Solução de Consulta COTRI nº 13 DE 02/08/2023

Norma Estadual - Distrito Federal - Publicado no DOE em 03 ago 2023

ICMS. Guarda e conservação de documentos fiscais. Interpretação do inciso X do art. 3° da Lei Federal nº 13.874/2019. Decreto Federal nº 10.278/2020. Aplicável no âmbito tributário da competência do Distrito Federal até edição de norma específica distrital.

I – Relatório

1. Trata-se de consulta formulada por pessoa jurídica de direito privado, envolvendo a legislação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, regulamentado neste território pelo Decreto nº 18.955/1997 (RICMS) e alterações legislativas posteriores, bem como a Lei n° 13.874/2019.

2. Na id 116565279, a Consulente aduz a respeito da praticidade administrativa advinda da substituição do canhoto físico das notas fiscais de entrega de mercadoria por um registro unicamente digital.

3. Nesse sentido, funda seu argumento na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (DDLE), instituída pela Lei Federal n° 13.874/2019.

4. Por fim, a Consulente apresenta os seguintes questionamentos, “ipsis litteris”:

“a) Poderá a consulente realizar a guarda dos canhotos de forma totalmente eletrônica, nos termos colocados nesta consulta?

b) Se a resposta para o item 1 for positiva, há alguma especificação, além da prevista em lei, que a consulente deverá considerar? ”

5. Em ato contínuo, os autos seguiram aos demais setores competentes desta Secretaria de Fazenda para as providências formais cabíveis.

6. Nesses termos, os autos foram remetidos a esta GEESC para apreciação e manifestação.

II - ANÁLISE - Fundamentação

7. Por oportuno, cabe destacar que a Solução de Consulta não se presta a verificar a exatidão dos fatos apresentados pelo interessado, uma vez que se limita a apresentar a interpretação da legislação tributária conferida a tais fatos, partindo da premissa de que há conformidade entre os fatos narrados e a realidade factual. Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações ou interpretações e não gera qualquer efeito caso se constate, a qualquer tempo, que não foram descritos, adequadamente, os fatos, aos quais, em tese, aplica-se a Solução de Consulta.

8. Registre-se que a autoridade fiscal manifesta-se nos autos plenamente vinculada aos estritos preceitos da legislação tributária do Distrito Federal.

9. Como cediço, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (DDLE), instituída pela Lei Federal n° 13.874/2019, dentro do escopo da competência legislativa concorrente trazida pelo art. 24 da Constituição Federal (CF), possui normas de observância obrigatória pelo Distrito Federal, no que pertine à aplicação e à interpretação do Direito Econômico.

10. Dessa forma, os arts. 1º, 2º, 3º e 4º devem ser interpretados como normas gerais de Direito Econômico, nos termos do § 4º do art. 1° da Lei:

“§ 4º O disposto nos arts. 1º, 2º, 3º e 4º desta Lei constitui norma geral de direito econômico, conforme o disposto no inciso I do caput e nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 24 da Constituição Federal, e será observado para todos os atos públicos de liberação da atividade econômica executados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, nos termos do § 2º deste artigo.”

11. Ainda, os artigos 3° e 4° da DDLE são, respectivamente, os que tratam da DECLARAÇÃO DE DIREITOS DE LIBERDADE ECONÔMICA (capítulo II) e das GARANTIAS DE LIVRE INICIATIVA (capítulo III), fundamentos apresentados pela consulente.

12. De outro ponto, o § 3º do art 1° da DDLE excetua expressamente a aplicação dos capítulos II e III no Direito Tributário e Direito financeiro, com uma ressalva importante, no que tange às obrigações acessórias de guarda e conservação documental:

'§ 3º O disposto neste Capítulo e nos Capítulos II e III desta Lei não se aplica ao direito tributário e ao direito financeiro, ressalvado o disposto no inciso X do caput do art. 3º desta Lei. “

13. A ressalva do inciso X do art. 3° da DDLE possibilita a guarda e conservação de documentos por meio digital:

“X - arquivar qualquer documento por meio de microfilme ou por meio digital, conforme técnica e requisitos estabelecidos em regulamento, hipótese em que se equiparará a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato de direito público;”

14. Aprofundando a análise, foi publicado o Decreto Federal n° 10.278/2020, que regulamenta a técnica e os requisitos para a digitalização de documentos públicos ou privados, a fim de que os documentos digitalizados produzam os mesmos efeitos legais dos documentos originais.

15. Em contrapartida, o Distrito Federal ainda não apresentou normativo específico para tratar do inciso X do art. 3° da DDLE.

16. Conforme Vicente Paulo et al.(2012), as normas específicas da União, no bojo da competência concorrente dos Entes Federados, não são de observância obrigatória pelo Estados e pelo Distrito Federal, cabendo a Estes exercer sua competência suplementar complementar.

17. Entretanto, nada impede que o Distrito Federal, enquanto não edita norma específica, utilize-se das prescrições federais, haja vista tratar-se de requisitos tecnológicos de confirmação de veracidade, unicamente para substituição da guarda e conservação de papéis físicos por arquivos digitais.

18. Vencida a primeira análise da legislação federal pertinente, cumpre apontar que, na instrução processual, a Consulente inicia sua petição nos seguintes termos:

“Se o canhoto “da Nota Fiscal Eletrônica”, usado para comprovar a entrega da mercadoria, pode ser guardado de forma exclusivamente eletrônica, depois de ser digitalizado, com base no artigo 3º da Lei Federal 13.874/2019 e art. 4º do Decreto nº 10.278, de 18-03-2020. (...)”

