Portaria MS nº 2.561 de 28/10/2009

Norma Federal - Publicado no DO em 03 nov 2009

Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Hepatite Viral Crônica B e Coinfecções.

O Ministro de Estado da Saúde, no uso das atribuições que lhe confere o inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e

Considerando a necessidade de atualizar o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Hepatite Viral Crônica B e Coinfecções que contenha critérios de diagnóstico e tratamento, racionalize a dispensação dos medicamentos preconizados, regularmente suas indicações e seus esquemas terapêuticos e estabeleça mecanismos de acompanhamento de uso, possibilitando assim a prescrição segura e eficaz e a avaliação de resultados;

Considerando que este Protocolo tem também por objetivo orientar os profissionais de saúde no diagnóstico e tratamento da hepatite viral crônica B e coinfecções segundo o conhecimento existente e a melhor relação custo-efetividade atual acerca dos agravos; e

Considerando que para proporcionar novas opções ao arsenal terapêutico para o tratamento da hepatite viral crônica B e coinfecções, o Comitê Assessor do Programa Nacional para a Prevenção e o Controle das Hepatites Virais - PNHV analisou as evidências científicas de eficácia, segurança e efetividade dos ensaios clínicos publicadas em revistas indexadas e na literatura,

Resolve:

Art. 1º Aprovar o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Hepatite Viral Crônica B e Coinfecções, na forma do Anexo a esta Portaria.

§ 1º As Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios devem observar o protocolo clínico e as diretrizes terapêuticas, na forma do Anexo a esta Portaria, para os fins de dispensação de medicamentos nele previstos.

§ 2º Os medicamentos incorporados neste Protocolo serão adquiridos e distribuídos pelo Ministério da Saúde, segundo as regras que disciplinam o Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional que integra o bloco de Assistência Farmacêutica.

§ 3º Os fluxos e procedimentos para o diagnóstico e a dispensação dos medicamentos, bem como as demais orientações para implementação, serão regulamentados pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º Fica revogada a Portaria nº 860/SAS, de 4 de novembro de 2002, publicada no Diário Oficial da União nº 214, de 5 de novembro de 2002, Seção 1, página 84.

JOSÉ GOMES TEMPORÃO

ANEXO
PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PARA O TRATAMENTO DA HEPATITE VIRAL CRÔNICA B e COINFECÇÕES

SIGLÁRIO

ADF - Adefovir

ALT - Alanina aminotransferase

ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária

AST - Aspartato aminotransferase

AUC - Área sob a curva

CHC - Carcinoma hepatocelular

DNA - Ácido desoxirribonucleico

ETV - Entecavir

FUNASA - Fundação Nacional de Saúde

INFa - Interferon alfa

LAM, 3TC - Lamivudina

MS - Ministério da Saúde

MUI - Milhões de Unidades Internacionais

OMS - Organização Mundial da Saúde

PCR - Reação em cadeia da polimerase

PEG - Peguilado

PNHV - Programa Nacional para a Prevenção e o Controle de Hepatites Virais

SAS - Secretaria de Atenção à Saúde

SCTIE - Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos

SUS - Sistema Único de Saúde

SVS - Secretaria de Vigilância em Saúde

TDF - Tenofovir

VHB, HBV - Vírus da hepatite viral B

VHC, HCV - Vírus da hepatite viral C

VHD, HDV - Vírus da hepatite viral D

Apresentação

As hepatites virais B e C são um grave problema de saúde pública no Brasil e no mundo. O tratamento, quando indicado, é fundamental para evitar a progressão hepática e suas complicações, como o câncer e a cirrose.

Esta publicação apresenta o novo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite Viral Crônica B e Coinfecções e, também, como anexo, o Protocolo Clínico e as Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite Viral Crônica C.

Ao longo dos anos, os Estados começaram a adotar medicamentos, independentemente da recomendação do Ministério da Saúde, o que levou a uma oferta de terapia diferenciada entre as unidades da federação. Com o lançamento deste novo protocolo e com a compra centralizada de medicamentos, o País vai oferecer a hepatologistas e infectologistas uma ferramenta que possibilitará uma prescrição segura e eficaz.

No âmbito do protocolo clínico da hepatite B e coinfecções, está inserida a incorporação do, tenofovir, entecavir, adefovir, baseada no uso racional do arsenal terapêutico e na melhor relação de custo-efetividade, de forma a garantir o acesso universal ao tratamento no Sistema Único de Saúde.

Além dos novos medicamentos, o documento indica a combinação de drogas para tratar pacientes em casos de resistência viral, além de propiciar o uso racional dos medicamentos - o melhor e mais seguro medicamento ao custo mais baixo. Outra característica importante é a recomendação da abordagem sequencial do tratamento, que preserva alternativas futuras para eventual resistência viral e falha terapêutica.

Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais

Departamento de Vigilância Epidemiológica

Classificação no Código Internacional de Doenças - CID

NESTE PROTOCOLO UTILIZA-SE A CLASSIFICAÇÃO CID - ABAIXO:

Para adefovir, entecavir, lamivudina, tenofovir e interferonalfa:

B18.1 - Hepatite viral crônica B sem agente Delta

Para interferon peguilado:

B18.0 - Hepatite viral crônica B com agente Delta

B 18.1 - Hepatite viral crônica B sem agente Delta associada à B 18.2 - Hepatite viral crônica C

Escore Child-Pugh

O escore de Child-Pugh é calculado somando-se os pontos dos cinco fatores abaixo e varia de 5 a 15. As classes de Child-Pugh são A (escore de 5 a 6), B (7 a 9) ou C (acima de 10). Em geral, a descompensação indica cirrose com um escore de Child-Pugh> 7 (classe B de Child-Pugh), sendo esse nível um critério aceito para inclusão no cadastro do transplante hepático.

Cirrose - Fator de classificação de Child-Pugh 1 ponto 2 pontos 3 pontos 
Bilirrubina sérica umol/L (mg/dL) < 34 (< 2,0) 34-51 (2,0 - 3,0) > 51 (> 3,0) 
Albumina sérica, g/L (g/dL) > 35 (> 3,5) 30-35 (3,0 - 3,5) < 30 (< 3,0) 
Ascite Nenhuma Facilmente controlada Mal controlada 
Distúrbio neurológico Nenhum Mínimo Coma avançado 
Tempo de protrombina (segundos de prolongamento)INR 0 - 4 < 1,74. 6 1,7 - 2,3> 6 > 2,3

Introdução

Este protocolo foi coordenado pelo Departamento de Vigilância Epidemiológica, em conjunto com o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, e elaborado pelo Comitê Técnico Assessor do Programa Nacional para a Prevenção e o Controle das Hepatites Virais - PNHV, instituído pela Portaria nº 94/SVS, de 10 de outubro de 2008.

