Parecer Técnico nº 38 DE 10/08/2015

Norma Estadual - Pará - Publicado no DOE em 10 ago 2015

ASSUNTO: ICMS. RECEBIMENTO DE MERCADORIA COMO PAGAMENTO DE CLIENTES INADIMPLENTES. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO.

FATOS

A requerente é pessoa jurídica de direito privado, com sede neste Estado, e tem como atividade econômica principal o comércio varejista de móveis (CNAE 4754 -7/01), exercendo também de forma secundária o comércio varejista especializado de eletrodomésticos e equipamentos de áudio e vídeo (CNAE 4753-9/00).

Informa a empresa que gostaria de receber de seus clientes inadimplentes, pessoa físicas não contribuintes do ICMS, a título de pagamento de débitos, produtos que fazem parte de suas atividades, esclarecendo ainda que, em alguns casos, os produtos a serem dados em pagamento poderão não ser os mesmos que foram vendidos pela requerente.

PEDIDO

Após o exposto, a requerente:

1.Qual o CFOP para emissão de NF-e de entrada neste caso? (momento em que a empresa receber o produto do cliente que não foi comprado na Catarino & Catarino Ltda.)?

2.Qual o tratamento do ICMS a ser dado na entrada?

3.Quais os demais procedimentos fiscais que a empresa deverá fazer do assunto citado com intuito de atender todas as exigências da SEFA?

LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1996, Código Tributário Nacional (CTN);

Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil (CC);

Lei n.º 6.182, de 30 de dezembro de 1998, que regula os procedimentos administrativo-tributários do Estado do Pará;

Lei n.º 5.530, de 13 de janeiro de 1989, que disciplina o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação-ICMS;

Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (RICMS), aprovado pelo Decreto n.º 4.676, de 18 de junho 2001.

MANIFESTAÇÃO

A Lei nº 6.182/98, que regula os procedimentos administrativo - tributár ios no Estado do Pará, assegura ao sujeito passivo a formulação de consulta sobre a aplicação da legislação tributária, em relação a fato concreto de seu interesse.

A mesma lei impõe ao consulente o atendimento dos requisitos do expediente previstos nos ar tigos 54 e 55 da referida lei de regência, no intuito de garantir o atendimento do pleito na forma de solução às questões provocadas.

A matéria suscitada no expediente em análise não apresenta fato concreto a ensejar a solução em forma de consulta, no formato definido no art. 54 da Lei nº 6.182/98, in verbis:

"Art. 54. É assegurado ao sujeito passivo que tiver legítimo interesse o direito de formular consulta sobre a aplicação da legislação tributária, em relação a fato concreto de seu interesse." (negritamos)

Por oportuno, ressaltamos que o vocábulo fato concreto, demandado pela lei de regência, significa fato jurídico tributário realizado. A consulente descreve operações que ainda pretende realizar. Não apresenta operações realizadas muito menos a forma como tem aplicado a legislação tributária nas mencionadas operações.

Ademais, a matéria objeto da dúvida está literalmente disposta na legislação paraense, motivo por que descaracterizamos o presente expediente, na forma de processo administrativo de consulta tributária, para apenas recepcioná- lo como orientação tributária, logo, sem a produção dos efeitos previstos no art. 805 do Regulamento do ICMS.

Tal hipótese se encontra regulada no art. 806 do Regulamento do ICMS, a seguir:

"Art. 806. Não produzirá os efeitos previstos no artigo anterior a consulta:

I-formulada em desacordo com o previsto neste Regulamento;

[...]

V-sobre fato definido ou declarado em disposição literal de lei;

[...]"

Isso posto, em se considerando a situação um tanto atípica, por assim dizer, trazida a lume requerente, impende fazermos alguns apontamentos preliminares que entendemos pertinentes. Pois senão vejamos:

Aos particulares é reconhecida a liberdade de contratar, desde que o negócio jurídico não contrarie o direito, devendo tal faculdade ser exercida "em razão e nos limites da função social do contrato" (art. 421do CC)

Contudo, não importa ao Fisco a natureza das operações ou atos realizados pelos contribuintes, mas tão somente os respectivos efeitos tributários. Ou seja,havendo a subsunção do fato concreto à hipótese de incidência prevista na lei de regência, ter - se - á ocorrido o fato gerador e, conseqüentemente, devido o imposto. Para tanto, vejamos o que prediz o art. 118, I e II do CTN:

"Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo - se:

I- da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;

II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. "

De fato, parafraseando Roque Antônio Carrazza (ICMS. 3ª edição, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 36): "(...) não é só a compra e venda de mercadorias que abre espaço a esse imposto, senão também a troca, a doação, a dação em pagamento etc. Todas essas 'ope rações' propiciam a circulação jurídica de mercadorias e, em tese, são passíveis de tributação por meio de ICMS".

