Resposta à Consulta nº 769 DE 03/04/2002
Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 03 abr 2002
Energia Elétrica - Transmissão de energia elétrica - Trata-se de circulação de mercadoria, e não de serviço de transporte - Considerações sobre a ocorrência do fato gerador e sobre o diferimento do lançamento.
CONSULTA N° 769, DE 03 DE ABRIL DE 2002.
Energia Elétrica - Transmissão de energia elétrica - Trata-se de circulação de mercadoria, e não de serviço de transporte - Considerações sobre a ocorrência do fato gerador e sobre o diferimento do lançamento.
1. A Consulente é empresa concessionária do serviço público de transmissão de energia elétrica, contratada pelo poder concedente para implantar, manter e operar instalações de transmissão totalmente localizadas no Estado de São Paulo.
2. Segundo entende, a transmissão de energia elétrica se enquadra no conceito de prestação de serviço de transporte de mercadorias e o ICMS relativo a essa atividade fica diferido para o momento em que ocorrer a entrega da energia elétrica ao consumidor, por força do disposto no art. 425 do RICMS/00.
3. Informa ter adotado, provisoriamente, o seguinte entendimento, sobre o qual pede confirmação:
"(i) aos serviços de transmissão de energia elétrica será conferido o mesmo regime tributário de ICMS conferido genericamente às operações com energia elétrica, nos termos do artigo 425 do RICMS, o que significa dizer que o ICMS incidente sobre tais serviços será considerado diferido para o momento em que a energia elétrica for entregue ao consumidor final;
(ii) a Consulente emitirá Nota Fiscal-Fatura em cujo corpo descreverá: serviço público de transmissão de energia elétrica, nos termos do Contrato de Concessão n.º. ... (artigo 425 do RICMS); será também mencionado o valor cobrado do beneficiário;
(iii) a Consulente não fará destaque de ICMS sempre que o beneficiário for empresa prestadora de geração/transmissão/distribuição de energia elétrica."
4. Antes de verificar o sentido e o alcance da lei tributária, é constatável que, nos meios técnicos, se costuma dizer que transmissão de energia elétrica é transporte, porque trata-se da transferência da energia até locais próximos do consumo, por meio de linhas de transmissão, para ser distribuída.
5. Determina a Constituição Federal de 1988, em seu art. 155, inc. II, que os Estados têm competência para instituir imposto sobre circulação de mercadorias. A consideração de que energia é mercadoria fica implícita quando, no inc. X, "b", do § 2º do mesmo artigo, a competência estadual é limitada pela imunidade nas operações interestaduais com energia elétrica. A norma destaca a imunidade nessas operações porque normalmente elas seriam tributadas, pois energia em operação comercial é mercadoria.
6. Senão por razões mais diretas, ao menos em respeito à igualdade tributária, todo e qualquer fornecimento de energia, e não apenas a energia elétrica, que é apenas uma das formas de energia, eqüivale a uma circulação de mercadoria. Quanto à energia elétrica, disse o STJ que "é produzida para ser alienada (operação de mercancia), sem impeço para ser identificada como mercadoria, conceituação privada, admitida pela lei tributária" (REsp 38344/PR, 1ª turma, DJ de 31/10/94).
7. Não é simples conceituar "mercadoria". Os grandes comercialistas, como Vivante, desenvolveram complicadas considerações a respeito dos atos de comércio, objetivos e subjetivos, e das pessoas dos comerciantes, envolvendo aí o conceito de mercadoria, mas não uma definição. Pois "mercadoria" não eqüivale simplesmente a "bem móvel", como se costuma dizer, mas pode abranger qualquer coisa que esteja no mercado, que seja tratado por agentes econômicos com a finalidade de levar ao consumo bens quaisquer, exceto serviços de qualquer natureza (arts. 155, II, e 156, II, da Constituição Federal), sendo tributadas operações com elas realizados, pela manifestação de capacidade contributiva. Assim é com a energia, com medicamentos, com programas para computador, etc. De qualquer maneira, cabem algumas colocações introdutórias sobre o assunto.
