Parecer Normativo SAT nº 8 de 03/11/2009
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 09 nov 2009
Não sendo atribuível ao sócio não dirigente a responsabilidade pelos débitos tributários da sociedade limitada, não pode o seu nome ser arrolado em lançamento fiscal, inscrito em dívida ativa e SERASA ou arrolado em CDA, ainda que haja dissolução irregular da sociedade. Exceção se faça aos casos em que se comprovar ação fraudulenta do sócio não dirigente.
Buscando harmonizar as práticas do Fisco de Goiás sobre a matéria em epígrafe, esta Superintendência, com fulcro no permissivo legal constante do art. 52, da Lei estadual nº 16.469/2009, resolve fixar entendimento por meio deste Parecer Normativo.
Na forma do art. 1.052 do Código Civil, na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor das suas cotas, embora todos respondam solidariamente pela integralização do capital social. Assim, uma vez integralizado todo o capital social subscrito, o sócio não responderá com o seu patrimônio pelas obrigações sociais da sociedade, mesmo quando o patrimônio desta for insuficiente para fazer face às suas obrigações. Esta regra reflete o principio da separação entre o patrimônio do sócio e o patrimônio da sociedade da qual participa, que é regra referenciada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, STJ, conforme excerto extraído de acórdão exarado pela Segunda Turma, verbis:
"O instituto do redirecionamento configura exceção ao principio da autonomia da pessoa jurídica. Por esse princípio, a sociedade constitui-se em um ente distinto da pessoa dos sócios, e o seu patrimônio é responsável pelas dívidas societárias". (Resp 017588/SP; Relator:Ministro HUMBERTO MARTINS; Publicação: DJe 28.11.2008; órgão julgador: Segunda Turma).
Pela regra do art. 135, inciso III, do CTN, verifica-se que a responsabilidade tributária pode ser atribuída ao sócio não pela sua condição de sócio, mas pelo fato de exercer função de direção na sociedade. Assim, a responsabilidade tributária atingirá a pessoa do sócio somente quando este, praticando atos de administração da sociedade, agir com excesso de poderes ou infringir a lei, contrato social ou o estatuto da sociedade.
Para facilitar o processo de identificação das hipóteses em que o sócio de sociedade limitada pode ser responsabilizado pessoalmente e definir em quais circunstâncias pode a Administração Fazendária arrolar o sócio em processo administrativo de cobrança de tributos, buscamos amparo nas seguintes jurisprudências exaradas pelo STJ, cujas ementas dispõem, verbis:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO CONTRA SÓCIO QUOTISTA SEM PODERES DE GERÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
1. O integrante de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, sem função de gerência, não pode ser responsabilizado por dívidas tributárias contraídas pela sociedade, ainda que esta tenha se dissolvido irregularmente. Precedentes.
2. Recurso especial provido. (Resp 808386; Relator: Ministro CASTRO MEIRA; Publicação: DJ 26.02.2007, p. 578; Órgão Julgador: Segunda Turma).
Ementa: TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ART. 135 DO CTN. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. EXECUÇÃO FUNDADA EM CDA QUE INDICA O NOME DO SÓCIO. REDIRECIONAMENTO. ISENÇÃO.
1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade ao sócio-gerente e, posteriormente, pretende voltar-se também contra o seu patrimônio, deverá demonstrar infração á lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade.
2. Se a execução foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio - gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei nº 6.830/1980.
3. Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável tributário, não se trata de típico redirecionamento. Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa.
4. Na hipótese, a execução foi proposta com base em CDA da qual constava o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário, do que se conclui caber a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.
5. Embargos de divergência providos. (EREsp 702232, Relator; Ministro CASTRO MEIRA; DJ 26.09.2005, p. 169; Primeira Seção).
Neste contexto, torna-se indispensável que o agente do Fisco, quando proceder ao lançamento, estabeleça distinção entre o sócio com poder de mando e aquele que não participa (nem de direito e nem de fato) da gestão da empresa, arrolando como responsável tributário, quando for o caso, apenas o sócio com função de direção na sociedade. Neste sentido, a Segunda Turma STJ exarou acórdão do qual extraímos o seguinte excerto, verbis:
"Em caso de dissolução irregular da pessoa jurídica, somente as pessoas com poder de mando devem ser responsabilizadas. Sendo incontroverso nos autos que a empresa (sociedade por quotas de responsabilidade limitada) foi dissolvida irregularmente e que a sócia executada não detinha poderes de gerência, descabe a sua responsabilização (art. 10 do Decreto nº 3.708/1919)". (REsp 656860/RS; Relatora: Ministra ELIANA CALMON; Publicação: DJ 16.08.2007 p. 307).
Assim, mesmo nos casos de dissolução irregular da sociedade ilimitada não há fundamento legal para arrolar o sócio, sem função de direção, como responsável tributário pelo débito da sociedade. O fato de a empresa encerrar as suas atividades em débito com o fisco não é circunstância relevante para caracterizar a dissolução irregular, porque esta somente se configura quando não se observa as disposições do Código Civil.
O art. 45, inciso X, do Código Tributário Estadual, CTE (resultado da combinação entre a regra do art. 124, inciso II, com a regra do art. 134, inciso VII, ambos do CTN), dispõe que fica solidariamente obrigado ao pagamento do imposto devido na operação ou prestação o sócio que se retira da sociedade, com esta, em relação aos atos que praticar ou pelas omissões de que for responsável, até o momento de sua retirada.