Realizou-se uma revisão da literatura disponível com o objetivo de levantar as melhores evidências científicas publicadas, o que possibilitou a atualização dos aspectos técnico-científicos referentes ao diagnóstico e tratamento da hepatite crônica por vírus B e coinfecções.

As recomendações deste protocolo foram pesquisadas nas bases de dados do MEDLINE e LILACS, utilizando-se os seguintes descritores: hepatite B, adefovir, entecavir, interferon-peguilado e tenofovir. Além de revisões da literatura, foram selecionados estudos descritivos e randomizados e ensaios clínicos, incluindo estudos nacionais.

Resta apontar que a pesquisa de medicamentos para o tratamento da coinfecção VHB/VHD encontra-se limitada por características epidemiológicas, éticas, culturais, sociais e econômicas. Em consequência, o número de trabalhos publicados é menor e a qualidade dos estudos disponíveis é menos robusta, tendo como base a utilização de opinião de especialistas sem revisão crítica explícita.

Com o intuito de proporcionar novas opções para a ampliação do arsenal terapêutico no tratamento da hepatite viral crônica B, o Comitê Técnico Assessor do PNHV considerou na tomada de decisão, além dos resultados de eficácia, segurança e efetividade dos ensaios clínicos publicados na literatura, o fator custo estabelecido pela esfera federal no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, particularmente na inclusão do tenofovir como antiviral preferencial no manejo da hepatite viral crônica B.

1. Objetivo

Estabelecer diretrizes terapêuticas nacionais e orientar os profissionais de saúde no manejo da hepatite viral crônica B e coinfecções, visando estabelecer uma política baseada nas melhores evidências disponíveis na literatura científica. Adicionalmente, possibilitar a prescrição segura e eficaz, buscando o uso racional do arsenal terapêutico e a melhor relação de custo-efetividade, de forma a garantir a sustentabilidade do acesso universal ao tratamento.

No âmbito deste protocolo está inserida a incorporação do interferon-alfa peguilado, do tenofovir, do entecavir e do adefovir, conforme indicações estabelecidas nos algoritmos descritos neste documento.

As seguintes situações clínicas são abordadas neste protocolo:

1. HBeAg reagente, com ausência de cirrose;

2. HBeAg não reagente, com ausência de cirrose;

3. Cirrose com HBeAg reagente e não reagente;

4. Hepatite viral crônica B em crianças;

5. Coinfecção do vírus da hepatite B com o vírus da hepatite Delta;

6. Coinfecção do vírus da hepatite B com o HIV;

7. Coinfecção do vírus da hepatite B com o vírus da hepatite C.

1.1. Epidemiologia

Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS, a infecção crônica causada pelo vírus da hepatite viral B (VHB) atinge aproximadamente 350 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo a principal causa de cirrose e carcinoma hepatocelular (CHC).

No Brasil, os estudos realizados a partir da década de 90 indicam mudanças na endemicidade da infecção pelo vírus B. Isso se deve, provavelmente, à instituição da vacinação universal contra hepatite B para menores de um ano, em 1998, e a posterior ampliação desta para menores de 20 anos, a partir de 2001.

Essa tendência vem sendo confirmada, mais recentemente, pelo Inquérito Nacional de Soroprevalência das Hepatites A, B e C nas capitais brasileiras, financiado pelo Ministério da Saúde (MS), em parceria com a Universidade Estadual de Pernambuco, a Organização Pan-Americana da Saúde e pesquisadores de Universidades Federais e Estaduais e de secretarias estaduais e municipais da saúde. Resultados preliminares das regiões Nordeste e Centro-Oeste e do Distrito Federal têm identificado uma prevalência de 0,19 a 0,6% do antígeno de superfície do VHB, o HBsAg, na população de 13 a 69 anos.

Ainda há evidências de uma maior prevalência de VHB em populações com menor complexidade urbana, na Amazônia e outros bolsões regionais do interior do Brasil. Além disso, a prevalência da infecção crônica mostra-se importante entre populações asiáticas, que, ao migrarem para o Brasil, perpetuam os mecanismos de transmissão vertical e mantêm elevada a prevalência da infecção. De forma semelhante, populações com maior vulnerabilidade apresentam prevalência de infecção crônica maior do que a da população em geral, alcançando, entre os moradores da cidade de São Paulo, 27,3% entre usuários de drogas, contra 3,3% nos demais habitantes.

A endemicidade da infecção pelo VHB tem importância na determinação do predomínio das formas de transmissão, que pode dar-se por via parenteral (transfusional, antes da instituição da triagem em bancos de sangue; compartilhamento de agulhas, seringas ou outros equipamentos contendo sangue contaminado; procedimentos médico/odontológicos com sangue contaminado, sem esterilização adequada dos instrumentais; realização de tatuagens e colocação de piercings, sem aplicação das normas de biossegurança, veiculando sangue contaminado); sexual (em relações desprotegidas); vertical (sobretudo durante o parto, pela exposição do recém-nascido a sangue ou líquido amniótico e também, mais raramente, por transmissão transplacentária); finalmente, por meio de solução de continuidade (pele e mucosa). Há evidências preliminares que sugerem a possibilidade de transmissão por compartilhamento de: instrumentos de manicure, escovas de dente, lâminas de barbear ou de depilar, canudo de cocaína, cachimbo de crack, entre outros.

Nas áreas de alta endemicidade, predominam, entre as crianças, as formas de transmissão vertical e horizontal do VHB, esta última dada pelo próprio contato familiar continuado com as mães portadoras, nos anos seguintes ao nascimento, ou mesmo com outros portadores dentro do núcleo familiar. Tal fato pôde ser demonstrado em estudos realizados na Amazônia brasileira. Em locais de endemicidade intermediária, a transmissão ocorre em todas as idades, concentrando-se nas crianças de faixas etárias maiores, adolescentes e adultos. Em regiões de baixa endemicidade, adolescentes e adultos são os mais vulneráveis, devido à exposição a sangue ou fluidos corpóreos durante o contato sexual ou o uso indevido de drogas injetáveis.

