Resposta à Consulta CT nº 561 de 10/11/2001
Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 10 out 2001
Transmissão de propriedade de bens e mercadorias - Integralização de capital em outra sociedade - Versão parcial do patrimônio do estabelecimento - Empresa nova situada no mesmo prédio - Incidência do ICMS - Necessidade da emissão de Notas Fiscais.
1. A Consulente, indústria química e farmacêutica, informa que também "importa e comercializa mercadorias e aparelhos da linha diagnostica, utilizadas em laboratórios clínicos e hospitalares para exames laboratoriais", e que, atualmente, no seu estabelecimento são desenvolvidas três atividades distintas: "Vitaminas, Diagnostica e Farmacêutica".
1.1. Registra que em 13.06.2001, a atividade de "Vitaminas" constituiu uma nova empresa, conforme contrato social registrado na Junta Comercial do Estado de São Paulo anexado à consulta. "As atividades dessa nova empresa, com início previsto para 01.10.2001, continuarão sendo exercidas na mesma planta da Consulente, com inscrições próprias emitidas pelos respectivos órgãos públicos." O capital social dessa nova empresa é formado pela participação da Consulente e de uma outra empresa do mesmo grupo.
1.2. Informa, ainda, que brevemente "efetuará uma capitalização, mediante aumento no Capital Social dessa nova empresa, através de acervo líquido referente às operações da atividade de Vitaminas, com base em valores contábeis, constituído pela diferença entre os Direitos (Estoque de Mercadorias + Ativo Imobilizado) e as Obrigações (Passivo Circulante)".
1.3. Entende que, com relação aos "Direitos mencionados", por ocasião da transferência de mercadorias e de bens do ativo imobilizado para integralização no Capital Social dessa nova empresa "não haverá a ocorrência do fato gerador do ICMS, uma vez que não ocorrerá circulação de mercadorias em decorrência de alteração meramente escritural, com base em contrato escrito".
1.4. Cita a Resposta à Consulta nº 280/1994 transcrevendo trechos que embasam o direcionamento de seu entendimento e, a respeito da transferência de titularidade em exame, assinala:
"art. 204, do RICMS-SP, veda a emissão de nota fiscal que não corresponda a saída ou entrada de mercadoria."
"art. 2º, inciso I, desse mesmo diploma legal, estabelece que ocorrerá o fato gerador do ICMS, 'na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular'."
1.5.Por fim, com base nessas disposições, pergunta:
a) Está correto o entendimento de que não haverá necessidade de emissão de nota fiscal e nem incidência do ICMS na referida transferência, uma vez que não ocorrerá circulação física de mercadorias e de bens do ativo imobilizado, pois essa transferência "se processará simplesmente por contrato escrito, fato esse não previsto no RICMS"?
b) Em caso contrário, havendo necessidade de emissão de nota fiscal, poderá "emitir uma única nota fiscal com base em listagem, onde estarão relacionadas todas as mercadorias e bens do ativo imobilizado a serem transferidos para a nova empresa? Qual o preço que deverá ser destacado? Qual será a base de cálculo do imposto, código fiscal e natureza da operação?"
2. Em princípio os negócios jurídicos que envolvem transformação na natureza e na forma de sociedades não estão diretamente afetos às questões tributárias pertinentes ao ICMS, pois cuidam de questões civis, ligadas ao patrimônio social e não à circulação de mercadorias. Por se tratar, contudo, de livre acordo de vontades entre os pactuantes, que dispõem do patrimônio social conforme seu melhor interesse, embora dentro dos limites que a lei lhes permita, não se pode ter assegurado que em todas as situações em que o patrimônio, integral ou parcialmente, passa de uma para outra empresa, nova ou preexistente, não haja situação que configure hipótese de incidência do imposto estadual sobre circulação de mercadorias.
3. Dessa forma, tendo em vista a complexidade que envolve o assunto e dada a objetividade que deve orientar a análise da presente consulta, a resposta se deterá apenas nos aspectos que envolvem a transmissão de parcela do patrimônio da Consulente para nova empresa.
