Solução de Consulta COPAT nº 5 DE 04/01/2024

Norma Estadual - Santa Catarina - Publicado no DOE em 04 jan 2024

ITCMD CAUSA MORTIS: 1. Inventariante tem legitimidade para efetuar a declaração do imposto devido. 2. O termo inicial da contagem do prazo decadencial para constituição do crédito tributário é o momento da ocorrência do fato gerador, que na hipótese de transmissão causa mortis se dá no trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha. 3. O termo inicial do prazo prescricional para pedido de restituição de indébito tributário é a data do pagamento indevido. 4. A base de cálculo do imposto é o montante líquido do quinhão transmitido ao herdeiro.

DA CONSULTA

Narra o consulente que há conflito entre inventariante e demais herdeiros em processo de inventário e partilha judicial. Assim, questiona:

a. O inventariante possui legitimidade legal para, sem procuração, entregar DIEF ITCMD em nome dos herdeiros?

b. Qual o momento de apuração do ITCMD e, por consequência, de entrega da DIEF ITCMD?

c. É correto apurar o ITCMD em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença que homologa a partilha, quando há apelação com efeito suspensivo impugnando- a?

d. Se o momento adequado para apuração do ITCMD for antes do trânsito em julgado, qual o procedimento de readequação e restituição ou complementação do valor inicialmente apurado, inclusive quanto ao prazo prescricional, caso haja modificação posterior do plano de partilha pelo acórdão?

e. Quando há dívidas do autor da herança e não houve reserva financeira no inventário, como deve ser operacionalizada a base de cálculo do ITCMD a fim de considerar, na transmissão, o valor líquido a ser transferido aos herdeiros?

f. Neste caso, qual o procedimento de cálculo a ser efetuado a fim de considerar as dívidas do espólio na mensuração dos bens e direitos transmitidos?

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.

É o relatório, passo à análise.

LEGISLAÇÃO

Lei 13.136, de 25 de novembro de 2004, art. 2º.

Lei 13.105, de 16 de março de 2015, arts. 75, VII; 617; 618; 619; 637; 638; 642 e 654.

Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, arts. 115; 116; 1.784; 1.991 e 1.997.

Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, arts. 134; 135; 168 e 197. RITCMD/SC, art. 12, §3º.

FUNDAMENTAÇÃO

Em relação à legitimidade do inventariante, temos que o substituto processual do de cujus é seu espólio, e de acordo com a regra prevista no artigo 75, inciso VII, do Código de Processo Civil, seu representante legal é o inventariante, de modo que somente ele é parte legítima para representar o espólio em juízo, ativa e passivamente.

O artigo 115 do Código Civil define que “os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado”.

Nesse sentido, o artigo 617 do CPC traz o rol das pessoas que poderão ser nomeadas pelo Juiz como inventariante, para, logo no artigo seguinte, elencar os poderes conferidos ao escolhido, dos quais, destaca-se:

Art. 618. Incumbe ao inventariante:

I - representar o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, observando-se, quanto ao dativo, o disposto no art. 75, § 1º ;

Art. 619. Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz:

III - pagar dívidas do espólio;

Retornando, então, ao Código Civil, temos que “desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante (artigo 1.991)” e que “a manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado (artigo 116)”.

O Código Tributário Nacional atribui, por sua vez, responsabilidade tributária ao inventariante nos seguintes termos:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

II - os mandatários, prepostos e empregados;

Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:

V - os inventariantes;

Pelo exposto, e em súmula parcial, a legislação pátria privada, processual e tributária, atribui a representação judicial e administrativa do espólio à figura do inventariante, incluindo, aí, o poder de efetuar as declarações tributárias junto à Administração Fazendária necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias, principal e acessória, incidentes sobre a transmissão causa mortis.

No que toca ao momento adequado para o cálculo e recolhimento do ITCMD, bem como o termo inicial do prazo decadencial para constituição do crédito tributário e do prazo prescricional para pedido de restituição de indébito tributário deve-se entender que a hipótese de incidência tributária é a descrição abstrata contida na regra matriz de incidência tributária de fato juridicamente relevante para a incidência tributária, enquanto o fato gerador é a ocorrência no mundo fenomênico dos fatos da hipótese abstratamente prevista em lei.

A regra matriz de incidência tributária é didaticamente dividida entre critérios: material, espacial, temporal, pessoa e quantitativo. Somente ocorre a subsunção do fato à norma quando todos os critérios definidos como necessários e suficientes da regra matriz estão completos.