No Brasil, mesmo com a maior disponibilidade de uma vacina eficaz, de produção nacional autossuficiente, ainda há um expressivo número de portadores que necessitam de adequada assistência, provavelmente devido à exposição ao vírus antes da oferta do imunobiológico.

1.2. Agente etiológico

A hepatite viral crônica B é causada por um vírus DNA pertencente à família dos hepadnaviridae, que apresenta no seu genoma um DNA circular e parcialmente duplicado de aproximadamente 3.200 pares de bases. Existem oito genótipos do VHB, que recebem denominação de A a H, distintos entre si pela sequência de nucleotídeos no genoma, variando quanto à distribuição geográfica. Pequenas variações nos genótipos do antígeno de superfície do vírus B (HBsAg) permitem estabelecer quatro subtipos: adw, ayw, adr e ayr.

Há evidências de que a resposta ao tratamento e a evolução para hepatite crônica variam em função desses genótipos, vez que alguns deles apresentam melhor resposta ao interferon, como o A e o B. Por outro lado, os genótipos C e F estão relacionados a maiores riscos de carcinogênese. Todavia, no momento, os genótipos do VHB ainda não são utilizados na rotina clínica para tomada de decisão terapêutica.

Na China, os genótipos mais comuns são o B e o C; na Europa central, o A; nos países mediterrâneos e na Índia, o D; na África, o E; e nos Estados Unidos, o A e o C. No Brasil há diferenças regionais, com predominância dos genótipos A e F em algumas áreas da região Norte, sendo observada, ainda, a presença do genótipo F, principalmente em populações isoladas. Por outro lado, em populações de áreas urbanas da região Sudeste há franco predomínio dos genótipos A e D. Os mesmos genótipos foram os predominantes no sudoeste do estado do Paraná.

1.3. História natural da doença, marcadores sorológicos e de biologia molecular

A infecção pelo vírus da hepatite viral crônica B pode causar hepatite aguda ou crônica, sendo ambas as formas, habitualmente, oligossintomáticas. Cerca de 30% dos indivíduos adultos apresentam a forma ictérica da doença na fase aguda e essa porcentagem é ainda menor entre crianças. O aparecimento de anti-HBs e o desaparecimento do HBsAg indicam resolução da infecção pelo VHB na maioria dos casos. Em raras situações, a doença pode evoluir para forma crônica na presença desses dois marcadores.

Nos indivíduos adultos expostos exclusivamente ao VHB, a cura espontânea é a regra em cerca de 90% dos casos. A evolução para formas crônicas ocorre em aproximadamente 5 a 10% dos casos em adultos. A cronificação da infecção é definida como persistência do vírus, ou seja, pela presença do HBsAg por mais de seis meses, detectada por meio de testes sorológicos.

Fatores comportamentais e genéticos, características demográficas ou concomitância de algumas substâncias tóxicas aumentam o risco de cirrose e neoplasia primária do fígado nos portadores crônicos do VHB, tais como: consumo de álcool, fumo, gênero masculino, extremos de idade, história familiar de CHC, contato com carcinógenos tais como aflatoxinas. A replicação viral persistente, a presença de cirrose, o genótipo C do VHB, a mutação na região promotora do pré-core e a coinfecção com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e do vírus da hepatite C (VHC) também são fatores que aumentam a probabilidade de evolução para formas graves. Embora a cirrose seja um fator de risco para CHC, 30 a 50% dos casos de CHC associados ao VHB ocorrem na ausência da mesma.

1.4. Fases da doença

A hepatite viral crônica B pode ser dividida em quatro fases:

1ª fase: Imunotolerância

Nessa fase, existe elevada replicação viral, sem evidências de agressão hepatocelular. A denominação de fase de imunotolerância deve-se ao fato de que o sistema imunológico do hospedeiro é induzido a tolerar a replicação viral; por isso, as aminotransferases estão normais ou próximas do normal e há pouca atividade necroinflamatória no fígado. Geralmente, essa fase é mais longa nos indivíduos infectados por transmissão vertical, não havendo indicação de tratamento com as drogas atualmente disponíveis.

2ª fase: Imunoclearance

Nesta fase, esgota-se a tolerância imunológica, diante das tentativas do sistema imune em eliminar o vírus. Em função disso, há agressão dos hepatócitos nos quais ocorre replicação viral, gerando elevação das transaminases. Aos pacientes que apresentam o HBeAg reagente, que traduz replicação viral, indica-se tratamento dentro dos critérios de inclusão descritos neste protocolo.

3ª fase: Portador inativo

A 3ª fase é caracterizada por níveis muito baixos ou indetectáveis de replicação viral, normalização das transaminases e, habitualmente, soroconversão HBeAg/anti-HBe. Nesse caso, o sistema imunológico do hospedeiro impôs-se ao vírus, reprimindo a replicação viral, mas a eliminação do VHB não pode ser realizada pelo fato de o DNA viral se integrar ao núcleo dos hepatócitos do hospedeiro.

Não há indicação de tratamento com as drogas atualmente disponíveis para os pacientes na 3ª fase (portadores inativos), pois estes têm bom prognóstico.

Pode haver escape viral, seja por depressão da atividade imunológica do hospedeiro, seja por mutações que confiram ao VHB a capacidade de escapar da resposta do hospedeiro, passando-se, então, para a 4ª fase (reativação). Esta última situação é particularmente importante e requer determinações seriadas da carga viral, mesmo em pacientes anti-HBe reagentes com transaminases normais, pois estes podem ter carga viral> 104/mL ou 2.000 UI/mL. Portanto, recomendam-se determinações de HBV-DNA quantitativo - carga viral - pelo menos, a cada seis meses.

4ª fase: Reativação

Em seguida à fase do portador inativo, pode haver a reativação viral, com retorno da replicação. Esse fenômeno pode dar-se por imunossupressão no hospedeiro em decorrência de quimioterapia, uso de imunossupressores, etc., ou por mutações virais, permitindo o retorno da replicação pelo escape à vigilância imunológica do hospedeiro. No primeiro caso, geralmente o paciente reverte a soroconversão, tornando-se novamente HBeAg reagente, enquanto que na segunda situação, o paciente continua anti-HBe reagente, caracterizando a mutação pré-core e/ou core-promoter, que decorre da substituição de nucleotídeos nessas regiões, incapacitando a expressão do HBeAg ou levando à sua expressão em níveis muito baixos.