4. As boas técnicas contábeis e administrativas lecionam que, ao se desmembrar determinada área de atividade de uma empresa, dando origem a outra, o melhor critério é "alocar à nova empresa os ativos e passivos ligados à operação que está sendo transferida, de forma que cada uma permaneça, após a cisão, com os ativos e passivos correspondentes, como se já existisse uma contabilidade divisional, segregando tais ativos e passivos, bem como os resultados e a posição patrimonial por operação". No entanto, esse procedimento está sujeito à conveniência dos acionistas e às negociações entre eles, nada impedindo que os elementos do ativo e do passivo sejam atribuídos de maneira diversa (Sérgio de Iudícibus e outros, in Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações - Aplicável Também às Demais Sociedades, Editora Atlas, 1992, 3ª ed., páginas 755 e 756).
5. Desmembrado parte de um estabelecimento para criação e destinação à empresa nova, esta deverá proceder, de direito e de fato, como quem inicia a atividade econômica, inclusive quanto à inscrição junto aos órgãos competentes e à escrituração dos livros pertinentes (vide a Portaria CAT nº 92/1998, artigos 6º, § 1º, e 15 do Anexo III, acrescentado pela Portaria CAT nº 38/2000).
5.1. Conforme relatado pela Consulente, a nova empresa já se encontra constituída, registrada na JUCESP, e deverá ter inscrições próprias emitidas pelos órgãos públicos competentes (subitens 1.1 e 1.2 desta resposta).
5.2. Trata-se, portanto, de hipótese característica da chamada falsa cisão, "também chamada de cisão parcial ou fusão parcial, em que uma sociedade transfere uma parcela do seu ativo ou patrimônio para outra, permanecendo com uma parcela do patrimônio que não foi vertido" (Paulo G. Bandeira da Cruz, in Cisão de Sociedades no Direito Tributário - Edição Saraiva, 1981, pág. 2).
5.3. Vale registrar, ainda, que não se trata da hipótese prevista no inciso VI do art. 3º da Lei Complementar nº 87/1996, pois não ocorre a transferência de um estabelecimento completo, como leciona Heleno Tôrres no livro Direito Tributário Internacional - Planejamento Tributário e Operações Transnacionais (Editora Revista dos Tribunais - São Paulo, 2001, páginas 496 a 498).
6. Se a alocação dos bens, direitos e deveres entre os pactuantes é um negócio jurídico, em regra, com objetivos estritamente econômicos, e que, necessariamente, não precisa obedecer esta ou aquela forma predeterminada, resultando apenas do acordo de vontade entre as partes, as escritas fiscais das sociedades cindida e novel devem revestir-se de necessária transparência tributária permitindo a identificação, principalmente, das mercadorias saídas de um e entradas no outro estabelecimento, bem como para apuração dos respectivos saldos do ICMS (débitos e créditos).
7. Não existe impedimento nas regras civis e comerciais para que, em decorrência do acordo de vontades entre os sócios das respectivas empresas, o estabelecimento original, que tenha parte de seu patrimônio desmembrado, mantenha toda ou boa parcela dos créditos do imposto referentes à atividade cindida ou que, ao contrário, transfira maior parcela de tais créditos do que o proporcional ao patrimônio transferido. O mesmo raciocínio vale para os débitos do imposto já contabilizados. Para isso, basta que haja compensação com outras contas do passivo ou do ativo, conforme for o caso, para que o balanço patrimonial se mantenha equilibrado.
8. Frise-se que esta hipótese só é aplicável quando há o desmembramento de parcela do estabelecimento, por cisão parcial ou total, porque quando o estabelecimento é transferido na sua integridade não há, em tese, possibilidade de se realocar créditos e débitos do imposto nesta ou naquela empresa conforme acordo de vontades entre as partes, pois a escrita contábil e fiscal do estabelecimento também se mantêm integralmente (histórico).
9. No caso relatado pela Consulente, embora não ocorra o deslocamento físico, haverá a saída das mercadorias e bens do ativo imobilizado que serão apartados (saídos, retirados) do estabelecimento original para ingressarem (serem admitidos) no novo estabelecimento.
10. Vale lembrar que o ICMS tem como um dos critérios temporais de sua hipótese de incidência a "saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular" (artigo 2º, inciso I, da Lei nº 6.374/1989 e suas alterações). O verbo sair, entre outras inúmeras acepções, significa "cessar de fazer parte" e "mudar de estado ou posição" (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1ª ed., 1975).