8. O Código Comercial Brasileiro, de 1850, uma época em que não havia energia elétrica, não conceitua "mercadoria". Mas considera, em seu art. 191, como mercantil a compra e venda de efeitos móveis, compreendendo-se nessa classe a moeda metálica, o papel-moeda, títulos de fundos públicos, ações de companhias e papéis de crédito comerciais, contanto que o comprador ou o vendedor seja comerciante.
9. Para Vivante, "de um modo geral pode considerar-se mercadoria tudo quanto constitui objeto da atividade comercial, tanto os móveis como os imóveis, tanto as coisas como os serviços. Mas esta palavra costuma empregar-se num sentido mais restrito para indicar os produtos da indústria agrícola e manufactora, em contraposição aos títulos de crédito, que, contrariamente às mercadorias, não contêm em si o próprio valor" (Instituições de Direito Comercial, 3ª ed., trad. J. Alves de Sá, São Paulo: Livraria C. Teixeira & Cia, item 57).
10. Também Valdemar Ferreira conceitua "mercadoria" em torno da atividade comercial. "Mercadorias são, em geral, as coisas que se mercadejam, panos ou tecidos, secos e molhados, ferragens, ou drogas". Posiciona-se o autor por essa acepção lata, invocando os arts. 200 e 10, inc. IV, do Código Comercial Brasileiro (Tratado de Direito Comercial, 6º volume, São Paulo: Saraiva, 1962, item 1.277).
11. Como explica J. X. Carvalho de Mendonça "as mercadorias, passando por diversos intermediários no seu percurso entre os produtores e os consumidores ... constituem objeto de variados e sucessivos contratos (compra e venda, comissão ou consignação, conta- corrente, transporte, depósito, penhor etc.). Na cadeia dessas transações dá-se uma série contínua de transferências de propriedade ou posse das mercadorias" (Tratado de Direito Comercial Brasileiro, 4ª ed., vol. V, livro III, parte I, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1946, item 81).
12. Mas a expressão "circulação de mercadorias" que, segundo Vivante, significa "a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra", podendo ocorrer "pela sua entrega real" como também "pela entrega das chaves do armazém onde elas se acham" ou mesmo através de "títulos que a representem" (op. cit., item 58) adquire um significado específico no âmbito jurídico-tributário do ordenamento pátrio.
13. O Princípio da Não-Cumulatividade faz do ICMS, não obstante suas exceções, um imposto da espécie "sobre o valor agregado", ainda que sem a abrangência material normalmente dada aos impostos de valor agregado ao redor do mundo, cada um com suas especificidades.
14. E impostos sobre o valor agregado são considerados, na ciência jurídica, como impostos sobre o consumo - razão pela qual são tributados o "software" de prateleira, o fornecimento de refeições e de energia, todos em "operações de circulação de mercadorias".
15. Pois bem, a transmissão de energia elétrica tem características que precisam ser examinadas para confrontação com as do serviço de transporte de mercadorias.
16. Quanto ao transporte de mercadorias, disse J. X. Carvalho de Mendonça: "O transporte nenhuma influência exerce sobre a condição jurídica das mercadorias, e sobre os direitos reais de propriedade, gozo ou garantia que possam existir relativamente a terceiros. O contrato de transporte é negócio econômico e jurídico de caráter transeunte e precário. A empresa de transporte não pode investigar se as mercadorias pertencem ao remetente; cumpre-lhe entregá-las a destinatário no lugar por aquele designado sem atender a qualquer oposição." (op. cit., vol. VI, livro IV, parte II, item 1.101).
17. Sem voltarmos às considerações sobre "mercadoria", sabemos que são transportáveis os bens móveis, os valores e as pessoas, pois esses têm uma posição macroscopicamente definida no espaço, num determinado momento. À mudança de posição no espaço corresponde movimentação; à movimentação através de meios diversos - ou seja, pelo porte- através-de (trans = através) - corresponde o transporte.