Entre os portadores do VHB que mantêm o HBeAg reagente, aqueles com ALT elevada (> 2 vezes o limite do normal) apresentam uma taxa de soroconversão espontânea (HBeAg/anti-HBe) de 8 a 12% ao ano. Uma taxa bem menor verifica-se em portadores que apresentam ALT normal ou com elevações mínimas, e nos indivíduos imunodeprimidos.

Após o desaparecimento do HBeAg, com ou sem soroconversão HBeAg/anti-HBe, pode seguir-se uma exacerbação do quadro de hepatite, manifestada pela elevação da ALT e mesmo pelo aparecimento de icterícia, quadro que pode se confundir com uma hepatite aguda.

Os seguintes fatores são preditores de maior probabilidade de soroconversão HBeAg/anti-HBe espontânea: idade superior a 40 anos, ALT elevada e genótipo A ou B. Depois da soroconversão HBeAg/anti-HBe, 67 a 80% dos portadores apresentam acentuada redução na carga viral ou mesmo a indetectabilidade desta. Habitualmente, a ALT se normaliza, pois o processo necroinflamatório no fígado é mínimo ou ausente. Tais indivíduos são chamados de portadores inativos. Aproximadamente 4 a 20% deles tornar-se-ão novamente HBeAg reagentes, com replicação viral e exacerbação do quadro de hepatite depois de anos de quiescência. É necessário acompanhamento desses indivíduos para verificar a manutenção da inatividade entre os que sofreram soroconversão, tendo-se tornado, portanto, HBeAg não reagentes/anti-HBe reagentes. Uma proporção mantém níveis de replicação viral, que pode ser observada por exames de biologia molecular para carga viral, ou seja, HBV-DNA e ALT elevado. Tais pacientes tornaram-se portadores de uma variante do VHB que não produz HBeAg, devido a uma mutação nas regiões pré-core ou região promotora do core.

Nos pacientes em que o HBeAg não diferencia aqueles com ou sem replicação significativa, é necessário realizar o teste de carga viral, ou seja, HBV-DNA quantitativo.

Existem vários ensaios disponíveis para quantificar a carga viral do VHB, os quais, de acordo com as informações dos fabricantes, apresentam características baseadas no método de amplificação do DNA viral:

Amplificação dos sinais (branched-DNA-bDNA), cujo método de detecção do produto da amplificação é a quimioluminescência, apresentando os limites de linearidade de 2 x 103 a 1 x 108 cópias/mL;

Amplificação de alvos específicos por PCR, cujo método de detecção do produto da amplificação é o ensaio imunoenzimático (EIA), apresentando limites de linearidade de 2 x 102 a 1 x 105 cópias/mL;

Amplificação de alvos específicos por PCR em tempo real, cujo método de detecção do produto da amplificação é a fluorescência, apresentando limites de linearidade de 1,7 x 102 a 6,4 x 108 cópias/mL.

De acordo com a primeira norma internacional para HBV-DNA (NIBSC Code 97/746)

1 Unidade Internacional (UI) corresponde a 5,26 cópias.

Número de cópias do HBV-DNA/ml = (Valor da UI/mL) x (5,26* cópias/UI)

* O fator de conversão para a amplificação em tempo real é de 5,82 cópias/UI

2. Objetivos do tratamento

O principal objetivo do tratamento é reduzir o risco de progressão da doença hepática e de seus desfechos primários, especificamente cirrose, hepatocarcinoma e, consequentemente, o óbito. Desfechos substitutivos ou intermediários, tais como o nível de HBV-DNA, de enzimas hepáticas e marcadores sorológicos, estão validados e têm sido utilizados como parâmetros para inferir a probabilidade de benefícios da terapêutica a longo prazo, haja vista que a supressão da replicação viral de maneira sustentada e a redução da atividade histológica diminuem o risco de cirrose e de hepatocarcinoma.

Portanto, com o tratamento busca-se a negativação sustentada dos marcadores de replicação viral ativa, HBeAg e carga viral, pois estes traduzem remissão clínica, bioquímica e histológica, conforme recomendado nos respectivos algoritmos descritos neste protocolo. O dano hepático determinando cirrose ocorre em pacientes com replicação ativa do vírus, sendo menor naqueles em que os níveis de HBV-DNA são baixos, apesar da persistência do HBsAg.

2.1. Resultados ou desfechos com a terapia

O resultado ideal desejado após a terapia é a perda sustentada do HBsAg, com ou sem soroconversão para anti-HBs. Isso está associado à completa remissão da atividade da hepatite crônica. Tal resultado dificilmente é obtido e outros desfechos devem ser perseguidos em pacientes HBeAg reagentes e HBeAg não reagentes.

Nos pacientes HBeAg reagentes, a soroconversão para anti-HBe é um desfecho satisfatório, por estar associado a um melhor prognóstico. Nos HBeAg reagentes que não obtêm soroconversão e nos HBeAg não reagentes, a manutenção da supressão do HBV-DNA é o desejável.

Os resultados a serem obtidos nos pacientes HBsAg e HBeAg reagentes são a normalização da ALT, a negativação do HBeAg, a soroconversão para anti-HBe, a negativação ou redução do HBV-DNA abaixo de 104 cópias/mL ou 2.000 UI/mL e, se possível, a negativação do HBsAg com ou sem soroconversão para o anti-HBs.

Para os HBeAg não-reagentes e anti-HBe reagentes - mutação no pré-core/core-promoter - os desfechos são a normalização da ALT, a negativação ou redução do HBV-DNA abaixo de 104 cópias/mL ou 2.000 UI/mL, e se possível, a negativação do HBsAg com ou sem soroconversão para o anti-HBs.

Nos pacientes cirróticos, a redução da carga viral e o desaparecimento do HBeAg, tanto induzido pelo tratamento quanto espontaneamente, associam-se à diminuição no risco de descompensação e à melhora da sobrevida.

Pacientes portadores de hepatite B possuem risco aumentado de doença renal, incluindo nefropatia membranosa, glomerolunefrite e outras doenças associadas a imunocomplexo, como a poliarterite nodosa. Todos os agentes virais são excretados pelos rins e os pacientes que evoluem ou que já são portadores de falência renal devem ter suas doses ajustadas. Os inibidores nucleotídeos da transcriptase reversa (tenofovir e adefovir) devem ser usados com precaução nesses pacientes.

