Solução de Consulta COTRI nº 16 DE 30/08/2023
Norma Estadual - Distrito Federal - Publicado no DOE em 05 set 2023
"ISS. Serviço de consultoria jurídica. Prestador situado no Distrito Federal. Tomador residente no exterior do país."
PROCESSO SEI Nº 04034-00010745/2023-45
ISS. Serviço de consultoria jurídica. Prestador situado no Distrito Federal. Tomador residente no exterior do país. Exportação de serviços. Inteligência do § único do art. 2º da LC 116/2003 .
Resultado exclusivamente no estrangeiro. Conteúdo semântico do termo "resultado". Para configurar isenção de ISS, o "resultado" deve ser interpretado no sentido de fruição do serviço, com o aproveitamento ou efeito econômico exclusivamente no exterior, tomando-se por base o objeto do contrato e a finalidade do serviço para o tomador.
I - Relatório
1. Pessoa jurídica de direito privado, estabelecida no Distrito Federal, apresentou Consulta abrangendo o Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza - ISS, regulamentado neste território pelo Decreto nº 25.508 , de 19 de janeiro de 2005 (RISS).
2. Alega o Consulente que firmou com empresa estrangeira um contrato "guarda-chuva", que engloba várias possibilidades de prestação de serviços jurídicos, alguns com resultado no Brasil e outros no exterior.
3. Aduz que a contratante ainda não desenvolve nenhum negócio com o mercado brasileiro e, assim, todo o resultado do serviço é destinado ao exterior.
4. Assinala que o município de São Paulo (Parecer Normativo SF Nº 4 DE 09.11.2016) entende que não configura exportação a prestação de serviços jurídicos em que uma das partes intermediadas, os respectivos bens ou os interesses econômicos estiverem localizados no Brasil.
5. Questiona se o Distrito Federal possui alguma posição consolidada sobre os limites de aplicabilidade da não incidência de ISS à semelhança do que ocorre em São Paulo.
6. Indaga se, para a comprovação da exportação dos serviços jurídicos e a consequente não tributação pelo ISS, apenas um aditivo no contrato, indicando expressamente que os serviços não terão resultado no Brasil, é suficiente.
7. Questiona se podem ser separados os serviços com e sem incidência de ISS somente pelas invoices (faturas comerciais) ou se é necessário o desdobramento do contrato para fins de controle fiscal.
II - Análise
8. De início, registra-se que a análise da matéria consultada está plenamente vinculada à legislação tributária.
9. As considerações e conclusões a seguir expostas abrangem apenas as exatas circunstâncias analisadas e não se estendem a novas situações que modifiquem as variáveis ou os elementos ora examinados. Acrescenta-se que a Solução de Consulta não se presta a apurar a exatidão dos fatos apresentados pelo interessado. Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações ou interpretações e não gera qualquer efeito caso se constate, a qualquer tempo, que não foram descritos, adequadamente, os fatos, aos quais, em tese, se aplica a Solução de Consulta.
10. Em trâmite processual regular na Gerência de Programação Fiscal - GEPRO, constatou-se que o Consulente não se encontrava sob ação fiscal. Em sequência processual, tendo em vista iniciar-se a fase de análise do mérito da matéria arguida, a apreciação da admissibilidade da Consulta Tributária deve ser exercida nos termos da competência dessa Gerência de Esclarecimento de Normas, mormente em atenção ao disposto no inciso IV do art. 56 da Lei ordinária distrital nº 4.567/2011, cuja análise não está inserida nas atribuições regimentais daquele órgão preparador do saneamento.
11. A questão envolve pedido de posicionamento fiscal da Gerência de Esclarecimentos de Normas, desta Subsecretaria, quanto à definição de parâmetros para a interpretação e aplicação da isenção de ISS na exportação de serviços.
12. A Constituição Federal de 1988 , ao dispor sobre o ISS, atribuiu à Lei Complementar a competência para excluir da sua incidência as exportações de serviços para o exterior:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
(...)
§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:
(...)
II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.
13. A LC 116/2003 , no art. 2º, a um só tempo institui a isenção de ISS à exportação de serviços e estabelece limite a ser observado pelo contribuinte para o seu proveito: que o resultado do serviço aqui não se verifique. Vejamos:
Art. 2º O imposto não incide sobre:
I - as exportações de serviços para o exterior do País;
(...)
