Solução de Consulta COTRI nº 19 DE 16/11/2016
Norma Estadual - Distrito Federal - Publicado no DOE em 29 nov 2016
PROCESSO: 000125-000531/2016
ICMS. Contrato internacional de locação de bens móveis. Importação de bens alugados que retornarão ao exterior, finalizado o contrato. Inexistência de opção de compra, como faculdade daquele que usufruirá do bem, tampouco do corresponde preço para opção de compra ou critério para sua fixação. Não caracterização formal ou material da operação típica de arrendamento mercantil ou leasing. Fato gerador configurado. Incidência do imposto.
I - Relatório
1. Pessoa jurídica de direito privado, estabelecida no Distrito Federal, integrante de consórcio privado participante de licitação pública para "a locação de uma solução de videomonitoramento, incluindo rede lógica para transmissão, servidores de armazenamento e de gerenciamento das imagens das áreas que sediarão os jogos olímpicos e Paraolímpicos do Rio 2016", formula consulta em relação ao desembaraço aduaneiro e à incidência do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Sobre a Prestação de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), referente a contrato de locação de equipamentos importados do exterior.
2. Consta de seu objeto social, consoante fl. 9 dos autos, dilatada lista de atividades econômicas, das quais se destacam: "comércio atacadista e varejista de máquinas, equipamentos, microcomputadores, impressoras, hubs, switches, fotocopiadoras, monitores, eletrocomésticos, eletroeletrônicos, (.....); comércio e importação de veículos".
3. Relata que procedeu à importação de bens em razão da existência de contrato internacional bilíngue de aluguel de equipamentos com grupo estadunidense, tendo anexado cópia do referido instrumento contratual.
4. Destaca que "o regime aduaneiro utilizado foi o de admissão temporária para utilização econômica (arts. 57 e ss., IN RFB 1.600/2015) com pagamento parcial dos tributos federais (proporcionalmente aos seis meses de utilização) e a suspensão quanto ao período remanescente".
5. Aponta que existe orientação da Procuradoria Fiscal - PROFIS da Procuradoria Geral do Distrito Federal quanto à não incidência do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro, decorrente de operações de leasing internacional, conforme Parecer PROFIS nº 121/2007, tendo anexado cópia desse feito.
6. Demonstra entendimento quanto à não incidência do imposto, baseando-se em jurisprudência tanto do Supremo Tribunal Federal - STF, quanto do Superior Tribunal de Justiça - STJ, destacando que este último exige a circulação jurídica da mercadoria, ou seja, a mudança da titularidade da mercadoria para que ocorresse a incidência.
7. Alega que o contrato de aluguel sob exame é por prazo certo e também não encerra mudança de propriedade, mas apenas da posse direta.
8. Finalmente, apresenta seu único questionamento: "Haverá incidência de ICMS no desembaraço aduaneiro decorrente do contrato de aluguel de equipamentos, conforme apresentado? Requer ainda os efeitos dos benefícios da consulta (art. 62 LPAF)".
II - Análise.
9. Inicialmente, é mister destacar que existe previsão regular de incidência do ICMS na entrada de bens importados do exterior por pessoa jurídica, qualquer que seja a sua finalidade.
10. A incidência encontra amparo na legislação interna do Distrito Federal, especialmente no Regulamento do ICMS - RICMS, materializado pelo Decreto nº 18.955 , de 22 de dezembro de 1997, que prevê:
Art. 2º O imposto incide sobre (Lei nº 1.254/1996 , art. 2º ):
(.....)
§ 1º O imposto incide também sobre:
I - a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade (Lei nº 1.254/1996 , art. 2º , parágrafo único, I); (NR)
11. A norma em questão deixa claro a incidência do imposto na entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, independentemente de o importador ser pessoa física ou jurídica e da finalidade a que se destina, mesmo que não seja contribuinte habitual do imposto.
12. A Instrução Normativa RFB nº 1.600 , de 14 de dezembro de 2015, define o que vem a ser regime aduaneiro especial de admissão temporária, recurso este utilizado pelo Consulente na importação dos bens objeto do contrato em tela:
Art. 56. O regime aduaneiro especial de admissão temporária para utilização econômica é o que permite a importação de bens destinados à prestação de serviços a terceiros ou à produção de outros bens destinados à venda, por prazo fixado, com pagamento dos tributos federais incidentes na importação, proporcionalmente a seu tempo de permanência no território aduaneiro.
§ 1º O disposto no caput aplica-se também aos bens destinados a servir de modelo industrial, sob a forma de moldes, matrizes ou chapas e às ferramentas industriais.