3. Arsenal terapêutico

As opções farmacológicas para o tratamento da hepatite viral crônica B são: interferon-alfa, lamivudina, peg-interferon-alfa 2a e 2b, adefovir, entecavir, telbivudina e tenofovir.

Neste protocolo serão indicados os seguintes fármacos: interferon-alfa, interferon-alfa peguilado, lamivudina, tenofovir, entecavir e adefovir, propostos para o tratamento da hepatite viral crônica B e as coinfecções deste com o vírus Delta, o HIV e o VHC.

As indicações dos fármacos serão descritas a seguir, conforme cada situação clínica e laboratorial. Sobre o adefovir e a lamivudina, recomenda-se a leitura do Anexo I.

Os medicamentos registrados e indicados para o tratamento de crianças estão descritos no Capítulo 5 - Situações especiais.

Os pacientes em lista de espera para transplante devem ser tratados seguindo o protocolo clínico com diretrizes terapêuticas específicas para essa situação, aprovado pelo Ministério da Saúde, ou suas atualizações.

4. Situações clínicas, critérios de indicação de tratamento, recomendações terapêuticas e algoritmos

4.1. Indivíduos virgens de tratamento, com HBeAg reagente, não cirróticos

A dosagem de aminotransferases (ALT e AST) deve ser realizada para orientação do seguimento e para decisão terapêutica: quando a ALT e/ou a AST estiverem normais, está indicado o seu monitoramento a cada três meses. Por outro lado, quando alteradas, indicam a necessidade de iniciar o tratamento.

Em pacientes que apresentem o HBeAg reagente, a carga viral (HBV-DNA) não é critério de definição para início de tratamento, pois há alta probabilidade de o resultado do exame ser superior a 105 cópias/mL ou>2.000 UI/mL, sendo desnecessário, portanto, realizá-lo neste momento.

Em pacientes HBeAg reagente não cirróticos, a biópsia é facultativa, devendo, entretanto, ser recomendada para pacientes maiores de 40 anos, principalmente do sexo masculino, independentemente das aminotransferases.

Critérios de indicação de terapia em indivíduos virgens de tratamento com HBeAg reagente, não cirróticos:

I - Pacientes que apresentem aminotransferases alteradas, independentemente de outros critérios;

II - Pacientes com biópsias que apresentem atividade inflamatória e fibrose = A2 e/ou = F2, independentemente das aminotransferases.

Recomendações terapêuticas

O interferon-alfa foi aprovado nos Estados Unidos, em 1992, para uso em pacientes com hepatite viral B crônica. Seu mecanismo de ação envolve efeitos antivirais, antiproliferativos e imunomoduladores.

Uma metanálise, publicada em 1993, revisou 15 ensaios clínicos randomizados controlados, envolvendo 837 pacientes que receberam interferon-alfa nas doses de 5-10 MUI, administrado tanto diariamente quanto três vezes por semana, durante 4 a 6 meses. Em pacientes HBeAg reagentes, houve negativação do HBeAg em 33% dos casos tratados e em 12% dos controles, enquanto que a negativação do HBsAg ocorreu em 7,8% dos tratados e em 1,8% dos controles. A análise dos dados mostrou que altos níveis de ALT, baixa carga viral, sexo feminino e maiores graus de atividade e fibrose na biópsia hepática correlacionaram-se a uma melhor resposta ao tratamento.

Estudos com seguimento de longo prazo (5-10 anos), realizados na Europa e na América do Norte, demonstraram que entre 95 e 100% dos pacientes que responderam inicialmente ao tratamento permaneceram com HBeAg não reagente durante 5 a 10 anos e entre 30 e 86% tornaram-se negativos para o HBsAg. Por outro lado, estudos realizados em países asiáticos revelaram uma menor taxa de respostas duradouras, com rara negativização do HBsAg.

Quanto ao impacto do tratamento com interferon na história natural da hepatite viral crônica B, as evidências apontam, até o momento, para um benefício nos pacientes tratados, tanto pela prevenção de hepatocarcinoma, demonstrado em estudos de populações asiáticas, quanto pela evolução de doença hepática avançada, como demonstrado em estudos europeus e norte-americanos. Em todos os estudos de seguimento de longo prazo em pacientes tratados com interferon, a ampliação da sobrevida correlacionou-se com a faixa etária mais jovem, ausência de cirrose e resposta positiva ao tratamento: negativação do HBeAg, redução do HBV-DNA e remissão bioquímica.

O tratamento com interferon tem a vantagem de apresentar um período de tratamento definido, apesar de ser realizado por via subcutânea e possuir maior potencial de desenvolvimento de efeitos adversos pelo paciente.

A 1ª escolha para o tratamento deve ser o interferon-alfa, 5 ou 10 MUI diárias, três vezes por semana, por 16 a 24 semanas. Pacientes que não apresentarem soroconversão em 16 semanas (respondedores parciais e não respondedores, conforme descrição abaixo) deverão ter seu tratamento prolongado até as 24 semanas.

Monitoramento durante o tratamento

Os pacientes deverão ser monitorados com leucograma e plaquetas, principalmente nas fases iniciais do tratamento. Os exames mínimos que o paciente deverá realizar durante o tratamento são: 1) hemograma com contagem de plaquetas; 2) ALT/AST a cada 15 dias no primeiro mês, e após, mensalmente. Recomenda-se a determinação da ALT/AST a intervalos que variam de 30 a 60 dias; indica-se, ainda, a avaliação tireoideana (T4 livre e TSH), além de glicemia em jejum a cada três meses. Diante de alterações críticas dentre as descritas acima, o paciente deverá ser encaminhado para um serviço de referência.

Contraindicações ao uso de interferon-alfa:

contagem de plaquetas < 70.000 ou contagem de neutrófilos < 1.500/mm3; pacientes com parâmetros hematológicos iguais ou inferiores deverão ser encaminhados para avaliação em Serviços de Referência;

- cardiopatia grave;

- neoplasias;

- diabetes melittus tipo 1, de difícil controle;

- cirrose hepática descompensada (Child-Pugh B ou C);

- psicose;

- depressão grave; paciente refratário ao tratamento;

- convulsões de difícil controle;

- imunodeficiência primária;

- pacientes transplantados renais;

- gestação (beta-HCG reagente) ou mulheres em idade fértil sem contracepção adequada;

- doenças autoimunes;

- hipersensibilidade conhecida a qualquer um dos componentes da fórmula do interferon-alfa;

- tratamento prévio com interferon-alfa.

