Solução de Consulta COTRI nº 9 DE 29/11/2019

Norma Estadual - Distrito Federal - Publicado no DOE em 17 dez 2019

Processo: 00040-00017515/2019-18

ICMS. Alíquota de 4% para o ICMS nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior e constituição de créditos outorgados de que trata o Decreto nº 39.753/2019 , frente ao Convênio ICMS 123/2012 . Ausência de autoaplicabilidade do referido convênio. - Venda para mineradoras; não existência de vedação normativa.

Enquanto perdurar a situação legislativa atual, não se aplica a vedação prevista no Convênio ICMS 123 , de 7 de novembro de 2012, de utilização de benefício fiscal, anteriormente concedido, na operação interestadual com bens e mercadorias importados do exterior, sujeitos à alíquota de 4% prevista na Resolução do Senado Federal nº 13, de 25 de abril de 2012.

Não existe óbice a que sejam feitas vendas para mineradoras, nos ternos do Decreto nº 39.753 , de 02 de abril de 2019, de máquinas, equipamentos, partes e peças.

I - Relatório

1. Pessoa jurídica de direito privado, estabelecida neste Distrito Federal, registrada no CF/DF com atividade principal de "comércio atacadista de máquinas, equipamentos para terraplenagem, mineração e construção; partes e peças", formula Consulta envolvendo o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Sobre a Prestação de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).

2. O Consulente informa que as mercadorias por ele comercializadas tem origem importada, e que a empresa realiza 95% das vendas totais para grandes mineradoras estabelecidas fora do Distrito Federal e que iram utilizar a mercadoria como insumos para a produção e industrialização.

3. O consulente cita: o art. 2º do Decreto nº 39.753, 02 de abril de 2019, de 4 de março de 2016, que prevê a constituição de créditos outorgados, para efeito de compensação com o ICMS devido, para o contribuinte comerciante atacadista, em valor equivalente ao percentual de 3%, na saída interestadual que destine mercadoria para comercialização, produção ou industrialização; bem como a Resolução do Senado Federal nº 13, de 2012, que estabeleceu a alíquota de 4% para o ICMS nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior; e ainda o Convênio ICMS 123 , de 7 de novembro de 2012, que dispõe sobre a não aplicação de benefícios fiscais de ICMS na operação interestadual com bens ou mercadorias submetidos à tributação prevista na Resolução do Senado Federal nº 13/2012.

4. Postula solução de dúvida assim expressa, in verbis:

1. A empresa nas suas vendas interestaduais de produtos importados poderá constituir o crédito outorgado de 3%?

2. Caso positivo o item "a", nas vendas interestaduais para mineradoras, contribuintes do ICMS, que iram utilizar as mercadorias e produtos como insumos, que são essenciais para a produção e industrialização, se enquadram nas exigências do art. 2º do Decreto nº 39.753/2019

II - Análise

5. O Convênio ICMS 123 , de 7 de novembro de 2012, estabelece que na operação interestadual com bens e mercadorias importados do exterior, sujeitos à alíquota de 4% prevista na Resolução do Senado Federal nº 13, de 25 de abril de 2012, não se aplica benefício fiscal, anteriormente concedido, exceto nas situações nele especificadas.

6. A aplicação do disposto no referido Convênio representa uma diminuição de benefício fiscal, na medida em que este passa a ter um limitador, a saber, não poder ser usado nas citadas operações interestaduais.

7. O Supremo Tribunal Federal alterando jurisprudência anterior passou a entender que a diminuição ou eliminação de benefício fiscal representa aumento de tributo.