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.
14. O RISS/DF, no § único do inciso I do art. 2º, acrescenta que, para configurar exportação de serviço, o tomador deve estar localizado no exterior e o pagamento deve ser feito em moeda estrangeira:
Art. 2º O imposto não incide sobre:
I - as exportações de serviços para o exterior do País, assim entendidas as prestações de serviços com destino a tomador localizado no exterior, cujo pagamento seja feito em moeda estrangeira, observado o disposto no parágrafo único;
(...)
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto do inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.
15. Da leitura da cópia do instrumento contratual apresentado (doc. SEI nº 118438462), depreende-se que toda a atividade humana pertinente aos serviços será desenvolvida no Brasil (Cláusula 3.1) e que o pagamento será feito em euros por tomador residente na Bélgica (Cláusula 2). Para que os serviços façam jus à isenção de ISS, cabe aferir se existe ou não resultado do serviço no território nacional.
16. Para tanto, é de substancial importância a compreensão do vocábulo "resultado" empregado no parágrafo único do art. 2º da LC 116/2003 .
17. Segundo Dimária Silva e Meirelles, "serviço é trabalho em processo, ou seja, serviço é trabalho na concepção dinâmica do termo, trabalho em ação", e não o resultado desse trabalho (Revista de Economia Política, vol. 26, nº 1 (101), pp. 119-136 janeiromarço/2006).
18. Nos contratos que estipulam obrigações de fazer, o resultado desse trabalho consolida-se, temporalmente, com o fim da execução, isto é, no momento em que ele é concluído. Depois dessa conclusão, poder-se-ão produzir outros efeitos além do resultado propriamente dito, a depender da natureza do serviço prestado.
19. A adequada interpretação do conceito de "resultado", na definição do seu critério espacial para o ISS, gravita no fim buscado pelo legislador ao desonerar as exportações, qual seja, o incentivo à atividade econômica "exercida por quem atua enquanto prestador de serviço, a partir do mercado doméstico, com seus meios ali disponíveis, para atender à necessidade de obtenção desse serviço que um tomador manifesta, que deve ser satisfeita em um outro mercado, no exterior" (Parecer Normativo Cosit/RFB nº 01 , de 11 de outubro de 2018).
20. Assim, o elemento determinante da localização final do serviço, do seu destino, está intrinsicamente conectado ao local onde o tomador terá a sua demanda atendida.
21. Dito isso, acrescente-se o resultado de uma prestação de serviço corresponder à utilidade que o tomador dará ao serviço. O local do resultado é onde o tomador poderá fruir do serviço que lhe foi entregue, não sendo necessária a fruição efetiva, pois ela pode não ocorrer por decisão do tomador.
22. É proveitoso transcrever o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do conteúdo semântico do termo "resultado":
Na acepção semântica, "resultado" é consequência, efeito, seguimento. Assim, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter consequências ou produzir efeitos. A contrário senso, os efeitos decorrentes dos serviços exportados devem-se produzir em qualquer outro País. É necessário, pois, ter-se em mente que os verdadeiros resultados do serviço prestado, os objetivos da contratação e da prestação. (STJ, Recurso Especial nº 831.124/RJ, Primeira Turma, Rel. Ministro José Delgado, j. 15/08/2006, DJ: 25.09.2005) (grifo nosso)
23. Nesse contexto, entende-se por "resultado" a "utilidade" ou a "possibilidade de fruição" do serviço.
24. Em outras palavras, como o serviço consiste no esforço humano empreendido em benefício de outrem, o resultado estará vinculado à intenção do seu tomador, remetendo-se ao benefício que ele procura ao solicitar o serviço. Será, portanto, o local em que o serviço lhe tem utilidade, na medida em que nele residem suas motivações para buscar a prestação, onde se verifica o seu aproveitamento ou interesse econômico.
25. Reputar-se-á ocorrida a exportação quando a própria utilidade do serviço consumar-se somente fora do território brasileiro, onde também se projeta a sua fruição ulterior pelo respectivo tomador.