18. Uma Empresa Transmissora de Energia Elétrica, no sistema desverticalizado que resultou das reformas administrativas da década de 1990, coloca-se entre a Empresa Geradora e a Distribuidora, ou a Comercializadora, ou o consumidor livre, situados em praticamente qualquer lugar do Brasil, basicamente elevando a tensão ao nível de transmissão, nas subestações, transmitindo a energia elétrica em alta tensão e reduzindo a tensão para níveis próximos do de consumo, geralmente entregando-as para as linhas de distribuição de outra Empresa. E, o que é especialmente importante, geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica acontecem praticamente no mesmo momento.
19. A atividade da empresa de transmissão de energia elétrica modifica esse produto qualitativa e quantitativamente. A energia elétrica é gerada, por motivos técnicos, em baixa tensão. Para a transmissão, é necessário elevá-la por meio de transformadores, diminuindo proporcionalmente a corrente. Também por questões técnicas e econômicas, às vezes faz-se a transmissão em corrente contínua. Nesses casos, como a energia é gerada em corrente alternada, ela deve ser retificada. Na recepção, a tensão, que deve ser alternada, o que pode exigir nova conversão, é reduzida e ajustada ao nível do sistema. Então, a tensão é elevada, baixada e retificada e há sempre perdas técnicas. E a transmissão de energia elétrica é intrinsecamente dependente do que, num mesmo momento, estiver ocorrendo com a geração, a distribuição e com o consumo, pois são atividades, por assim dizer, "simultâneas". Não se constitui de atos independentes da empresa transmissora.
20. Ora, nada se pode dizer sobre direitos reais da energia transmitida, pois tudo o que se sabe a cada momento é que há uma malha elétrica, onde, além das questões acima, segundo as duas Leis de Kirchhoff (teoria dos circuitos elétricos, conseqüência da conservação da carga e da conservação da energia) não se pode determinar qual ponto de consumo recebe que energia gerada ou transmitida por qual gerador ou transmissor.
21. Ou seja, por tudo o que foi dito sobre a natureza da energia elétrica, de sua transmissão e do sistema elétrico brasileiro, de maneira alguma pode-se dizer que esse "transporte" "nenhuma influência exerce sobre a condição jurídica das mercadorias, e sobre os direitos reais de propriedade, gozo ou garantia que possam existir relativamente a terceiros." (Carvalho de Mendonça).
22. Pode-se aprofundar mais no assunto. A empresa concessionária do serviço público de transmissão de energia elétrica presta serviços ao sistema interligado, por meio do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), pois a esse compete executar as atividades de "coordenação e controle da operação da geração e da transmissão de energia nos sistemas interligados", inclusive com a atribuição da "contratação e administração de serviços de transmissão de energia elétrica e serviços ancilares" (art. 13, caput, e parágrafo único, "d", da Lei nº. 9.648/98).
23. Ao fluxo financeiro dos usuários da rede básica para as empresas transmissoras normalmente não corresponde uma prestação pessoal destas para com aqueles de entregar determinada energia adquirida das geradoras. Se um distribuidor de energia, ou um consumidor livre, contrata a compra de energia elétrica de um determinado gerador, então, pelas características do Sistema Elétrico Brasileiro, não se pode dizer que aquele gerador é quem vai realmente gerar a energia e quanto será transportado por qual determinada linha de transmissão. É o Operador Nacional do Sistema quem determina o que vai fisicamente ocorrer e quem vai assegurar ao comprador a energia contratada.
24. Não há, portanto, "contrato de transporte", "negócio econômico e jurídico de caráter transeunte e precário" (Carvalho de Mendonça), nem tampouco obediência contratual. Não se pode dizer que a empresa transmissora "não pode investigar se as mercadorias pertencem ao remetente", pois ela está apenas transmitindo, geralmente sem poder dizer de quem e para quem. Ela não simplesmente recebe e entrega a energia, seja porque trabalha ativamente problemas de tensão e estabilidade da rede, seja porque não há remetente de energia elétrica, mas despacho do ONS, o que faz desse negócio bem diferente de "entregá-la a destinatário no lugar por aquele designado sem atender a qualquer oposição."