8. Em relação ao tema trazemos à colação enxerto de Leandro Pausen, em Curso de Direito Tributário Completo/Leandro Paulsen. - 8.ed. - São Paulo: Saraiva, 2017:

Quanto à necessidade, ou não, de a revogação e a redução de benefício fiscal observarem a anterioridade, a análise jurisprudencial aponta para a ausência de uma posição firme do STF. Nos últimos anos, houve decisões no sentido de que poderiam ser imediatamente suprimidos ou reduzidos isenções, créditos presumidos, compensações de prejuízos e descontos para pagamento antecipado. Em 2013, por exemplo, a Segunda Turma decidiu que: "A suspensão de benefício tributário pode ser realizada a qualquer momento - sendo inaplicável o princípio da anterioridade -, e por medida provisória, ainda que verse sobre vários temas". Esta posição sempre nos pareceu em desconformidade com a promoção da segurança jurídica que a anterioridade visa garantir, pois a supressão de benefícios fiscais aumenta a carga tributária a que o contribuinte está sujeito. Entendemos que deve ser reconhecido ao contribuinte o direito ao seu conhecimento antecipado, finalidade das regras dos arts. 150, III, b e c, e 195, § 6º, da Constituição. Ademais, o art. 104, III, do CTN determina a aplicação da anterioridade à extinção ou redução de isenções, norma esta que consideramos meramente interpretativa. Mais recentemente, em 2014, no RE 564.225 AgR, o STF passou a decidir pela afirmação da garantia constitucional, entendendo que "Promovido aumento indireto do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas b e c do inciso III do artigo 150, da Carta". Neste feito, o ministrorelator relembrou o julgamento, no mesmo sentido, da ADIMC 2.325, ainda em 2004, quando o tribunal reconhecera, por unanimidade, a necessidade de observância da anterioridade quando da redução de benefício fiscal relativo ao aproveitamento de créditos. Na oportunidade, também relator o Ministro Marco Aurélio, já fora afirmado com muita propriedade no voto condutor, acerca do dispositivo que consagra a anterioridade de exercício: "há de emprestar-se eficácia ao que nele se contém, independentemente da forma utilizada para majorar-se certo tributo. O preceito constitucional não especifica o modo de implementar-se o aumento. Vale dizer que toda modificação legislativa que, de maneira direta ou indireta, implicar carga tributária maior há de ter eficácia no ano subsequente àquele no qual veio a ser feita".

9. Mais recentemente, em julgado de 08.05.2018, a Primeira Turma do STF, no AG. REG. no Recurso Extraordinário 1.014.747 Rio Grande do Sul, decidiu no mesmo sentido, conforme enxerto da ementa de seu acórdão:

REINTEGRA - DECRETOS Nº 8.415 E Nº 8.543, DE 2015 - BENEFÍCIO - REDUÇÃO DO PERCENTUAL - ANTERIORIDADE - PRECEDENTES. Promovido aumento indireto de tributo mediante redução da alíquota de incentivo do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras - REINTEGRA, cumpre observar o princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas "b" e "c" do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal.

Precedente: medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.325/DF, Pleno, relator ministro Marco Aurélio, acórdão publicado no Diário da Justiça de 6 de outubro de 2006.

10. Transcrevemos trecho do voto do Ministro Marco Aurélio, relator do citado agravo:

2. A decisão impugnada está em consonância com o entendimento do Supremo. Os atos infralegais implicaram aumento indireto do imposto, porquanto revelaram redução de benefício fiscal vigente, devendo ser observado, também nesses casos, o princípio da anterioridade. Essa foi a óptica adotada pelo Tribunal no julgamento da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.325/DF, de minha relatoria, envolvida lei complementar que postergou a utilização de créditos tributários então permitidos.

Neste mesmo sentido, cito ainda precedente da Primeira Turma:

IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - DECRETOS Nº 39.596 E Nº 39.697, DE 1999, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL - PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE - DEVER DE OBSERVÂNCIA - PRECEDENTES.

Promovido aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas "b" e "c" do inciso III do artigo 150, da Carta. Precedente - Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.325/DF, de minha relatoria, julgada em 23 de setembro de 2004.