26. É fundamental cotejar os objetivos da contratação e da prestação, o que envolve tanto o objeto do contrato quanto a finalidade do serviço para o tomador, que estão aptos a revelar a utilidade dos serviços para a fins de apuração do local do resultado.
27. Nos termos do ato negocial, cumpre à prestadora analisar previamente a estrutura de negócios da tomadora e seus documentos legais para a apropriada prestação da consultoria jurídica (Cláusula 1.1, item "a"). Os serviços de consultoria referem-se à elaboração, revisão e negociação de acordos nacionais e internacionais e outros documentos legais (Cláusula 1.1, item "b"); à assessoria em assuntos relacionados a contratos nacionais e internacionais e outros assuntos jurídicos (Cláusula 1.1, item "c") e ao auxílio no cumprimento das leis e regulamentos atinentes à proteção e privacidade de dados (Cláusula 1.1, item "d").
28. Trata-se de serviços de advocacia consultiva enquadrados no item 17 da Lista Anexa ao RISS/DF.
29. Verificou-se que a tomadora, Perceval Technologies, atua no ramo de tecnologia da informação, como provedora de serviços de internet, com vista a melhorar a eficiência dos negócios de seus clientes por meio de soluções digitais, empregando engenheiros e desenvolvedores de sistemas em seu quadro.
30. O Consulente informou que a tomadora ainda não desenvolve nenhum negócio com o mercado brasileiro, o que, reforçado pela natureza dos serviços avençados, permite inferir que ela está na iminência de operar no Brasil.
31. Em geral, para operar aqui, a empresa estrangeira precisa firmar contratos respaldados pelas normas locais, bem como adequar a sua forma de trabalho às nossas regulações. Isso naturalmente envolve a busca por assessoramento jurídico de escritório de advocacia brasileiro relativo a Direito Empresarial e Civil, ao passo que, pelo perfil das operações da Perceval Technologies, é de igual modo esperado que ela procure suporte jurídico em Direito Digital.
32. Os serviços do item "a" da Cláusula 1.1, pagos em parcela única de honorários, funcionam como atividade-meio que viabilizará a execução dos serviços continuados de apoio jurídico previstos nos itens "b", "c" e "d", remunerados mensalmente por honorários fixos até que o pacto seja rescindido por alguma das partes (Cláusula 2).
33. No que concerne aos serviços do item "b" da Cláusula 1.1, caso as diligências relacionadas aos acordos nacionais e internacionais se associem à atuação profissional da tomadora no Brasil, reputar-se-á que o serviço entregue será útil aqui. Isso porque a motivação do serviço foi atender à demanda de quem o necessitava no Brasil. Uma vez finalizados os relatórios consultivos ou as minutas de acordos, os seus efeitos serão aqui usufruídos.
34. Similarmente, nas consultorias sobre assuntos jurídicos designadas no item "c" da Cláusula 1.1, impende identificar se a prestação traz a intenção de auxiliar o desempenho do ofício da tomadora no Brasil. Em caso positivo, tem-se serviço cuja possível fruição fatalmente aqui ocorrerá.
35. Note-se que, quando a prestadora realiza as consultorias no sentido de atingir os interesses econômicos da tomadora no território nacional, os serviços devem ser entendidos como tendo resultado aqui.
36. Quanto ao item "d" da Cláusula 1.1, a obrigação da contratada em auxiliar no cumprimento das normas sobre a proteção e privacidade de danos, pautada nas leis brasileiras de segurança de dados, revela que o serviço é afeto às atividades laborais da empresa estrangeira no Brasil. Nessa perspectiva, a utilidade do serviço se identifica necessariamente com as suas demandas no Brasil, de modo que é no território nacional que ele poderá ser fruído.
37. Por sua vez, o serviço do item "a" da Cláusula 1.1 consiste no exame preliminar da situação organizacional da empresa estrangeira com o escopo de possibilitar a subsequente prestação da consultoria jurídica. Uma vez que a consultoria jurídica tem o intuito de assistir à tomadora acerca das obrigações legais atreladas à sua atuação no mercado brasileiro, depreende-se que o serviço prestado não será usufruído no exterior, pois inevitavelmente tem sua utilidade vinculada a práticas que serão efetivadas no território nacional. Dessa forma, não obstante a empresa estrangeira até então não desenvolver negócios no Brasil, afigura-se patente que a verdadeira utilidade do serviço só pode ser fruída em solo brasileiro.