25. Como esclarece David Waltenberg, "outra importante característica da transmissão, na concepção do novo modelo setorial, é que ela deve ser uma atividade neutra, não-comercial, nem competitiva. Nesse sentido, a empresa de transmissão não gera, não compra e não vende energia; ela só executa a transmissão da energia elétrica. Isto para garantir sua neutralidade, de modo a não prejudicar e não interferir na competição realizada nos segmentos de geração e de comercialização. E, para tanto, as tarifas cobradas pela transmissão são reguladas e fixadas pela ANEEL." (AAVV, Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 365).
26. Relativamente ao método de tarifação da transmissão de energia elétrica no Brasil, cujos objetivos não são apenas os de cobrir custos e proporcionar uma faixa de lucro, mas também os de encorajar uso eficiente da rede elétrica, sinalizar investimentos e permitir oportunidades igualitárias, ela é calculada por uma complexa combinação das tarifações dos tipos "selo postal" e "tarifa marginal nodal".
27. A tarifação de "selo postal" é semelhante à de correspondências, pelos Correios. A tarifa marginal nodal baseia-se na necessidade de investimento para elevar a capacidade de transmissão da rede.
28. É de se notar que a tarifação da transmissão de energia elétrica guarda total independência da distância entre o ponto de geração e o de entrega à empresa distribuidora ou de consumo, também indicando divergências entre o que ocorre com a transmissão de energia elétrica e os serviços de transporte.
29. Ou seja, o que existe no Brasil, pelas peculiaridades do nosso Sistema Elétrico, é um sistema de transmissão que não somente serve para levar energia das usinas geradoras até o consumo, mas que garante o acesso à rede de transmissão a todos os agentes do Sistema. Esse sistema não fica simplesmente sujeito às vontades de compradores, vendedores e transportadores de energia elétrica, como se esse produto fosse cimento ou cerveja. É o próprio ONS quem exerce as operações comerciais pertinentes em relação à transmissão, no interesse da garantia do acesso dos agentes à rede de transmissão, pela programação do fluxo de energia.
30. Se tecnicamente se diz que a energia é transportada, com isso se quer apenas dizer que ocorre um fenômeno físico de transmissão - e nada se quer dizer sobre a situação jurídica de direito privado relativa a um contrato de transporte. Assim, a ciência diz, por exemplo, que a energia térmica (o calor) é transferida por radiação, condução ou convecção, totalmente abstraída da existência humana. Na engenharia, costuma-se usar indistintamente os termos "transmissão", "transferência" e "transporte", pois o interesse da área é a de conhecer microscopicamente os fenômenos físicos para poder prevê-los através de fórmulas matemáticas e por fim construir engenhos e mecanismos úteis para a sociedade.
31. No mundo jurídico não se deve partir do uso indistinto desses termos para extrair suas conseqüências. Na área tributária, transmissão e transferência normalmente são relacionados com propriedade ou posse, ou seja, com circulação de mercadorias, não com serviço de transporte.
32. O que se percebe imediatamente do que foi exposto acima é que energia elétrica não é estocada e não tem um lugar fixo no espaço. É transmitida, mas não é transportada, no sentido comum da palavra. Energia química é estocada na gasolina, numa pilha, etc. Seu lugar é macroscopicamente determinável. Mas não a energia elétrica. Esta somente é fornecida, tanto na geração como na transmissão, na distribuição e a comercialização. Seu fornecimento, seja pela geradora, pela transmissora, pela distribuidora ou pela comercializadora, corresponde a um fato gerador do ICMS, pela saída da mercadoria. Nunca pelo transporte. As características do Sistema Elétrico Brasileiro reforçam esse entendimento.
33. Até 1988 competia à União instituir imposto sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais do País (art. 21 da CF/69). Eram fatos geradores desse imposto a produção, a importação, a circulação, a distribuição e o consumo (art. 74 do CTN). No art. 75, o CTN dizia que, quanto ao imposto então considerado, a lei devia observar o disposto relativamente ao IPI, quando houvesse incidência sobre produção ou consumo, ou ao ICM, quando houvesse incidência sobre distribuição. E, para os efeitos tributários, dizia a lei que "a energia elétrica considera-se produto industrializado" (§ 1º do art. 74), o que levou Aliomar Baleeiro a comentar que "qualquer conceituação científica ou física sobre matéria e energia e, em particular, energia elétrica, é indiferente, do ponto de vista fiscal, por que o CTN adotou um conceito jurídico: energia elétrica é considerada produto industrial e tratada como coisa" ("Direito Tributário Brasileiro, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 276).