§ 2º A proporcionalidade a que se refere o caput será obtida pela aplicação do percentual de 1% (um por cento) sobre o montante dos tributos originalmente devidos, por cada mês ou fração contidos no período de vigência do regime.
§ 3º Fica suspenso o pagamento da diferença entre o total dos tributos que incidiriam no regime comum de importação dos bens e os valores pagos conforme o disposto no caput.
13. Em que pese a possibilidade atual e abstrata de tributação, vinculada aos termos da legislação vigente, é necessário atentar-se para o Parecer nº 121/2007 PROFIS/PGDF de lavra da Procuradoria Geral do Distrito Federal, que analisando o caso de importação sob o regime jurídico de leasing, editou a seguinte ementa:
TRIBUTÁRIO - ICMS - IMPORTAÇÃO SOB O REGIME JURÍDICO DE LEASING 1- O STF foi eleito pela Constituição de 1988 como intérprete último de suas normas, sendo dever desta Procuradoria-Geral recomendar o respeito à jurisprudência daquela Corte Suprema, máxime quando o entendimento for do plenário e atualíssimo. 2- À luz do atual entendimento do plenário do STF (RE 461.968/SP, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 30.05.2007, unânime), a entrada de mercadorias importadas do exterior sob o regime do arrendamento mercantil (leasing) está fora do campo de incidência do ICMS. 3- Não obstante, por força das ressalvas feitas no voto do condutor do referido precedente, a fiscalização deve sempre conferir a existência do leasing tanto sob a ótica formal quanto sob o ponto de vista material. (negrito não existente no original)
14. Destaca-se, nesse parecer, o último parágrafo de sua fundamentação:
Ou seja, para que se respeite a orientação do STF é preciso que haja não apenas o leasing sob a ótica formal (existência de um contrato denominado "contrato de arrendamento mercantil ou leasing"), mas sobretudo o leasing do ponto de vista material, isto é, no qual esteja claramente demonstrada a opção de compra ao final, por preço honesto e proporcional, insuscetível de induzir à conclusão de que o contrato típico foi utilizado de forma a mascarar um contrato de compra e venda.
15. A orientação da Procuradoria Geral do Distrito Federal é no sentido de ser necessária a constatação pelo fisco da existência tanto formal, quanto material do leasing, quando da análise do caso concreto. Trata-se de conditio sine qua non. Não haverá amoldamento do caso concreto à relatada jurisprudência da Suprema Corte, se as condições formais e materiais não foram respeitadas. Assim, é cristalino que não sendo respeitados tais quesitos, configura-se a incidência tributária do ICMS, tendo em vista a regular previsão na lei.
16. Pois bem, resta então saber se o contrato em voga é ou não um contrato de leasing ou arrendamento mercantil, em termos formais e materiais.
17. Conforme literalmente disposto no cabeçalho do documento apresentado, trata-se de contrato de locação bilíngue, in casu, escrito tanto em língua inglesa quanto em língua portuguesa. No entanto, salta aos olhos a confusão na redação em língua portuguesa quanto às partes envolvidas no negócio.
18. Certo é que na primeira cláusula do instrumento, onde constou como locatária a empresa estrangeira, deveria constar o Consulente, porque quem usufrui a coisa é o locatário. Da mesma forma, onde constou como locadora o Consulente, deveria constar a empresa estrangeira, porque quem cede a coisa é o locador.
19. Contudo, tal confusão na escrita em língua portuguesa não afeta o entendimento quanto à vontade das partes. Nesse sentido leciona Silvio Rodrigues (Direito Civil, V.3 Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de vontade - São Paulo: Saraiva, 2002):
Como ato jurídico que é, o contrato tem por mola propulsora a vontade das partes, de maneira que, para descobrir o exato sentido de uma disposição contratual, faz-se mister, em primeiro lugar, verificar qual a intenção comum dos contratantes. Esta é, teoricamente, a finalidade da exegese. Daí a regra básica, consagrada pela generalidade dos Códigos, entre os quais o nosso, cujo art. 112 dispõe:
Art. 112 Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
20. O mesmo mestre esclarece citando Phothier:
...deve-se interpretar uma cláusula pelas outras contidas no ato, quer elas a precedam, quer a sigam.
21. Dessa forma, tem-se como única interpretação possível quanto ao papel de cada parte no contrato: a empresa estrangeira, proprietária dos bens, é a locadora, e o Consulente é o locatário.
22. Superada essa questão, depreende-se que por liberalidade das partes o instrumento formalmente eleito para o negócio jurídico foi o contrato de locação. Materialmente, o que também se apresenta é mera locação de bens móveis. Não consta do corpo do instrumento, cláusula que conceda ao locatário a opção de adquirir os bens pelo valor residual, ao fim do acordo.
