Resolução Normativa SEF/COPAT nº 68 de 28/07/2011
Norma Estadual - Santa Catarina - Publicado no DOE em 03 ago 2011
ICMS. Tratamento tributário diferenciado previsto para as importações realizadas por portos, aeroportos ou pontos de fronteira alfandegados, situados neste Estado não pode ser estendido a importações em que o desembarque físico da mercadoria se dê em portos de outros estados. A legislação federal sobre trânsito aduaneiro não se sobrepõe à legislação tributária do Estado. Não se tratando de matéria de normas gerais, veiculada por lei complementar, a legislação da União não se aplica aos Estados-membros. A competência tributária dos Estados é atribuição da Constituição, o que afasta qualquer subordinação hierárquica entre leis federais e estaduais.
Fundamentação:
Com efeito, o regime especial previsto no art. 10 do Anexo 3 do RICMS está condicionado a que a importação tenha sido realizada por "intermédio de portos, aeroportos ou pontos de fronteira alfandegados, situados neste Estado". O § 1º do mesmo artigo dispõe que o importador deverá obter a liberação da mercadoria por meio eletrônico ou junto às Gerências Regionais, mediante "visto prévio na Guia para Liberação de Mercadoria Estrangeira sem Comprovação do Recolhimento do ICMS - GLME".
O § 2º admite que as mercadorias originárias de países membros ou associados do Mercosul possam entrar no território nacional por outra unidade da Federação, "desde que realizada exclusivamente por via terrestre". A contrario sensu, nos demais casos não é admitido, para a utilização do benefício, que as mercadorias importadas adentrem o território nacional por outra unidade da Federação.
O Programa Pró-Emprego (Lei nº 13.992/2007), por sua vez, também restringe o tratamento tributário diferenciado às importações realizadas "por intermédio de portos, aeroportos ou pontos de fronteira alfandegados, situados neste Estado", excepcionando apenas as mercadorias provenientes do Mercosul, "cuja entrada no território nacional ocorra por outra unidade da Federação, desde que realizada exclusivamente por via terrestre".
A questão discutida envolve as relações entre a União e o Estado-membro. Trata-se de saber se a legislação federal sobre regime aduaneiro - mais particularmente a que trata do trânsito aduaneiro - se sobrepõe à legislação tributária estadual. Para tanto, impõe-se o estudo da própria Federação. Uma das principais teorizações sobre a natureza jurídica do estado federal devemos a Hans Kelsen (Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes; Brasília: UnB, 1990, pg. 309). Leciona este autor:
As normas centrais formam uma ordem jurídica central por meio da qual é constituída uma comunidade jurídica central parcial que abarca todos os indivíduos residentes dentro do Estado federal. Essa comunidade parcial constituída pela ordem jurídica central é a "federação". Ela é parte do Estado federal total, assim como a ordem jurídica central é parte da ordem jurídica total do Estado federal. As normas locais, válidas apenas para partes definidas do território inteiro, formam ordens jurídicas locais por meio das quais são constituídas comunidades jurídicas parciais. Cada comunidade jurídica parcial abrange os indivíduos residentes dentro de um desses territórios parciais. Essas unidades jurídicas parciais são os "Estados componentes". Desse modo, cada indivíduo pertence simultaneamente a um Estado componente e à federação. O Estado federal, a comunidade jurídica total, consiste, assim, na federação, uma comunidade jurídica central, e nos Estados componentes, várias comunidades jurídicas locais. A teoria tradicional identifica, erroneamente, a federação com o Estado federal total.
A teoria da federação, como concebida por Kelsen, teve a mais ampla recepção nos meios jurídicos nacionais, como no magistério de Gilmar Ferreira Mendes (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, pg. 754) de que "se perceba no Estado Federal uma dúplice esfera de poder normativo sobre um mesmo território; sobre um mesmo território e sobre as pessoas que nele se encontram, há a incidência de duas ordens legais: a da União e a do Estado-membro".
Ora, dispõe a Constituição da República (art. 24, I) que "compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito tributário", contudo, acrescenta o § 1º, "a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais". A competência da União, para legislar sobre normas gerais em matéria de legislação tributária, na conformidade do disposto no art. 146, III, deve ser exercida por lei complementar. Entre as matérias que constituem normas gerais de direito tributário, a própria Constituição relaciona a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos nelas discriminados, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência.
Não se tratando de matéria de normas gerais, veiculada por lei complementar, a legislação da União não se aplica aos Estados-membros. Nesse sentido, adverte o lúcido escólio de Roque Antonio Carrazza (Curso de Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 139): "Laboram em erro os que vêem uma relação hierárquica entre o governo central e os governos locais. O que há, na verdade, são, para cada uma destas entidades políticas, campos de ação autônomos e exclusivos, estritamente traçados na Carta Suprema, que lei alguma pode alterar". Ao que acrescenta Sacha Calmon Navarro Coelho (Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 506): "a competência tributária das pessoas políticas que convivem na Federação é atribuição constitucional, dimana da Lei Maior, sede do poder de tributar".
Sala das Sessões, em Florianópolis, 28 de julho de 2011.
Carlos Roberto Molim
Presidente
Marise Beatriz Kempa
Secretária Executiva
João Carlos Von Hohendorf
Membro
Lintney Nazareno da Veiga
Membro