valor de mercado de um bem ou direito é significativamente maior do que o valor pelo qual ele é transferido (por exemplo, o valor nominal expresso em um contrato), essa diferença é considerada como uma doação para fins tributários.

Em realidade está-se diante de uma doação mista. Cediço que a doação mista (ou negotium mistum cum donatione) possui conteúdo negocial híbrido, sendo oneroso, mas também contendo liberalidade.

No caso em questão resta demonstrada a iniludível discrepância, apta a evidenciar a presença de gratuidade no ato negocial, entre o valor de mercado do imóvel dado em pagamento e o valor expresso no contrato de prestação de serviços advocatícios.

O princípio por trás dessa regra é o de capturar situações em que a transferência de bens ou direitos por um valor nominalmente baixo pode ser utilizada para evitar o pagamento de impostos sobre doações. Ao assim proceder, o legislador busca assegurar que o ITCD incida sobre o real benefício econômico transferido, refletido no valor de mercado do bem ou direito, evitando, assim, que as partes logrem êxito em ilidir a incidência do imposto por meio da fixação de valores nominais artificialmente baixos consignados em contratos.

O requerente alega que o ITCD não seria devido, pois a operação foi de dação em pagamento e não de compra e venda. Essa alegação não prospera.

O contrato de dação em pagamento é uma modalidade de acordo prevista no Código Civil Brasileiro, especificamente nos artigos 356 a 359. Ele representa uma forma de extinção de uma obrigação, na qual o devedor transmite ao credor um bem, que não seja o inicialmente acordado, para satisfazer uma dívida. A aceitação deste bem em substituição ao pagamento em dinheiro ou à prestação originalmente devida deve ser expressamente acordada pelo credor. Esse tipo de contrato é frequentemente utilizado em situações em que o devedor enfrenta dificuldades financeiras para cumprir com a obrigação monetária ou quando ambas as partes veem vantagens na transferência de um bem específico.

O próprio art. 357 do Código Civil determina que a dação em pagamento será regulada pelas normas do contrato de compra e venda, demonstrando que o tratamento a essas operações deve ser o mesmo.

CC/02, Art. 357. Determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda.

Por conseguinte, se o valor real (de mercado) do bem transferido como dação em pagamento for significativamente superior ao valor da dívida que está sendo quitada (ou ao valor declarado no contrato), essa diferença de valores pode ser interpretada como uma doação implícita ou como um benefício econômico adicional ao credor. Isso se deve ao fato de o credor estar recebendo um valor mais alto em termos econômicos do que o efetivamente devido pela dívida.

Para fins tributários, especialmente no que diz respeito ao ITCD, essa diferença deve ser considerada sujeita à tributação, similarmente ao que ocorre com as doações propriamente ditas.

O requerente alega também que haveria bitributação caso a Administração Tributária do Estado entenda pela incidência do ITCD, uma vez que já foi realizado o pagamento do ITBI para o município onde se situa o imóvel. Todavia, cumpre esclarecer que o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD) são tributos de naturezas distintas, previstos na Constituição Federal brasileira, incidindo sobre fatos geradores diferentes, apesar de ambos se relacionarem à transferência de bens ou direitos.

O ITBI é um imposto municipal que incide sobre a transmissão "inter vivos", a qualquer título, de propriedade ou domínio útil de bens imóveis e de direitos a eles relativos. Seu fato gerador, portanto, está atrelado à transferência de propriedade imobiliária decorrente de atos entre vivos. Trata-se de imposto de competência municipal, motivo pelo qual a Administração Tributária Estadual não possui competência para se manifestar acerca da sua ocorrência.

É importante esclarecer que o pagamento do ITBI à Prefeitura, referente a uma transmissão de imóvel "inter vivos", não altera ou substitui o fato gerador do ITCD. Isso porque a natureza jurídica e os fatos geradores que dão origem à obrigação de pagar cada um desses impostos são distintos e independentes entre si. A doação, independentemente de envolver a transferência de propriedade imobiliária, caracteriza-se como um ato gratuito, configurando, assim, o fato gerador do ITCD. O critério de incidência deste imposto está na natureza gratuita da transferência, o que é independente da natureza do bem ou direito transferido (seja móvel, imóvel ou intangível).

Logo, o pagamento do ITBI em uma transação de transferência imobiliária "inter vivos" não altera a natureza jurídica de uma doação. Caso uma propriedade imobiliária seja doada, o ITCD é o tributo correto a incidir sobre a operação, tendo em vista que sua base de cálculo, fato gerador e competência tributária são delineados pela gratuidade da transferência, conforme estabelecido pela legislação estadual em conformidade com as diretrizes constitucionais.

Voltando nossos olhos para a operação de transferência realizada entre (...), verificamos a ocorrência de duas operações comerciais:

a) uma dação em pagamento de bem imóvel, sujeita à incidência do ITBI;

b) uma doação adjacente atinente à diferença entre o valor real e o valor nominal, correspondente a R$ 101.374,70 (cento e um mil, trezentos e setenta e quatro reais e setenta centavos), sujeita ao pagamento do ITCD.

Desse modo, em que pesem as alegações apresentadas pelo requerente, o fato gerador do ITCD é indene de dúvidas.

CONCLUSÃO:

Com base nas análises e reflexões apresentadas, a Gerência de Orientação Tributária posiciona-se de forma inequívoca quanto à incidência do ITCD em situações que configuram doação, inclusive de maneira implícita. Isso ocorre, por exemplo, quando um bem imóvel é transferido por um valor declarado inferior ao seu valor de mercado. Essencialmente, para fins de incidência do ITCD, é irrelevante se a operação se classifica como dação em pagamento ou compra e venda.

Além disso, é importante esclarecer que a aplicação simultânea do ITCD e do ITBI em operações distintas não configura bitributação, dado que os fatos geradores dos dois impostos são nitidamente diferentes. Portanto, o ITCD é aplicável especificamente sobre a parcela do valor do imóvel que ultrapassa o montante efetivamente pago na operação.

Ademais, não se pode olvidar que está-se diante de um negócio jurídico que ostenta a qualificação de doação mista. A doação mista (ou negotium mistum cum donatione) possui conteúdo negocial híbrido, sendo oneroso, mas também contendo liberalidade. No caso em questão resta demonstrada a iniludível discrepância, apta a evidenciar a presença de gratuidade no ato negocial, entre o valor de mercado do imóvel dado em pagamento e o valor expresso no contrato de prestação de serviços advocatícios.

Outrossim, a necessária distinção entre os fatos geradores assegura a correta aplicação da norma tributária, de modo que cada tributo incida sobre eventos distintos, respeitando os princípios da legalidade e da capacidade contributiva, além de reforçar a justiça fiscal e evitar a sobrecarga tributária sobre o contribuinte. Dessa forma, o entendimento esposado alhures alinha-se aos princípios da clareza e da equidade tributárias, garantindo a correta aplicação da legislação fiscal vigente.

É o parecer.

GOIANIA, 09 de abril de 2024.

HELVECIO VIEIRA DA CUNHA JUNIOR

Auditor Fiscal da Receita Estadual