34. Não se cogitava da incidência do antigo Imposto sobre Serviços de Transportes, que o CTN dizia que tinha por fato gerador "a prestação de serviço de transporte, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores, salvo quando o trajeto se contenha inteiramente no território de um mesmo Município" (arts. 68 e 69 do CTN), sobre qualquer fato concernente à energia elétrica.
35. A Lei nº. 6.374/89 considera ocorrido o fato gerador "no início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via" (inc. X do art. 2º, na redação da Lei nº. 10.619/00). Uma linha de transmissão não é uma "via", no sentido tradicional. Caminhões, navios, ônibus, aviões, automóveis trafegam em vias, em lugares públicos, que são as estradas, os rios, mares e lagos e os espaços aéreos, e as características de suas cargas, sempre bem localizadas no espaço a cada instante, não são alteradas pelo transportador ou pela execução do transporte. Quanto às linhas de transmissão, basta saber resumidamente que elas "abrigam" a energia no campo eletromagnético que circunda seus condutores, para se perceber a diferença conceitual.
36. Os fatos tributários relacionados com a energia elétrica correspondem a "entradas" e "saídas". O artigo 2º da Lei nº. 6.374/89, na redação da Lei nº. 10.619/00, dispõe que ocorre o fato gerador do imposto "na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular" (inc. I) e "na entrada no território paulista de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e de energia elétrica oriundos de outro Estado ou Distrito Federal, quando não destinados à comercialização ou à industrialização" (inc. VII).
37. No REsp 38344/PR, disse a primeira Turma do STJ, na Ementa, que:
"4. A ocorrência do ICMS circunscreve-se aos limites do Estado, Distrito Federal, Território ou Município, não defluindo a sua incidência, quanto à energia elétrica, do fato causal do represamento d'água atingir áreas territoriais diversas, onde não é efetuada a operação, tendo dita energia como objeto e sem ocorrência da sua saída.
5. Compendiado o regime jurídico que submete o ICMS, no caso concreto, às operações mercantis decorrentes da produção e venda de energia elétrica gerada pela usina de Itaipu são promovidas e tão-só no Município de Foz de Iguaçu, único com direito à adição de valor proporcionado por aquelas operações. "Não tendo havido nenhuma operação mercantil, nos Municípios limítrofes, ainda que inundados para a formação do lago, falece-lhes direito de partilhar os valores adicionados em virtude da venda de energia elétrica produzida em Itaipu".
38. O julgado acima nos diz que não se confundem as atividades físicas concorrentes para a geração de energia com suas operações mercantis. É relevante apenas o local onde ambas acontecem, atividades físicas e operações mercantis, para determinação do local da operação de circulação de energia elétrica.
39. Assim como uma usina hidroelétrica não produz energia se não houver um lago, que recebe constante atenção e manutenção da empresa geradora, uma empresa de transmissão de energia elétrica não entrega energia se não tiver linhas de transmissão. Mas, se o que ocorre no lago não diz respeito às operações de circulação de mercadoria da geradora, então tampouco o que ocorre na linha de transmissão diz respeito às operações de circulação de mercadoria da empresa transmissora.
40. Consequentemente, nenhuma importância para a ocorrência do fato gerador do ICMS, pela transmissão de energia elétrica, têm os fatos físicos que ocorrem ao longo da linha de transmissão, mas o local da sua ocorrência é apenas o do seu fornecimento - o estabelecimento do terceiro a quem ela é economicamente, mais do que fisicamente, aproveitável. O fato gerador do ICMS ocorre onde se revela a movimentação econômica, a circulação da riqueza desse produto, energia elétrica, portanto em fatos correspondentes a saída, entrega, fornecimento, e não a transporte.