Apresentação, esquema terapêutico e tempo de duração

interferon-alfa-2a recombinante: frasco-ampola com 3 MUI, 4 MUI e 9 MUI para uso subcutâneo;

interferon-alfa-2b recombinante: frasco-ampola com 3 MUI, 4,5 MUI, 5 MUI, 9 MUI e 10 MUI para uso subcutâneo;

Nos pacientes HBeAg reagentes, a dose de interferon recomendada é 4,5 ou 5 MUI/dia, durante 16 a 24 semanas, por via subcutânea (SC). Como esquema alternativo, podem-se utilizar 9 ou 10 MUI, 3 vezes por semana, durante o mesmo período e pela mesma via de aplicação (ver algoritmo 4.1).

Recomenda-se prolongar o tratamento até a 24ª semana, caso o paciente não apresente soroconversão (desparecimento do HBeAg e detecção do anti-HBe) em 16 semanas.

Desfechos do tratamento

Os pacientes serão considerados respondedores se apresentarem o desfecho de negativação do HBeAg e soroconversão para o anti-HBe. Após o término do tratamento, devem ser monitorados com exames de ALT/AST a cada seis meses e carga viral anual.

Por sua vez, aqueles que negativarem o HBeAg mas não apresentarem soroconversão anti-HBe serão considerados respondedores parciais. A persistência do HBeAg até o final do tratamento define o paciente não respondedor. Recomenda-se, nesses casos, repetir as sorologias HBeAg e anti-HBe após três meses do término do tratamento; caso tenha ocorrido a soroconversão, o paciente é considerado respondedor sorológico. Na ocorrência de anti-HBe não reagente, independentemente da presença do HBeAg, é indicada a realização do HBV-DNA. Caso o HBV-DNA < 104 cópias/mL ou < 2.000 UI/mL, o paciente deverá ser monitorado com o mesmo exame, a cada seis meses; se HBV-DNA> 104 cópias/mL ou> 2.000 UI/mL, indica-se retratamento com tenofovir. Caso exista contraindicação ao uso de TDF (como presença de insuficiência renal ou comorbidades associadas ao risco de perda da função renal, conforme descrito no algoritmo 4.2), o uso de entecavir deve ser considerado.

Algoritmo 4.1 - Indivíduos virgens de tratamento com HBeAg reagente, não cirróticos

4.2. Indivíduos virgens de tratamento, com HBeAg não reagente, não cirróticos

Em pacientes HBeAg não reagentes e não cirróticos, é recomendada a dosagem de ALT/AST.

a) Aminotransferases normais: recomenda-se monitoramento com aminotransferases e HBV-DNA a cada seis meses.

HBV-DNA < 104 cópias/mL ou < 2.000 UI/mL: não está indicado o tratamento. O paciente deve ser monitorado com aminotransferases e HBV-DNA, a cada seis meses.

HBV-DNA = 104 cópias/mL ou = 2.000 UI/mL: está indicado o tratamento independentemente da realização da biópsia hepática.

Caso seja evidenciada, durante o seguimento, elevação das aminotransferases, considerar o manejo de acordo com o abaixo descrito no item b.

b) Aminotransferases alteradas: solicitar HBV-DNA. Três cenários podem ser encontrados:

HBV-DNA < 103 cópias/mL ou < 200 UI/mL: não há indicação de tratamento. O paciente deve ser monitorado com aminotransferases e HBV-DNA, a cada seis meses.

HBV-DNA = 103 (ou = 200 UI/mL) e < 104 cópias/mL ou < 2.000 UI/mL: considerar, nesses pacientes, a realização da biópsia. Caso o resultado demonstrar atividade inflamatória e fibrose < A2 e/ou < F2, o paciente será monitorado com aminotransferases e HBVDNA, a cada seis meses. Em caso de resultados com atividade inflamatória e/ou fibrose = A2 e/ou = F2, está indicado o tratamento.

HBV-DNA = 104 cópias/mL: está indicado o tratamento, independentemente da realização de biópsia hepática.

Critérios de indicação de tratamento

I - Aminotransferases normais: HBV-DNA = 104 cópias/mL ou = 2.000 UI/mL com biópsia demonstrando atividade inflamatória e/ou fibrose = A2 e/ou = F2;

II - Aminotransferases alteradas: HBV-DNA = 103 (ou = 200 UI/mL) e < 104 cópias/mL ou < 2.000 UI/mL e biópsia demonstrando atividade inflamatória e/ou fibrose = A2 e/ou = F2 ou HBV-DNA = 104 cópias/mL, independentemente da biópsia hepática.

Recomendações terapêuticas - uso do tenofovir

O tenofovir (TDF) é o fármaco mais recentemente aprovado para o tratamento da hepatite viral crônica B, tanto na comunidade européia como nos Estados Unidos. Trata-se de um análogo nucleotídeo que bloqueia a ação da enzima transcriptase reversa, a responsável pela replicação do VHB. Pertence à mesma classe do adefovir (ADF); porém, tem maior potência de inibição da replicação viral e maior rapidez de ação, além de melhor perfil de resistência, por possuir maior barreira genética.

Em pacientes virgens de tratamento, após um ano de terapia com o tenofovir, houve redução de 4 a 6 log10 na carga viral dos pacientes HBeAg reagentes e HBeAg não reagentes, respectivamente. Um estudo randomizado, duplo-cego, em pacientes previamente experimentados com interferon e/ou análogos do nucleosídeo (lamivudina ou emtricitabina), comparando tenofovir com adefovir, demonstrou - em pacientes HBeAg não reagentes - supressão viral em 93% nos que receberam TDF e 63% nos que receberam ADF (p 500 céls/mm3, está recomendado o tratamento com INFa e o monitoramento da soroconversão HBeAg para anti-HBe. Caso ocorra intolerância ao INFa ou ausência de resposta, deve ser considerado o início precoce da TARV, incluindo TDF e LAM como dupla de nucleosídeos (ITRN), associados, preferencialmente, a um inibidor não nucleosídeo da transcriptase reversa (ITRNN), ou a inibidores da protease potencializados com ritonavir (IP/r) conforme as "Recomendações para Terapia Antirretroviral em Adultos Infectados pelo HIV - 2008".

b) Em pacientes HBeAg não reagentes, deve-se realizar o HBV-DNA, que diferencia os indivíduos com HBV-DNA< 2.000 UI/mL ou 104 cópias/mL, a serem monitorados com a carga viral, daqueles com carga viral acima desse nível, candidatos a início mais precoce da TARV, a qual deve incluir o TDF e LAM como dupla de ITRN e um ITRNN, preferencialmente o efavirenz, ou inibidores da protease potencializados com ritonavir (IP/r).