23. Nessa linha de raciocínio, é notório o conhecimento que é vedado alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado. Isso encontra amparo no Código Tributário Nacional - CTN , Lei Complementar Federal nº 5.172 de 25 de outubro de 1966:
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal , pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
24. Ora, se o termo locação foi utilizado por todo o contrato e, de fato, a vontade das partes foi celebrar exatamente esse tipo de convenção, não se apresenta razoável atribuir ao instrumento submetido à análise outros efeitos que não lhe sejam próprios, tal como pretendido pelo Consulente, a fim de equipará-lo ao contrato de leasing ou arrendamento mercantil, mesmo porque tal prática está vedada pelo CTN.
25. A operação de leasing ou arrendamento mercantil invocada, embora contenha aspectos semelhantes com o da locação, com esta não se confunde.
26. Sem a pretensão de exaurir as possíveis diferenças entre esses instrumentos contratuais, pode-se afirmar que, nos contratos de locação, o prazo pode ser determinado ou indeterminado, podendo assim se perpetuar no tempo. Não se exige ter nesses instrumentos a opção de compra ao final da locação e, por consequência, não se exige, previamente, o critério para fixação desse valor. É um contrato típico previsto no art. 565 e outros do Código Civil.
27. A Lei nº 6.099 , de 12 de setembro de 1974, tipifica como espécie de instrumento contratual as operações de arrendamento, também conhecidas por leasing. Dela constam alguns requisitos para que a operação formalmente seja considerada como arrendamento mercantil. Destacam-se as seguintes regras:
Art. 1º O tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil reger-se-á pelas disposições desta Lei.
Parágrafo único. Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.
(.....)
Art. 5º Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes disposições:
a) prazo do contrato;
b) valor de cada contraprestação por períodos determinados, não superiores a um semestre;
c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário;
d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta cláusula.
28. É de se notar, o contrato referente ao caso concreto não possui a cláusula de opção de compra dos bens, como opção para o suposto arrendatário. Nas palavras do eminente Ministro do STJ Milton Pereira, em seu voto vista no Recurso Especial nº 7.234-SP (RSSTJ, a.4, (10):91-155 julho 2010) tem-se que:
O elemento essencial da caracterização do leasing é a faculdade, reservada ao arrendatário, de adquirir no fim do contrato os bens que alugou. Se não existe, o contrato não é de leasing.
29. Evoluindo na análise desse ponto, é certo que o contrato de leasing ou arrendamento mercantil engloba três tipos de contratos: o contrato de locação, o contrato de compra e venda e até mesmo contrato de financiamento. Nesse sentido, fica claro que qualquer um destes três últimos não se confunde com aquele. Se o amplo abarca o restrito, o inverso não pode ser possível; isso é uma premissa lógica.
30. Enfim, a situação de fato e de direito envolve um contrato de locação nominado e típico, para o qual não se admite transmutação em contrato de leasing ou arrendamento mercantil, também nominado e típico, exclusivamente para afastar a incidência do ICMS legalmente previsto para a hipótese.
III - Resposta
31. Diante do exposto resume-se a resposta o Consulente:
No desembaraço aduaneiro decorrente do contrato caracterizado formalmente e materialmente como locação ou aluguel de equipamentos, conforme apresentado, haverá incidência de ICMS na operação,nos termos do parágrafo 1º do art. 2º do RICMS e dos demais dispositivos legais que regem o fato.
32. Nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 20 11 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal - RPAF), a presente Consulta é eficaz, aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.
À consideração de V.S.ª
Brasília/DF, 16 novembro de 2016.
GERALDO MARCELO SOUSA
Auditor Fiscal da Receita do Distrito Federal
Mat. 109.188-3
À Coordenadora de Tributação da COTRI.
De acordo.
Encaminhamos à aprovação desta Coordenação o Parecer supra.
Brasília/DF, 22 de novembro de 2016.
ANTONIO BARBOSA JÚNIOR
Coordenação de Tributação
Assesssor
Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea a do inciso I do art. 1º da Ordem de Serviço nº 86, de 4 de dezembro de 2015 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 233, de 7 de dezembro de 2015).
A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.
Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o art. 78, II, combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011.
Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do artigo 89 do Decreto nº 35.565 , de 25 de junho de 2014.
Brasília/DF, 23 de novembro de 2016.
MÁRCIA WANZOFF ROBALINHO CAVALCANTI
Coordenação de Tributação Coordenadora