11. No caso analisado, típico da chamada "falsa cisão", ocorre o deslocamento do estabelecimento original que, embora recue para que novo estabelecimento possa surgir, não desaparece sob outro ou na composição de um terceiro estabelecimento. Assim, de fato e de direito ocorre a movimentação de mercadorias e bens que deixam de se abrigar sob o estabelecimento original e passam ao abrigo do novo estabelecimento.
12. Esse movimento necessário, fotografado pelos balanços patrimoniais de ambos os estabelecimentos (velho e novo), têm implicações tributárias, não apenas quanto à incidência do imposto, mas, também, no que se refere à correta escrituração dos livros fiscais.
13. Nesse sentido, registre-se, ainda, não ser aplicável à situação ora tratada, "falsa cisão", as disposições do art. 232 do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 45490/2000. Não é possível ao titular do novo estabelecimento transferir para o seu nome os livros fiscais em uso pelo estabelecimento original, cabendo a este último fazer os lançamentos nos respectivos livros, referentes às mercadorias e demais bens apartados, conservando-os pelo período legal.
14. Vale ressaltar que os simples registros em contas patrimoniais, mesmo que embasados por contratos escritos de qualquer natureza, não têm o condão de transmitir direitos ou obrigações tributárias, pois estes devem ser apurados por meio de escrituração fiscal, na forma prevista pelos arts. 213 e seguintes do RICMS/2000.
15. Assim, no caso específico relatado pela Consulente, as mercadorias e bens do ativo imobilizado, apartados do patrimônio de seu estabelecimento em favor da nova empresa, devem ser objeto de emissão de Notas Fiscais referentes à respectiva saída, com o destaque do imposto quando devido. Esses documentos deverão ser lançados no livro Registro de Saídas e comporão os lançamentos do Livro Registro de Apuração do ICMS (RAICMS) - artigos 215 e 223 do RICMS/2000.
16. Por sua vez, em contrapartida, esses documentos fiscais serão lançados no livro Registro de Entradas do novo estabelecimento, permitindo que o imposto ali destacado possa ser aproveitado a título de crédito para fim de apuração do ICMS.
17. Respondendo objetivamente às questões apresentadas (subitem 1.5 desta resposta), tem- se que:
a) O entendimento exposto pela Consulente não está correto. A transmissão de propriedade de mercadorias e bens do ativo para a empresa nova caracteriza fato gerador do ICMS e deve ser efetuada mediante emissão das respectivas Notas Fiscais.
b) A Consulente poderá emitir uma única Nota Fiscal referente à transmissão das mercadorias desde que observe às disposições do art. 127, em especial quanto as indicações exigidas pelo seu inciso IV (quadro "Dados do Produto") que, contudo, podem ser dispensadas se constarem de romaneio emitido na forma do § 9º do citado artigo (RICMS/2000).
b.1) As saídas dos bens do ativo imobilizado deverão ser objeto de emissão de Notas Fiscais próprias, nas quais se consignará tratar-se de operações não sujeitas à incidência do ICMS (artigo 7º, inciso XIV, do RICMS/2000), cabendo à Consulente, ainda, observar as regras de vedação e estorno de crédito pertinentes (artigos 66 e 67 do RICMS/2000).
b.2) Em regra, a base de cálculo do imposto na saída de mercadorias ou bens é o valor da operação - valor do negócio/preço ajustado (artigo 37, inciso I, combinado com o § 1º, do RICMS/2000). Na eventual falta desse valor, a Consulente deverá observar as disposições do art. 38 do RICMS/2000.
b.3) Os Códigos Fiscais de Operações e Prestações (CFOPs) a serem adotados para essas transmissões serão: o 5.11 ou 5.12 para as mercadorias e o 5.91 para os bens do ativo permanente (Tabela I do Anexo V do Livro VI do RICMS/2000). Como natureza das operações a Consulente poderá consignar que se trata de saída em decorrência de transmissão de propriedade de mercadorias/ativo permanente (integralização de capital), ou outro termo que entenda adequado à descrição da situação.
Elaise Ellen Leopoldi,
Consultora Tributária.
De acordo.
Cirineu do Nascimento Rodrigues,
Diretor da Consultoria Tributária.