11. Existe expressa disposição constitucional de que aumento de tributo deve ser feito por lei, verbis: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

12. Da mesma forma, o Código Tributário Nacional dispõe:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

II - a majoração de tributos ou sua redução, ressalvado o disposto no arts. 21, 26, 39, 57 e 65;

13. Convênio não é lei em sentido estrito e a sua produção de efeitos, quando trata de benefícios fiscais, depende de sua aprovação mediante ato do Poder Legislativo

14. Neste sentido, confira-se enxerto de voto da Ministra ELIANA CALMON, no RESP 556.287/RN:

"Ocorre que o convênio não é capaz de conceder ou retirar favor de ninguém, porque o ato que determina efetivamente a outorga é o decreto legislativo pelo qual é aprovado o convênio." (grifo nosso)

15. Compulsando no sítio da Câmera Legislativa do Distrito Federal todos os decretos legislativos editados a partir de 2012, verificamos que nenhum deles homologou o referido Convênio ICMS 123 , de 7 de novembro de 2012.

16. No Distrito Federal a alíquota de 4% nas operações de que se cuida foi estabelecida pela Lei nº 5.099 , de 29 de abril de 2013, e pelo Decreto nº 37.122 , de 16 de fevereiro de 2016. As citadas normas, que foram editadas após o convênio em comento, em particular o referido decreto que data do ano de 2016, nada falam sobre proibição de aplicação de qualquer benefício fiscal nas referidas operações interestaduais.

17. O administrador deve presumir a validade e eficácia da norma, a menos que, por exemplo, exista clara jurisprudência apontando em sentido contrário, o que, até onde temos conhecimento, não ocorre na situação em comento.

18. Existem, nos tribunais superiores, diversos julgados tratando da questão da observância ou não da anterioridade em diminuição ou supressão de benefício fiscal, mas não localizamos nenhum que verse sobre diminuição ou supressão de benefício fiscal prevista por convênio do CONFAZ e ainda não internalizado por ato do legislativo.

19. Cumpre pontuar que, em 31 de julho de 2019, foi publicada a Instrução Normativa nº 12, que "Institui normas complementares para a fruição do benefício fiscal da outorga de créditos prevista no Decreto nº 39.753 , de 02 de abril de 2019".

20. Dentre as restrições trazidas pela referida Instrução Normativa para a utilização do benefício de que trata o aludido Decreto nº 39.753 , de 02 de abril de 2019, não se incluem as operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, sujeitos à alíquota de 4% prevista na Resolução do Senado Federal nº 13, de 25 de abril de 2012.

21. Diante do exposto, enquanto perdurar a situação legislativa atual, não se aplica a vedação prevista no Convênio ICMS 123 , de 7 de novembro de 2012, de utilização de benefício fiscal, anteriormente concedido, na operação interestadual com bens e mercadorias importados do exterior, sujeitos à alíquota de 4% prevista na Resolução do Senado Federal nº 13, de 25 de abril de 2012.

22. Passamos agora a analisar a questão das vendas para empresas mineradoras, tema da segunda pergunta do consulente.

23. De início pontuamos que o art. 2º do Decreto nº 39.753 , de 02 de abril de 2019, prevê créditos outorgados para efeito de compensação com o ICMS relativamente à saída interestadual que destine mercadoria para comercialização, produção ou industrialização".

24. A venda para mineradoras de máquinas, equipamentos, partes e peças enquadra-se nas saídas para produção, estando albergada pelo citado artigo.

25. Aprofundando na matéria, o aludido artigo exige que a venda seja feita por contribuinte comerciante atacadista.

26. A atividade econômica de um estabelecimento deve ser definida de acordo com os critérios estabelecidos na Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE.

27. Conforme subitem 1.2 do documento denominado "Introdução à Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE Versão 2.0 - Subclasses para uso da administração pública" (disponível no site http://concla.ibge.gov.br/documentacao/documentacao-cnae-2-0.html) "O IBGE é o órgão gestor da CNAE, responsável pela documentação da classificação, desenvolvimento dos instrumentos de apoio, disseminação e atendimento aos usuários sobre a aplicação da classificação" e "Nas questões relativas às subclasses de uso da Administração Pública, o IBGE opera em regime de cogestão com a Subcomissão Técnica, instituída em caráter permanente no âmbito da Concla em junho de 1998, com atribuição de atualização, disseminação e orientação da adoção da classificação padronizada", pontuando que a referida comissão "é composta por representantes das três esferas de governo, sob a coordenação da Secretaria da Receita Federal do Brasil" e que atualmente denomina-se "Subcomissão Técnica para a CNAE Subclasses (Resolução Concla 02/2007 de 06.05.2007)."