38. Lembremos que a utilidade do serviço é consubstanciada na finalidade da prestação. Está explicitamente disposto no item "a" da Cláusula 1.1 que a análise da estrutura da empresa serve para a "apropriada prestação dos serviços de consultoria". Este, portanto, é o seu propósito imediato. Dado ser incontroverso que a consultoria é realizada no Brasil, a fruição do serviço aqui se verifica.
39. Pelo exposto, conclui-se que configura exportação beneficiada pela isenção de ISS quando se puder extrair do teor do serviço e dos termos do ato negocial a intenção de sua fruição pelo tomador exclusivamente no estrangeiro.
40. Feitos os devidos esclarecimentos a respeito dos contornos do "resultado" no contexto da exportação de serviços, passemos às dúvidas procedimentais da Consulente.
41. Assinala-se que o registro expresso no instrumento contratual de que os serviços ali consignados não terão resultado no Brasil ou a separação dos serviços sem incidência de ISS através das invoices não têm o condão de afastar a incidência tributária na hipótese de o Fisco entender pela inexistência de exportação diante de uma análise fática-probatória da natureza dos serviços prestados.
42. Cabe ao contribuinte comprovar o preenchimento dos requisitos legais para a fruição da isenção em comento, conforme o caput do art. 179 do Código Tributário Nacional , ao passo que ele está sujeito à auditoria pelo Fisco que irá averiguar a inocorrência de resultados dos serviços no território nacional.
43. Registra-se que, mesmo no que respeita aos contratos "guarda-chuvas", no Distrito Federal é obrigação do prestador de serviço a emissão de nota fiscal de serviços (NFS-e) especificando as atividades realizadas. Nos serviços prestados de forma continuada, tais quais as consultorias jurídicas em apreço, o documento fiscal deverá ser emitido dentro do mês do calendário em que se der a prestação, consoante o inciso I do art. 41 do RISS/DF:
Art. 41. Considera-se devido o imposto:
I - no caso de prestação de serviço de forma continuada, no período de apuração da prestação, não podendo a emissão do documento fiscal correspondente ultrapassar o mês em que está se verificar;
44. Caso se trate de exportações de serviços, na emissão da NFS-e deve ser selecionado no campo "Natureza da Operação" a opção "Exportação", de modo que não incidirá ISS.
45. No mais, recomenda-se ao Consulente acessar a página eletrônica desta Subsecretaria de Receita, no endereço eletrônico https://www.receita.fazenda.df.gov.br/, dirigindo-se ao link "Atendimento Virtual", para interagir com o setor competente que irá orientá-la a respeito de suas dúvidas procedimentais relacionadas às obrigações tributárias.
III - Conclusão
46. Em resposta às indagações apresentadas, informa-se que, para a caracterização de exportação prevista no inciso I do art. 2º da LC 116/03 , o "resultado" corresponde à fruição do serviço, com o aproveitamento ou efeito econômico exclusivamente no exterior, tomando-se por base o objeto da contratação e a finalidade do serviço para o tomador.
A presente Consulta é eficaz, nos termos do disposto art. 80 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal - RPAF), aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.
À consideração superior;
Brasília/DF, 30 de agosto de 2023
LUÍSA MATTA MACHADO FERNANDES SOUZA
Auditora Fiscal da Receita do DF
Matr. 280.401-8
De acordo.
Encaminhamos à análise desta Coordenação o Parecer supra.
Brasília/DF, 30 de agosto de 2023
ZENÓBIO FARIAS BRAGA SOBRINHO
Gerência de Esclarecimento de Normas
Gerente
Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea "d" do inciso VI do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 129, de 30 de junho de 2022 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 124, de 5 de julho de 2022, página 4).
A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.
Saliente-se que, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.
Esclareço que a Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o art. 78, II, combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011.
Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do artigo 89 do Decreto nº 35.565 , de 25 de junho de 2014.
Brasília/DF, 30 de agosto de 2023
DAVILINE BRAVIN SILVA
Coordenação de Tributação
Coordenadora