19. De plano, caso o documento fiscal, de fato, seja uma nota fiscal eletrônica, não há obrigatoriedade de meio físico, já que sua existência é apenas digital, conforme os ajustes SINIEF n° 07/05 e 19/16, reproduzidos no RICMS/ DF:

“Art. 88-A. Considera-se Nota Fiscal Eletrônica - NF-e - o documento emitido e armazenado eletronicamente, de existência apenas digital, com o intuito de documentar operações e prestações, cuja validade jurídica é garantida por uma assinatura eletrônica qualificada e pela autorização de uso por parte da Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal, antes da ocorrência do fato gerador, na forma da legislação específica (Ajuste SINIEF 07/05).”

“Art. 88-C. Considera-se Nota Fiscal de Consumidor Eletrônica - NFC-e - o documento emitido e armazenado eletronicamente, de existência apenas digital, com o intuito de documentar operações e prestações, cuja validade jurídica é garantida por uma assinatura eletrônica qualificada e pela autorização de uso por parte da Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal, antes da ocorrência do fato gerador, na forma da legislação específica (Ajuste SINIEF 19/16).”

20. Sob outro prisma, no que tange ao documento fiscal de modelo físico, o RICMS estabelece uma possibilidade de dispensa do canhoto destacável, comprovante de entrega de mercadoria, por meio de indicação na Autorização para Impressão de Documentos Fiscais (AIDF):

“Art. 86 § 21. O Fisco poderá dispensar a inserção na Nota Fiscal do canhoto destacável, comprovante da entrega da mercadoria, mediante indicação na AIDF (Ajuste SINIEF 4/95).”

21. Cingindo a norma geral trazida pela DDLE com a legislação Distrital (RICMS/DF), em uma análise sistêmica e teleológica, tem-se que as normas são complementares e devem ser tomadas em conjunto.

22. Isso posto, há dispensa de guarda e conservação do canhoto físico de entrega de mercadorias para as notas fiscais eletrônicas e para as autorizações de dispensa, contidas na AIDF.

23. Já nas hipóteses não abarcadas pela legislação Distrital, isto é, em que persiste o dever de manutenção do canhoto físico, tendo em vista a necessidade de observância do inciso X do art. 3° da norma geral de Direito Econômico (DDLE) e a ausência de norma distrital específica, tornam-se aplicáveis as disposições acerca da guarda e conservação de documentos por meio digital trazidas pelo regulamento da DDLE, Decreto n° 10.278/2020, enquanto não sobrevém norma específica do Distrito Federal.

24. Assim sendo, cabe apontar que o documento digital deve obedecer as prescrições técnicas do regulamento da DDLE. Isto significa que os seguintes requisitos devem ser atendidos, nos termos do Decreto Federal n° 10.278/2022:

“Requisitos na digitalização que envolva entidades públicas

Art. 5º O documento digitalizado destinado a se equiparar a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno deverá:

I - ser assinado digitalmente com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, de modo a garantir a autoria da digitalização e a integridade do documento e de seus metadados;

II - seguir os padrões técnicos mínimos previstos no Anexo I; e

III - conter, no mínimo, os metadados especificados no Anexo II.” III - Conclusão - Resposta

25. Pelo exposto, em resposta à Consulente, destacamos a introdução e os questionamentos apresentados:

26. “Se o canhoto “da Nota Fiscal Eletrônica”, usado para comprovar a entrega da mercadoria, pode ser guardado de forma exclusivamente eletrônica, depois de ser digitalizado, com base no artigo 3º da Lei Federal 13.874/2019 e art. 4º do Decreto nº 10.278, de 18-03-2020. A Consulente afirma que, assim, os canhotos em papel não ocupariam espaço e que a guarda das cópias em versão digital seria feita de modo organizado e de fácil acesso. Com base na exposição dos fatos acima indicados, bem como o evidenciado em legislação sobre o tema, apresentamos abaixo os seguintes questionamentos:

a) Poderá a consulente realizar a guarda dos canhotos de forma totalmente eletrônica, nos termos colocados nesta consulta?

b) Se a resposta para o item 1 for positiva, há alguma especificação, além da prevista em lei, que a consulente deverá considerar?”

27. Resposta ao item a: caso a Consulente não esteja dispensada de conservar esse documento físico, seja pela previsão de sua dispensa para as Notas Fiscais Eletrônicas, seja pela autorização de dispensa nas AIDF, ela pode conservar os canhotos apenas em meio digital, conforme previsão do inciso X do art. 3° da Lei Federal nº 13.874/2019.

28. Resposta ao item b: cumpre destacar que, enquanto não sobrevém norma do Distrito Federal detalhando requisitos técnicos para conversão dos documentos físicos em digitais pelo contribuinte para guarda e conservação, devem ser observadas as prescrições técnicas trazidas pelo Decreto Federal nº 10.278/2020, mormente as apresentadas pelo art. 5º do Normativo.

29. Pelo exposto, nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal – RPAF), a presente Consulta é eficaz aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.

À consideração de V.S.ª.

Brasília/DF, 02 de agosto de 2023

RODRIGO AUGUSTO BATALHA ALVES

Auditor-Fiscal da Receita do Distrito Federal

À Coordenadora de Tributação da COTRI.

De acordo.

Encaminhamos à aprovação desta Coordenação o Parecer supra.

Brasília/DF, 02 de agosto de 2023.

ZENÓBIO FARIAS BRAGA SOBRINHO

Gerente

Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea d do inciso VI do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 129, de 30 de junho de 2022 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 124, de 05 de julho de 2022, pág.4).

A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.

Saliente-se que, independentemente de comunicação formal à Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.

Esclareço que a Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o art. 78, II, combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011.

Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do artigo 89 do Decreto nº 35.565, de 25 de junho de 2014.

Brasília/DF, 02 de agosto de 2023 DAVILINE BRAVIN SILVA

Coordenação de Tributação Coordenadora