28. O subitem "1.13 Instrumentos e mecanismos de apoio", do documento citado, apresenta como "instrumentos e mecanismos de apoio à atribuição do código das subclasses CNAE 2.0" o "Manual de orientação da codificação em subclasses CNAE e instrumentos complementares" (disponível para para download no endereço http://www.ibge.gov.br/concla), o qual em seu subitem "1.5.1.3 Comércio por Atacado" (página 22), dispõe: (grifo nosso)

"Compreendem as atividades de revenda de mercadorias de origem agropecuária, extrativa ou industrial, em qualquer nível de processamento (em bruto, beneficiadas, semi-elaboradas e prontas para uso) e em qualquer quantidade, predominantemente para varejistas, para outros atacadistas, para agentes produtores em geral, empresariais, institucionais e profissionais. Os clientes, portanto, do comércio atacadista são, predominantemente, pessoas jurídicas, estabelecimentos agropecuários e profissionais autônomos, independentemente da quantidade comercializada. O comércio atacadista compreende, também, as manipulações habituais desta atividade, tais como: montagem, classificação e agrupamento de produtos em grande escala, acondicionamento e envasamento, redistribuição em recipientes de menor escala, quando realizados por conta própria. Incluem-se nesta divisão os comerciantes de máquinas e equipamentos em geral, de máquinas agrícolas e equipamentos pesados. Também são classificados nesta divisão as vendas praticadas aos condomínios de edifícios, por exemplo: - venda de peças de elevadores para condomínios; - venda de materiais de limpeza para condomínios. Os comerciantes deste segmento são conhecidos sob diversos nomes segundo as ligações que mantêm com os fornecedores ou os clientes, ou segundo o método de distribuição que empregam. Podem chamar-se, por exemplo, importadores, exportadores, atacadistas, distribuidores por atacado, concessionários, comerciantes de importação e exportação, central de compras, cooperativas de mercadorias e atacadistas de uma determinada categoria.

A repartição dos estabelecimentos atacadistas em grupos (9), classes (52) e subclasses CNAE (119) baseia-se na gama de produtos vendidos." (grifo nosso)

29. Do acima relatado, fica claro que a venda de máquinas e equipamentos para mineradoras classificase como atividade atacadista.

30. Diante do exposto, não existe óbice a que sejam feitas vendas para mineradoras, nos ternos do Decreto nº 39.753/2019 , de máquinas, equipamentos, partes e peças.

III - Resposta

31. Diante do exposto, segue resposta às indagações apresentadas:

Enquanto perdurar a situação legislativa atual, não se aplica a vedação prevista no Convênio ICMS 123 , de 7 de novembro de 2012, de utilização de benefício fiscal, anteriormente concedido, na operação interestadual com bens e mercadorias importados do exterior, sujeitos à alíquota de 4% prevista na Resolução do Senado Federal nº 13, de 25 de abril de 2012.

Não existe óbice a que sejam feitas vendas para mineradoras, nos ternos do Decreto nº 39.753 , de 2 de abril de 2019, de máquinas, equipamentos, partes e peças.

32. Nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal - RPAF), a presente Consulta é eficaz, aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.

Ao Coordenador de Tributação da COTRI.

Encaminhamos à consideração.

Brasília/DF, 29 de novembro de 2019.

LEMUEL MARTINS DE CASTRO

Auditor Fiscal da Receita

Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea a do inciso I do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 1, de 10 de janeiro de 2018 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 8, de 11 de janeiro de 2018, pp. 5 e 6).

A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.

Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o art. 78, II, combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011.

Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do artigo 89 do Decreto nº 35.565 , de 25 de junho de 2014.

Brasília/DF, 3 de dezembro de 2019.

JORGE ERNANI MARINHO SANTOS

Coordenação de Tributação Coordenador