Resposta à Consulta nº 30298 DE 24/09/2024
Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 26 set 2024
ICMS – Incidência – Base de cálculo – Fornecimento de líquido para limpeza a ser utilizado em máquina locada. I. A saída/remessa de bens em virtude de contrato de locação está fora do campo de incidência do ICMS, mas desde que tal contrato não seja desvirtuado para encobrir negócios jurídicos de outra natureza. II. O fornecimento de líquido para limpeza, a ser utilizado em máquina locada, encontra-se sujeito à tributação por ICMS por não ser, em si, objeto de locação. O líquido para limpeza é consumido e exaurido em benefício do locatário da máquina, portanto, em desacordo com as normas civis de locação.
Relato
1. A Consulente, enquadrada no Regime Periódico de Apuração – RPA, que tem como atividade econômica principal a “fabricação de outros produtos químicos não especificados anteriormente” (CNAE 20.99-1/99) e como atividades econômicas secundárias, dentre outras, a “fabricação de máquinas e equipamentos para uso industrial específico não especificados anteriormente, peças e acessórios” (CNAE 28.69-1/00), o “comércio atacadista de produtos de higiene, limpeza e conservação domiciliar” (CNAE 46.49-4/08), o “comércio atacadista de máquinas, aparelhos e equipamentos para uso agropecuário; partes e peças” (CNAE 46.61-3/00), o “comércio atacadista de máquinas e equipamentos para uso industrial; partes e peças” (CNAE 46.63-0/00), o “comércio varejista de produtos saneantes domissanitários” (CNAE 47.89-0/05) e o “aluguel de outras máquinas e equipamentos comerciais e industriais não especificados anteriormente, sem operador” (CNAE 77.39-0/99), todas registradas no Cadastro de Contribuintes do Estado de São Paulo – CADESP, relata que locará “máquina de limpeza” (que funciona como uma lavadora de peças) classificada no código 8424.30.90 da NCM, que será importada e incorporada ao seu ativo imobilizado.
2. Acrescenta que o contrato de locação, que terá a duração de 36 meses, prevê o fornecimento de 200 litros de líquido para limpeza classificado no código 3402.90.90 da NCM, indispensável para o uso desse equipamento, e a manutenção preventiva através do envio de técnico ao estabelecimento do cliente para substituição e reparo de peças eventualmente danificadas, sem qualquer cobrança adicional para o seu cliente pelo fornecimento do líquido, nem pela manutenção periódica desse equipamento com a cessão de um colaborador para substituição ou reparo de peças, quando necessário.
3. Manifesta entendimento de que não ocorrerá a incidência do ICMS sobre a remessa de máquina, objeto da locação, ao seu cliente e questiona: (i) se na remessa do líquido e das peças, eventualmente utilizadas na manutenção, haverá a incidência do imposto? (ii) qual a natureza da operação e o CFOP a ser utilizado? (iii) sobre qual valor incidirá o ICMS, valor da última entrada ou do custo médio da mercadoria?
Interpretação
4. Preliminarmente, cabe esclarecer que, na medida em que não foram trazidas quaisquer informações acerca das peças que eventualmente serão substituídas ou reparadas para manutenção da máquina que será locada, esta resposta se restringirá à análise do líquido para limpeza classificado no código 3402.90.90 da NCM, a ser fornecido pela Consulente e empregado na máquina locada.
5. Ainda em sede preliminar, importante alertar que os tributos – e aqui se tratando do ICMS – não incidem sobre as disposições contratuais em si, mas sim sobre o fato econômico a ele subjacente, sendo os contratos meras qualificações jurídicas do fato dadas pelas partes. Assim, ainda que para fins privados, as partes tenham total liberdade para fixar os termos contratuais que lhes convier, esses termos não se repercutem necessária e automaticamente na esfera tributária. Desse modo, mesmo que as partes tenham acordado de modo diverso (ex.: locação), os tributos não incidem, ipsis litteris, sobre o contrato tal como acordado, mas sim, sobre a materialidade do fato econômico subjacente ao contrato e efetivamente praticado.
5.1. Explica-se melhor. O Direito Tributário não se serve de condutas sociais puras, mas tampouco está adstrito ao pactuado em contrato. Com efeito, a incidência tributária visa buscar o fato econômico subjacente ao contrato, o qual, em regra, se revela na qualificação jurídica disposta contratualmente pelas partes. No entanto, essa qualificação pode se mostrar precária em relação a terceiros, em especial, em relação ao Fisco, sobretudo quando o fato econômico não corresponde à qualificação contratual dada pelas partes. Portanto, ao não juridicizar condutas sociais puras, o Direito Tributário se serve de situações previamente normatizadas pelo Direito Privado, mas incide sobre atos, fatos e negócios jurídicos efetivamente realizados pelo contribuinte. Assim, ao procedimento fiscalizatório, cabe a persecução da verdade material subjacente às disposições privadas, isso é, cabe ao Fisco a persecução dos fatos jurídicos que efetivamente tenham ocorridoinconcreto. E, nesse contexto, recorda-se que, de acordo com o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, a autoridade fiscal tem competência para desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.