Veja-se que, ao empregar a expressão atos que praticar ou pelas omissões de que for responsável, a regra do art. 45, inciso X, do CTE, estabelece hipótese de responsabilidade subjetiva (dependente de prova) do sócio. Esta regra do CTE, por envolver a atribuição de responsabilidade, por débitos de imposto da sociedade, a terceiros e, por força do contexto jurídico (art. 146, inciso II, alínea "b", da CF/1988 e art. 135, inciso III, do CTN) em que se encontra inserida, deve ser compreendida e aplicada em harmonia e nos limites da regra geral prevista no art. 135, inciso III, do CTN. Neste sentido, entendemos que a interpretação que prestigia a disposição normativa estadual sem afrontar a regra geral prevista no art. 135, inciso II, do CTN, é a de que o sócio a que se refere a norma tributária estadual é aquele participante de sociedade de responsabilidade ilimitada ou aquele que, mesmo sem função de direção em sociedade limitada, comprovadamente, tenha praticado atos que implicaram em falta de pagamento do imposto (descumprimento de obrigação principal). Também neste sentido, tem-se que a responsabilidade (subjetiva) prevista no art. 45, inciso XII, do CTE, aplica-se a quaisquer pessoas, inclusive sócios, que exerçam função de direção na sociedade limitada.
Por envolver discussão sobre responsabilidade dos sócios e dirigentes de pessoas jurídicas, transcrevemos abaixo excerto do julgado da Primeira Seção (reúne a Primeira e Segunda Turmas) do STJ, o qual ensina que:
"A solidariedade prevista no art. 124, II, do CTN, é denominada de direito. Ela só tem validade e eficácia quando a lei que a estabelece for interpretada de acordo com os propósitos da Constituição Federal e do próprio Código Tributário Nacional.
4. Inteiramente desprovidas de validade são as disposições da Lei nº 8.620/1993, ou de qualquer outra lei ordinária, que indevidamente pretenderam alargar a responsabilidade dos sócios e dirigentes das pessoas jurídicas. O art. 146, inciso III, b, da Constituição Federal, estabelece que as normas sobre responsabilidade tributária deverão se revestir obrigatoriamente de lei complementar.
5. O CTN, art. 135, III, estabelece que os sócios só respondem por dívidas tributárias quando exercerem gerência da sociedade ou qualquer outro ato de gestão vinculado ao fato gerador. O art. 13 de Lei nº 8.620/1993, portanto, só pode ser aplicado quando presentes as condições do art. 135, III, do CTN, não podendo ser interpretado, exclusivamente, em combinação com o art. 124, II, do CTN.
6. O teor do art. 1.016 do Código Civil de 2002 é extensivo às Sociedades Limitadas por força do prescrito no art. 1.053, expressando hipótese em que os administradores respondem solidariamente somente por culpa quando no desempenho de suas funções, o que reforça o consignado no art. 135, III, do CTN. (REsp 717717; Relator: Ministro JOSÉ DELGADO; Publicação; DJ 08.05.2006 p.172).
Esta jurisprudência do STJ encontra-se alinhada ao pensamento consignado em decisão exarada pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, STF, cujo excerto transcrevemos abaixo:
"As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/1969) quanto sob a Constituição atual (art. 146, III, b, de CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica". (RE 556664; Relator: Min. GILMAR MENDES; Julgamento: 12.06.2008).
Consoante as inteligências exaradas nas jurisprudências do STF e STJ acima transcritas, verifica-se que, na forma do Contrato ou do Estatuto Social, o sócio que não possuir função de direção na sociedade limitada não responde pelas obrigações tributárias da empresa (Resp. 808.386). Assim, somente em caso especialíssimo em que se demonstre que o sócio, mesmo sem função de direção, praticou atos de administração, exercendo função de direção de fato, na sociedade, é que se admite a inclusão do seu nome na CDA.
Caso o nome do sócio (sem função de direção em sociedade limitada) conste indevidamente do lançamento, seja inscrito em dívida ativa e no SERASA, mesmo na ausência de iniciativa do interessado, a própria Administração Fazendária, identificando a irregularidade, deve excluir de ofício (art. 43, inciso I, alíneas "a" e "b", da Lei estadual nº 16.469/2009), por meio do órgão competente para o exercício do controle da legalidade do lançamento, o nome do sócio da CDA.
Em face ao exposto, fixo o entendimento de que:
1. a responsabilidade tributária do sócio se estabelece não pela sua condição de sócio, mas sim pelo fato de exercer função de administração na sociedade e agir com excesso de poder ou contrariamente à lei, contrato social ou estatuto (art. 135, inciso III, CTN). Assim, o sócio sem função de direção na sociedade limitada, não responde pelos débitos tributários desta, não devendo o seu nome ser incluído no lançamento, inscrito em dívida ativa, no SERASA e nem arrolado em CDA, exceto quando demonstrado, em processo regular, que o mesmo tenha exercido administração de fato da sociedade;
2. mesmo havendo dissolução irregular da sociedade, este fato não é motivo para atribuir responsabilidade tributária ao sócio que não possua função de administração na sociedade limitada, exceto quando provado, em processo regular, que este praticou atos de administração (direção de fato);
3. a atuação dos órgãos fazendários estaduais deve se dar em estrita obediência às disposições contidas no art. 37, caput, da CF/1988, bem como observar o disposto no art. 2º, inciso VI, da Lei estadual nº 13.800/2001, que veda a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
Goiânia, 03 de novembro de 2009.
GENER OTAVIANO SILVA
Assessor Tributário
De acordo:
LIDILONE POLIZELI BENTO
Coordenador
De acordo:
CICERO RODRIGUES DA SILVA
Gerente de Políticas Tributárias
Aprovado:
PAULO DE AGUIAR ALMEIDA
Superintendente