Tabela 1. Tratamento em pacientes assintomáticos coinfectados HIV/VHB e contagem de linfócitos T-CD4+> 500 céls./mm3

Assintomáticos, com LTCD4+> 500 céls./mm31ª escolhaAlternativa 
HBeAg reagente INFa TDF + LAM +ITRNN ou IP/r1 
HBeAg não reagente e HBV-DNA> 2.000 UI/mL ou 104 cópias/mL TDF + LAM + ITRNN ou IP/r 
HBeAg não reagente e HBV-DNA < 2.000 UI/mL ou 104 cópias/mL Monitoramento com HBV-DNA cada 6 meses 

1 Indicado caso o paciente não tolere o INFa ou seja não respondedor (não apresente soroconversão) ao mesmo.

ATENÇÃO: Pacientes respondedores ao INFá que futuramente necessitarem iniciar TARV deverão utilizar a associação de TDF+3TC+EFV ou IP/r.

c.1.2. Coinfectados VHB e HIV com contagem de linfócitos T-CD4+ entre 350 e 500 céls./mm3.

Critérios para indicar o tratamento

a) Pacientes com HBV-DNA> 2.000 UI/mL ou 104 cópias/mL, independentemente do HBeAg, devem iniciar o tratamento e serem monitorados, a fim de avaliar a soroconversão de HBeAg reagente para anti-HBe e a redução de HBV-DNA < 104 cópias/mL no HBeAg reagente e não reagente.

b) Pacientes com HBV-DNA < 2.000 UI/mL ou 104 cópias/mL, independentemente do HBeAg, não têm indicação de tratamento, devendo-se monitorar a carga viral a cada seis meses ou anualmente com HBV-DNA.

Escolha do tratamento

Caso exista indicação de tratamento nessa faixa de contagem de linfócitos T-CD4+ e HBVDNA> 2.000 UI/mL ou 104 cópias/mL, duas condutas podem ser adotadas:

a) Administrar o interferon-alfa, considerando que se deve evitar seu uso em pacientes com cirrose hepática. Essa recomendação pode ser adotada, particularmente, em pacientes com contagem de LT-CD4+ próxima a 500 céls./mm3; ou

b) Iniciar TARV, incluindo TDF e LAM como dupla de nucleosídeos, associados, preferencialmente, ao efavirenz ou a inibidores da protease potencializados com ritonavir (IP/r), conforme as "Recomendações para Terapia Antirretroviral em Adultos Infectados pelo HIV - 2008". Recomenda-se optar pelo início mais precoce de TARV, particularmente quando a contagem linfócitos T-CD4+ estiver próxima a 350 céls./mm3 e/ou em pacientes que desenvolveram cirrose hepática.

Tabela 2. Tratamento em pacientes assintomáticos coinfectados HIV/VHB e contagem de linfócitos T-CD4+ entre 350 e 500 céls./mm3

Assintomáticos, com LT-CD4+ entre 350 e 500 céls./mm3 1ª escolha Comentários 
HBV-DNA> 2.000 UI/mL ou 104 cópias/mL INFa ou TDF + LAM + ITRNN ou IP/r Caso a contagem de LT-CD4+ esteja próxima a 500 céls./mm3, pode-se optar por INFa.Caso a contagem de LT-CD4+ esteja próxima a 350céls./mm3, é maior a vantagem de se optar pelo início de TARV.
HBV-DNA> 2.000 UI/mL ou 104 cópias/mL e presença de cirrose hepática TDF + LAM + ITRNN ou IP/r   
HBV-DNA < 2.000 UI/mL ou 104 cópias/mL Monitorar HBV-DNA   

c.1.3. Coinfectados VHB e HIV com contagem de linfócitos T-CD4+ < 350 céls./mm3

Em pacientes com contagem de linfócitos T-CD4+ < 350 céls./mm3 e virgens de tratamento antirretroviral, deve-se iniciar a TARV incluindo TDF e LAM como dupla de ITRN associados, preferencialmente, ao efavirenz.

Caso o paciente já esteja utilizando TARV, esta deve ser adequada com substituição ou inclusão da dupla de nucleosídeos por TDF + LAM ao esquema, abordagem que deve ser individualizada conforme o histórico de tratamento do paciente, o status virológico e os resultados dos testes de genotipagem para o HIV, caso disponíveis. Em pacientes já em uso de TARV, a definição do esquema deve ser realizada em conjunto com médico experiente no manejo antirretroviral ou médico de referência em genotipagem.

Tabela 3. Tratamento em pacientes assintomáticos coinfectados HIV/VHB e contagem de linfócitos T-CD4+ < 350 céls./mm3

Status clínico-imunológico Tratamento de escolha Comentários 
Assintomáticos, com LT-CD4+ < 350 céls./mm3 e virgens de TARVTDF + LAM + ITRNN ou IP/r 
Assintomáticos, com LT-CD4+ < 350 céls./mm3, experimentados em TARV Substituição ou inclusão da dupla de nucleosídeos por TDF + LAM no esquema antirretroviralEm pacientes experimentados em TARV, a definição do esquema deve ser realizada em conjunto com médico experiente no manejo antirretroviral ou médico de referência em genotipagem. 

Via de regra, na presença de coinfecção VHB/HIV, a terapia antirretroviral deve ser estruturada tendo o tenofovir (TDF) associado à lamivudina (LAM) como dupla de nucleosídeos (ITRN), estando ou não indicado tratar o VHB.

d) Esquema terapêutico, duração do tratamento e monitoramento da coinfecção VHB/HIV interferon-alfa 2a ou 2b, 5 MUI diários, ou 10 MUI em dias alternados, por 16 a 24 semanas;

associação de LAM 150 mg de 12 em 12 horas ou 300 mg dose única ao dia (nos pacientes monoinfectados, a dosagem é de 100 mg ao dia) e TDF 300 mg, 1 vez ao dia.