Logo, o credor ora requerente pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida (CC, art. 356), todavia tal convenção não tem o condão de afastar a incidência tributária, na hipótese de ocorrência do fato gerador, muito menos, se for o caso, de modificar o pólo passivo da relação jurídico - tributária, por força da regra do art. 123 do CTN, in verbis:

"Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes."

Passados os devidos esclarecimentos, e após detida análise do assunto ora trazido à baila, temos tão somente a orientar o seguinte:

1. Conforme dito ao norte, não há óbice para a contribuinte, querendo, receber, como dação em pagamento, mercadorias de cliente inadimplente, pessoa física não contribuinte do imposto ICMS, nem mesmo existe qualquer impedimento na legislação sobre a quantidade de bens a ser entregue pelo devedor. Entretanto, não é demais ressaltar o que dispõe o caput do art. 34 da Lei n.º 5.530/1989, abaixo transcrito:

"Art. 34. Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior."

2. Como é cediço, o contribuinte, exceto produtor agropecuário, emitirá Nota Fiscal sempre que em seu estabelecimento entrarem bens ou mercadorias, real ou simbolicamente, novos ou usados, remetidos aqualquer título por particulares, produtores agropecuários ou pessoas físicas ou jurídicas não obrigados à emissão de documentos fiscais (RICMS, art. 178, I)

3. No caso sob exame, como não se trata de uma compra, os documentos fiscais deverão ser emitidossem destaque de ICMS, uma vez que essa operação não dará direito de crédito para compensação numa futura revenda, situação em que a empresa interessada deverá recolher integralmente o imposto da operação (interna ou interestadual);

4. Também não há que se falar em crédito de ICMS na hipótese de imobilização do bem ao ativo fixo daempresa ou para uso e consumo, pela mesma razão explanada no item 3;

5. Quanto ao Código Fiscal de Operações ou Prestações, tomando em consideração as informaçõesprestadas pela requerente, pode-se utilizar um dos CFOP a seguir: 1.949 ou 2.949- Outra entrada de mercadoria ou prestação de serviço não especificada (Classificam - se neste código as outras entradas de mercadorias ou prestações de serviços que não tenham sido especificadas nos códigos anteriores);

6. Por fim, há de deixar cristalino que a responsabilidade pela escrituração de documentos fiscais é do próprio contribuinte, em observância ao preceito do art. 506 do RICMS - PA, litteris:

"Art. 506. A escrituração dos livros fiscais será feita com base nos documentos relativos às operações ou prestações realizadas pelo contribuinte, sob sua exclusiva responsabilidade e na forma estabelecida neste Regulamento." (negritamos)

7. Ex positis, não é de mais salientar que as orientações ora apresentadas se deram apenas em tese, com base nas informações da requerente, e não têm o condão de impedir a verificação, pela Fiscalização exercida por esta SEFA, da regularidade das operações que porventura foram ou venham a ser realizadas pela contribuinte, considerando que, respeitados os princípios da livre iniciativa e da liberdade de negociar, a Fazenda Pública tem o poder - dever de requalificar os atos praticados pelos contribuintes, conforme preceito constitucional previsto no art. 145, §1º da Lei Maior, cumulado com o parágrafo único do art. 116 e com o art. 149, VII, ambos do CTN, cujos preceptivos se encontram ao sul reproduzidos:

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

"Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

[...]

§1º: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, es pecialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte." Código Tributário Nacional

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador eexistentes os seus efeitos:

I-tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem ascircunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II - tratando - se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

[...]

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

[...]

V

II - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

[...]"

É a nossa manifestação.

Belém (PA), 10 de agosto de 2015.

André Carvalho Silva,Auditor Fiscal de Receitas Estaduais;

UZELINDA MARTINS MOREIRA,

Coordenadora da Célula de Consulta e Orientação Tributária;

Carlos Alberto Martins Queiroz,Diretor de Tributação.

De acordo. Dê- se ciência da decisão.

NILO EMANOEL RENDEIRO DE NORONHA,Secretário de Estado da Fazenda.