Pois bem, o óbito do autor da herança é fato necessário, mas não suficiente à incidência da regra matriz. É que o óbito diz respeito tão somente ao critério material da regra matriz. A confusão emerge da errônea compreensão do droit de saisine, previsto no artigo 1.784 do Código Civil que diz: “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

Neste momento da abertura da sucessão, a herança se transmite como um todo aos herdeiros, mas essa transmissão não é suficiente para a incidência da regra matriz. Há que se definir, em momento oportuno no procedimento de inventariança e partilha, quais bens de cujus sucessione agitur serão transmitidos aos herdeiros, aos legatários, ao pagamento da meação, quais dívidas oneram o patrimônio (definição do critério quantitativo), quantos e quem são os herdeiros e legatários (definição da sujeição passiva no critério pessoal), qual a localização bens móveis e imóveis (definição do critério espacial e da sujeição ativa no critério pessoal).

Portanto, a regra matriz somente estará perfectibilizada e incidirá no momento em que ocorre o trânsito em julgado do processo de partilha, com a consequente expedição do formal de partilha quando todos os critérios necessários e suficientes à sua incidência estarão completos e definidos. Esse é o momento da ocorrência do fato gerador do imposto sobre transmissão causa mortis, conforme já decidiu o Tribunal Superior:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. ARROLAMENTO. HOMOLOGAÇÃO DA PARTILHA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO. ART. 173, I, DO CTN. ... 5. O regime do ITCMD revela, portanto, que apenas com a prolação da sentença de homologação da partilha é possível identificar perfeitamente os aspectos material, pessoal e quantitativo da hipótese normativa, tornando possível a realização do lançamento (AgRg no REsp 1.274.227/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 13/4/2012).

Não por outro motivo o mesmo E. Superior Tribunal de Justiça assim decidiu:

ITCMD. DECADÊNCIA. SENTENÇA QUE HOMOLOGA A PARTILHA. TRÂNSITO EM JULGADO. TERMO INICIAL.

1. Esta Corte superior firmou o entendimento segundo o qual o “prazo decadencial, nos casos de ITCMD, tem início a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquela em que ocorreu o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, que seria a data em que o lançamento poderia ter ocorrido” (AgInt no AREsp 1.473.610/PR, rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 08/06/2020, DJe 15/06/2020).

2. Consolidou-se, ainda, na jurisprudência do STJ que “a circunstância de o fato gerador ser ou não do conhecimento da administração tributária não foi erigida como marco inicial do prazo decadencial, nos termos do que preceitua o Código Tributário Nacional, não cabnendo ao intérprete assim estabelecer” (AgRg no REsp 577.899/PR, rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13/05/2008, DJe 21/05/2008)

Como visto, o prazo decadencial para constituição do crédito tributário somente se inicia no momento da ocorrência do fato gerador que se dá com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha e a expedição do formal de partilha.

Note-se, no entanto, que é próprio do direito criar realidades.

Por se tratar de imposto sujeito ao lançamento por homologação, o sujeito passivo, por força de determinação da legislação processual, efetua o cálculo do ITCMD devido ao final do processo de inventariança (artigos 637 e 638 do CPC) e efetua o recolhimento do imposto como condição sine qua nom para o julgamento por sentença da partilha (artigo 654 do CPC), ou seja, efetua o cálculo e o recolhimento do imposto em momento anterior ao da ocorrência do fato gerador.

Trata-se de antecipação tributária legalmente prevista. O E. Supremo Tribunal Federal em tese de repercussão geral (Tema 456) firmada pelo seu Plenário no Recurso Extraordinário num. 598677, em sessão virtual encerrada em 26.03.2015, definiu a constitucionalidade do instituto, desde que a antecipação esteja prevista em lei:

"A antecipação, sem substituição tributária, do pagamento do ICMS para momento anterior à ocorrência do fato gerador necessita de lei em sentido estrito. A substituição tributária progressiva do ICMS reclama previsão em lei complementar federal".

Dada a obrigação de antecipação tributária criada por lei, havendo alterações nos quinhões, herdeiros ou bens sucedidos, o sujeito passivo deverá proceder conforme disposto no §3º do artigo 12 do regulamento do ITCMD catarinense:

Art. 12. O imposto será calculado e recolhido pelo próprio sujeito passivo, que prestará as informações relativas ao imposto e efetuará o cálculo do valor devido por intermédio da Declaração de Informações Econômico-Fiscais do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - DIEF-ITCMD, gerada por aplicativo específico disponibilizado pela Secretaria de Estado da Fazenda, via Internet.

§ 3º A alteração das informações contidas na DIEF-ITCMD cujo imposto declarado já tenha sido objeto de recolhimento integral, ou parcial no caso de parcelamento, ou cuja imunidade ou isenção tenha sido reconhecida, deverá constar em DIEF-ITCMD retificadora, que observará o seguinte:

I - se as alterações implicarem valor do imposto superior ao declarado inicialmente, será gerado DARE-SC complementar;

II - se as alterações implicarem valor do imposto inferior ao declarado inicialmente, caberá ao sujeito passivo requerer restituição da parcela indevida, observado o disposto no art. 18.