5.4. Coinfecção do vírus da hepatite crônica B com o vírus da hepatite C

A infecção aguda pelo VHB e VHC pode antecipar o surgimento da antigenemia do HBsAg e diminuir o pico da concentração das aminotransferases, se comparada à hepatite aguda pelo VHB isolado. Entretanto, infecção aguda pelo VHC concomitante ao VHB ou pelo VHC em portador crônico do VHB pode aumentar o risco de hepatite fulminante. Esses pacientes também têm maior risco de desenvolver cirrose e CHC se comparados aos infectados por apenas um dos vírus.

Não existem dados conclusivos na literatura que respaldem uma conduta terapêutica de consenso; todavia, o racional, para pacientes VHC/HBsAg reagentes, é recomendar a determinação do status HBeAg. Em caso de HBeAg reagente, o tratamento para o VHC deve ser o interferon peguilado associado à ribavirina, independentemente do genótipo do VHC, por 48 semanas.

Deve-se proceder ao tratamento da virose predominante, que geralmente é o vírus C, dada a maior adequação desse esquema ao tratamento das duas viroses em relação ao conforto posológico e à menor incidência de efeitos colaterais. Acresce-se a isso o fato de que os pacientes infectados pelo VHC apresentam maiores graus de eventos adversos a altas doses do interferon-alfa, normalmente utilizados para o tratamento do VHB.

Já nos pacientes HBeAg não reagentes, mas com carga viral do HBV-DNA> 10.000 cópias/mL (ou> 2.000 UI/mL), pode-se considerar a adição de um nucleosídeo análogo (lamivudina ou entecavir) ao interferon peguilado + ribavirina. Mesmo concluindo-se as 48 semanas de tratamento com interferon peguilado + ribavirina, o nucleosídeo análogo deverá ser mantido conforme as recomendações para tratamento da hepatite viral crônica B HBeAg não reagente.

ANEXO I
DESCRIÇÃO E CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LAMIVUDINA E DO ADEFOVIR

1. Lamivudina (3TC, LAM)

A lamivudina (3TC) foi o primeiro análogo de nucleosídeo inibidor da transcriptase reversa a ser aprovado para o uso em hepatite viral crônica B. É também o único agente dessa classe a ter sido estudado em ensaios clínicos de longo prazo. Trata-se de um potente inibidor de replicação do VHB que proporciona resposta bioquímica na maioria dos pacientes e soroconversão HBeAg para anti-HBe em parte deles. Estudos-piloto em pacientes com hepatite viral crônica B demonstraram que a terapia com 100mg/dia de lamivudina gera acentuada redução no HBV-DNA, seguida de melhora nos níveis de aminotransferases.

Em ensaios clínicos randomizados controlados com placebo, em pacientes HBeAg reagentes, virgens de tratamento, utilizando-se lamivudina na dosagem de 100mg/dia por um ano, foi demonstrada soroconversão do HBeAg em 16-18% nos casos e 4-6% nos controles. A análise de fatores que se correlacionaram com a negativação do HBeAg mostrou que os níveis baixos de HBV-DNA e níveis elevados de ALT eram os mais importantes preditores da resposta terapêutica. A lamivudina mostrou melhor resultado em monoterapia quando utilizada em pacientes com ALT maior que cinco vezes o limite superior da normalidade. Nos pacientes com níveis de ALT baixos, o efeito da lamivudina foi mínimo. Houve melhora histológica, definida como redução no score necroinflamatório de dois pontos, em 49-56% nos casos e 23-25% nos controles e taxas de soroconversão do HBeAg de 50% após 5 anos de tratamento continuado.

Em pacientes HBeAg não reagentes, muitos estudos demonstraram a supressão do HBV-DNA a níveis indetectáveis. A maioria, aproximadamente 90% tem recaída quando o tratamento é interrompido. Entretanto, a extensão da terapia implica seleção de mutações resistentes à lamivudina.

O tratamento com lamivudina é realizado por via oral e tem poucos efeitos adversos em relação ao interferon.

A lamivudina tem o inconveniente de ser um antiviral com baixa barreira genética, selecionando cepas mutantes YMDD, as quais são capazes de se replicar a despeito do tratamento. Estudos apresentam o desenvolvimento da resistência de 20% após um ano de tratamento, 42% após dois anos e 53% após três anos, chegando a 70% no quarto ano de uso. Apesar disso, alguns pacientes que desenvolvem resistência à lamivudina podem apresentar soroconversão e melhora nos níveis de ALT. Contudo, em um estudo que acompanhou 32 pacientes utilizando lamivudina por períodos prolongados em que houve importante recidiva da replicação viral, observou-se piora dos níveis de ALT em todos eles após 24 meses de acompanhamento. A significância clínica da resistência à lamivudina permanece controversa e não totalmente definida. Vários estudos multicêntricos mostraram que as análises histológicas após 3 anos de tratamento apresentaram melhora na necroinflamação, apesar da resistência ao fármaco. Entretanto, em outros estudos, a redução nos níveis de ALT e a melhora do padrão histológico foram observados apenas em pacientes sem resistência à lamivudina.

A resistência ou não-resposta primária a lamivudina é caracterizada por:

- elevação de = 1 log do nadir obtido;

- manutenção de carga viral elevada após 12 meses de tratamento;

- elevação de ALT sem outra causa que a justifique; ou

- deterioração clínica.

A lamivudina, por apresentar baixa barreira genética e elevado potencial de resistência, não está indicada para uso em monoterapia como fármaco de 1ª escolha, em pacientes virgens de tratamento ou não respondedores ao interferon. Apresenta-se em comprimidos revestidos de 100mg, e sua posologia é de 1 comprimido por dia.

2. Adefovir (ADV)

O adefovir é um análogo nucleotídeo inibidor da transcriptase reversa e da atividade da DNA polimerase. É incorporado ao DNA viral e termina com a extensão da cadeia de DNA pró-viral.

A eficácia do adefovir foi demonstrada no estudo randomizado que utilizou a dose de 10 mg versus placebo por 48 semanas em pacientes HBeAg reagentes. Esse estudo mostrou respostas com melhora histológica em 53% dos pacientes tratados e em 25% dos controles (p