5.2. Dessa maneira, tendo praticado uma efetiva operação de circulação de mercadoria, não pode o particular, por mera convenção entre as partes, subverter o negócio jurídico ao de locação, ainda que, por conta das disposições contratuais, não seja possível mensurar com exatidão o valor segregado do negócio jurídico de circulação de mercadoria. Caso isso ocorra (subversão contratual), caberá a desconsideração do negócio jurídico por parte das autoridades fiscais a fim de que seja adequada a tributação de acordo com a natureza do negócio efetivamente ocorrido.
6. Sendo assim, ainda que a saída/remessa de bens em virtude de contrato de locação esteja fora do campo de incidência do ICMS (conforme inciso IX do artigo 7º do Regulamento do ICMS (RICMS/2000), o contrato de locação não pode ser desvirtuado para encobrir negócios jurídicos de outra natureza, a exemplo de compra e venda, ao que caberia, nesse caso, a desconsideração do negócio jurídico por parte das autoridades fiscais.
7. Nesse contexto, salienta-se que, em que pese o fornecimento do líquido para limpeza estar envolto à locação de equipamento, temos negócios jurídicos essencialmente distintos, cada qual com seu devido tratamento tributário. Com efeito, embora o equipamento principal possa estar locado, o fornecimento de líquido para limpeza não se confunde com o negócio jurídico de locação, estando em total desacordo com as normas civis acerca desse negócio jurídico (artigos 565 a 578 do Código Civil).
8. Nesse sentido, destaca-se que o líquido para limpeza, uma vez utilizado, sequer retornará em condição de uso ao estabelecimento do locador (afastando de plano a não incidência do artigo 7º, inciso IX, do RICMS/SP), de modo que são consumidos e exauridos em benefício do locatário do equipamento.Portanto, é ele, locatário, que arcará com os custos do consumo do líquido para limpeza – ainda que esses custos estejam inclusos no valor de um contrato que as partes tenham qualificado como locação (mas que, ao fim, no que tange ao líquido para limpeza, enquadra-se muito mais como compra e venda envolto em um contrato de locação).
9. Desse modo, a remessa de líquido para limpeza se enquadra como efetiva circulação de mercadoria, sujeita às regras gerais do ICMS, ainda que eventual modelo negocial adotado torne impossível a perfeita mensuração do valor da operação dessa mercadoria.
10. A respeito da indeterminação do valor da operação, explica-se. Numa operação isolada de circulação de mercadoria (ex.: alienação de mercadoria) o preço pactuado entre partes independentes é indício razoável do real valor da operação (preço da mercadoria alienada), ou seja, da efetiva mensuração do fato econômico subjacente ao contrato, e, portanto, será esse o valor da operação considerado para fins da base de cálculo do ICMS nos termos do artigo 37, inciso I, do RICMS/2000.
10.1. Entretanto, na medida em a remuneração pelo fornecimento do líquido para limpeza está incluído no valor a ser recebido em virtude da locação da máquina de limpeza, não há como se mensurar com a necessária independência o efetivo valor da locação e o efetivo valor do líquido fornecido. Assim, na ausência ou impossibilidade de mensuração do valor da operação, recorda-se que o artigo 38 do RICMS/2000 determina os critérios para definição da base de cálculo.
10.2. No entanto, para o caso em questão, embora faltem elementos para uma resposta conclusiva, cabe alertar que aparentemente há valor de operação plenamente mensurável e fidedigno para a saída do líquido de limpeza, visto que a Consulente também exerce como atividade econômica o comércio de produtos de limpeza, o que pressupõe, de antemão, que o líquido é objeto de mercancia usual pela Consulente.
11. Desse modo, a remessa do líquido de limpeza configura efetiva circulação de mercadoria, sujeita às regras gerais do ICMS, devendo ser observadas as obrigações acessórias relacionadas com essas operações. Nesse viés, a Consulente deverá consignar o CFOP relacionado ao grupo próprio das operações de vendas de produção própria ou de terceiros (5.1xx / 6.1xx).
12. Com isso, dá-se por respondidos os questionamentos apresentados.
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.