Verificando-se que houve recolhimento indevido do ITCMD, o sujeito passivo terá o prazo prescricional de 05 (cinco) anos contados da data do pagamento para requerer a restituição do indébito tributário, conforme artigo 168 do Código Tributário Nacional.

Por fim, note-se que o ITCMD incide sobre a transmissão causa mortis de bens ou direitos do de cujus aos seus herdeiros e legatários, conforme artigo 2º da Lei num. 13.136/04. Ora, conforme artigo 1997 do Código Civil, as dívidas do de cujus são suportadas pela herança, transmitindo-se aos herdeiros somente o patrimônio já líquido das dívidas:

Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube. Essa, inclusive é vetusta orientação da Corte Suprema:

“IMPOSTO DE TRANSMISSÃO 'CAUSA MORTIS'.

INCIDE SOBRE O MONTANTE LÍQUIDO DA HERANÇA, SENDO LÍCITO ABATER DO CÁLCULO AS DESPESAS FUNERÁRIAS PREVISTAS NO ART. 1.797 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE QUE SE CONHECE PELA LETRA 'D' DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL, PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO” (RE nº 109.416, Primeira Turma, Relator o Ministro Octavio Gallottti, DJ de 7/8/87).

Da fundamentação do voto do eminente Ministro Relator, destaque-se a seguinte lição do mestre Aliomar Baleeiro:

“... exigido outrora sobre a herança bruta, hoje segue critério mais racional: base sobre o valor líquido dos quinhões e legados. Esse critério veio a coincidir com a tendência a considerar-se tal imposto como tributo de caráter direto e pessoal sobre o herdeiro, e não o imposto real sobre o monte ou espólio”.

No mesmo sentido, porém em decisão mais recente, o mesmo E. STF assim decidiu:

“ITCMD. Base de cálculo. Vedação às deduções do montante partilhável. Alegação de que a tributação sobre o valor integral desse montante não teria caráter confiscatório. Ofensa meramente reflexa.

1. A conformação do critério quantitativo, da forma elastecida adotada pela lei estadual, com a definição de base de cálculo que se extrai da norma geral, é questão prejudicial à conclusão pelo reconhecimento do caráter confiscatório. Resta, assim, evidenciado, tratar-se de contencioso de mera legalidade.

2. Mesmo se restasse superada a questão de a ofensa ser de ordem infralegal, cumpre observar que a vedação das deduções deforma a regra matriz de incidência do imposto, fazendo incidir tributo onde não há base imponível” (AI num.733976 AgR. P. 06.02.2013).”

Do voto do I. relator Dias Toffoli menciona-se:

“Ao vedar as deduções, a lei estadual impede a tributação sobre a transmissão do patrimônio líquido (quantum efetivamente transmitido) e assim deforma a regra matriz de incidência. Não foi por outro motivo que esta Corte já se posicionou no sentido de que a base de cálculo é o montante líquido da herança”.

Assim, conforme artigo 642 e seguintes do CPC, quando da apresentação do plano de partilha, as dívidas que oneram o espólio já devem ter sido inventariadas e deduzidas do quinhão dos herdeiros, devendo ser oferecida à tributação pelo ITCMD na DIEF somente o patrimônio líquido efetivamente transmitido aos herdeiros e legatários.

RESPOSTA

Pelo exposto, responda-se ao consulente que (i) o inventariante possui legitimidade para apresentar junto à Administração Tributária a DIEF ITCMD, (ii) o termo inicial do prazo decadencial para constituição do crédito tributário passa a correr no momento que ocorre o fato gerador do imposto, que na hipótese de transmissão causa mortis se dá no trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha com a expedição do devido formal, (iii) o termo inicial do prazo prescricional para apresentação de pedido de repetição de indébito tributário é a data do pagamento indevido e que (iv) a base de cálculo do imposto é o quinhão líquido transmitido ao herdeiro ou legatário.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.

PAULO VINICIUS SAMPAIO

AUDITOR FISCAL DA RECEITA ESTADUAL - Matrícula: 9507191

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 14/12/2023.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Responsáveis

Nome Cargo
DANIELLE KRISTINA DOS ANJOS NEVES Presidente COPAT
FABIANO BRITO QUEIROZ DE OLIVEIRA Gerente de Tributação
NEWTON GONÇALVES DE SOUZA Presidente do TAT
BERNARDO FRECHIANI LARA MACIEL Secretário(a) Executivo(a)