41. Em vista de todos os argumentos acima colocados, na transmissão de energia elétrica é devido o ICMS pela incidência dos arts. 1º, I e 2º, I e VII, da Lei nº. 6.374/89. O fato gerador do ICMS é a circulação da mercadoria, que ocorre no momento da saída da mercadoria, a qualquer título, exceto se destinada a consumo em outra unidade da Federação, bem como na entrada interestadual, quando não destinada à industrialização ou à comercialização.
42. Ainda é necessário explicitar o que vem a ser a "saída da mercadoria", na transmissão de energia elétrica.
43. A "saída da mercadoria", já explicava Aliomar Baleeiro, é "operação jurídica e econômica, com valor definido ou não" (Direito Tributário Brasileiro, 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 201). O fato gerador do ICMS ocorre com a saída física, econômica e jurídica. Pode-se, então, dizer que foi agregado valor à mercadoria e que foi percorrida uma etapa em direção ao consumo.
44. Na transmissão de energia elétrica verificam-se a circulação física (o fornecimento da energia), a econômica e a jurídica. Mas o novo modelo do Sistema Elétrico Brasileiro desvinculou o momento em que ocorre a circulação física do momento em que ocorre a circulação econômica e jurídica - as tarifas são cobradas pelo ONS, segundo regulação pela ANEEL, em momento posterior à saída física.
45. Há muito tempo os tribunais brasileiros vêem decidindo que a saída física, por si só, não caracteriza o fato gerador do ICMS. Não que a saída de energia elétrica possa ser considerada simples saída física, mas seu conteúdo econômico não é fixado no momento da saída física - mormente em razão das normas administrativas já comentadas.
46. Assim é que a situação jurídica concernente ao fato jurídico-tributário em análise somente pode ser considerada definitivamente constituída, podendo-se dizer ocorrido o fato gerador, nos termos do artigo 116, II, do Código Tributário Nacional, quando estiver definida a cobrança das tarifas de transmissão, pelo ONS, dos geradores, distribuidores e consumidores livres, e sua entrega, às empresas transmissoras.
47. Realmente, nada se pode dizer sobre a movimentação para o consumo e a agregação de valor ao produto "energia elétrica" antes dessa definição, não obstante o próprio consumo já ter ocorrido com a movimentação física.
48. Assim é que, para fins de tributação pelo ICMS, somente a constituição do direito de recebimento das tarifas pela transmissão de energia elétrica determinam, ou completam, a ocorrência do fato gerador do imposto.
49. A respeito dos procedimentos adotados pela Consulente, respondemos o que se segue.
50. Com a identificação da circulação econômica e jurídica reputa-se completa a operação, no momento em que concorrerem todas as circunstâncias pela qual ela se faz determinada.
51. Como o fato gerador ocorre com a circulação que é identificável (origem - destino) pela determinação do fluxo de pagamento pelo ONS para as empresas transmissoras, considerando que o diferimento do lançamento do imposto incidente nas operações internas com energia elétrica, previsto no artigo 425 do RICMS/00, deve ser interpretado consoante os fatos do atual Sistema Elétrico Brasileiro, a regra resultante é a seguinte.
52. Há diferimento de pagamento de ICMS correspondente à transmissão de energia elétrica relativa a operações internas que agregam valor ao produto (energia elétrica) até sua entrega para consumo pelo comércio, indústria, residências, administrações públicas, etc., consumidores livres ou cativos (no sentido e alcance dados segundo a Lei nº. 9.074/95).
53. O diferimento não se presume. Ocorre caso o montante total recebido pela empresa transmissora, ou parcelas desse montante, puder ser devidamente identificado como correspondente às operações para as quais há determinação legal. Ou seja, é condição para o diferimento a possibilidade de perfeita identificação do fluxo de pagamentos e recebimentos.
54. Não merecem reparos os procedimentos adotados pela Consulente reproduzidos nos subitens (ii) e (iii) do item 3 desta Resposta.
55. Fica ressalvada, quanto aos procedimentos efetuados em desacordo com esta Resposta, a denúncia espontânea, segundo o artigo 529 do RICMS/00.
Fernando Batlouni Mendroni
Consultor Tributário
De acordo
Cirineu Do Nascimento Rodrigues
Diretor da Consultoria Tributária .