Consulta nº 127 DE 17/12/2013

Norma Estadual - Paraná - Publicado no DOE em 17 dez 2013

ICMS. CRÉDITO. MATERIAL DE USO OU CONSUMO. IMPOSSIBILIDADE

A consulente, cadastrada na atividade de fabricação de instrumentos não eletrônicos e utensílios para uso médico, cirúrgico, odontológico e de laboratório, informa que dentre os produtos fabricados destacam-se seringas e tubos para coleta de exames, dosadores orais e agulhas.

Informa que o processo industrial abrange a moldagem, montagem, embalagem primária, embalagem de transporte e esterilização, sendo que somente após a conclusão dessa última etapa é que se obtém o produto final.

Esclarece que durante o processo produtivo faz uso de diversos materiais que se inutilizam totalmente quando do contato direto com os produtos finais fabricados, sem contudo se integrarem a eles. Tais materiais se desgastam em pouco tempo e necessitam de troca imediata, de forma a não prejudicar a segurança e qualidade dos produtos finais, que são destinados ao uso humano, em ambiente médico hospitalar.

Em seus próprios termos, assim descreve os materiais:

1. Borrachas de teste de vazamento: consumidas ao longo da produção das seringas de 5m1, 10m1 e 20m1, possuindo vida útil média de uma semana. As borrachas de teste são acopladas ao equipamento montador das seringas e servem para vedar a seringa no momento do teste, permitindo a detecção de eventual vazamento que deva acarretar o descarte do produto. Ao final de uma semana, aproximadamente, a borracha está completamente desgastada, em razão do atrito e pressão a que fica sujeita durante o processo industrial;

2. Cordões de silicone: consumidos ao longo do processo de produção de agulhas, dosadores orais e seringas, possuindo vida útil média de 90 dias. Os cordões de silicone são utilizados para vedar o blister, que consiste na embalagem primária utilizada nos setores de agulhas, dosadores orais e seringas. A vedação é essencial para garantir a esterilidade do produto final. Após 90 dias de uso, aproximadamente, os cordões de silicone estão desgastados e, portanto, perdem completamente sua utilidade;

3. Lâmina e faca de corte: é desgastada ao longo do processo de embalagem das agulhas, dosadores orais e seringas, possuindo vida útil média de 3 dias. As lâminas e facas de corte são completamente desgastadas em razão de seu contato intenso com o produto final (agulhas, dosadores orais e seringas, já embalados no blister);

4. Faca de corte lisa e faca rotativa lisa: também são desgastadas ao longo do processo de embalagem dos produtos, em razão do atrito e contato intenso com o produto final (agulhas, dosadores orais e seringas, já embalados no blister);

5. Faca fita: é desgastada ao longo do processo de embalagem dos produtos, possuindo vida útil média de 6 a 8 meses. A faca fita é utilizada para cortar em tamanho ideal a fita adesiva utilizada na parte de baixo das caixas que armazenam os produtos finais fabricados pela Consulente (embalagem de transporte);

6. Fitas limpa PAD's: são consumidas ao longo do processo de fabricação das seringas com marcação volumétrica e se inutilizam completamente em 24 a 72 horas, dependendo da intensidade de sua utilização. As seringas com escala de volumetria (marcação dos ml's) são submetidas a um processo de impressão indireto, ou seja, a tinta é aplicada a uma borracha de transferência e, posteriormente, passada para a seringa. Para que o procedimento funcione, é indispensável que a borracha de impressão esteja absolutamente limpa e tal limpeza é executada justamente pela fita limpa, que absorve toda a sujeira presente na borracha de impressão, garantindo a eficiência do processo;

7. Borracha de transferência: é consumida ao longo do processo de fabricação das seringas com marcação volumétrica e possui vida útil média de 24 a 48 horas. Sua danificação completa decorre do atrito com os cilindros de marcação. A borracha de transferência é utilizada no processo de impressão da marcação volumétrica das seringas, conforme descrito no item precedente;

8. Ponta pino do teste de vazamento: é consumida ao longo do processo de fabricação das seringas com capacidade de 3m1. A exemplo das borrachas de teste de vazamento, é consumida durante o teste de vazamento das seringas, cuja finalidade é verificar se as seringas possuem algum vazamento que inviabilize o seu uso. O desgaste da ponta pino ocorre em razão do atrito e da pressão a que ela se sujeita ao longo do processo produtivo;

9. Ventosas: são completamente destruídas após 1 mês de utilização. Elas são utilizadas nas máquinas embaladoras de seringas e dosadores orais e servem para transportar os produtos fabricados, viabilizando a correta colocação destes produtos dentro do blister (embalagem primária).

Sustenta que pelas descrições dos produtos, todas amparadas pelos laudos técnicos que instruem a consulta, são materiais secundários, pois, apesar de não se integrarem ao produto final fabricado, são completamente consumidos no processo de industrialização.

Afirma que não se trata de um consumo extrínseco ao processo de produção, mas sim de um consumo intrínseco, ou seja, os produtos não são simplesmente consumidos durante o processo produtivo, mas sim no processo produtivo e por causa dele. No caso, as borrachas, cordões, lâminas, facas, fitas, pontas pino, ventosas e filme não passam por um simples desgaste decorrente da ação do tempo. Estes produtos detêm vínculo com os próprios produtos finais fabricados e se desgastam por conta deste vínculo.

Assevera que a classificação dos produtos como materiais secundários é reforçado pela orientação contida na Consulta n. 23/2009, em que foi analisado o conceito de material secundário.

Informa que apesar de sua certeza quanto à correção na classificação dos produtos como materiais secundários, não tem se apropriado dos valores originários das aquisições desses produtos.

Posto isso, questiona se está correto:

1. classificar os mencionados produtos como materiais secundários, na acepção definida na resposta à Consulta n. 23/2009 e nos artigos 22 e 23, parágrafos 10 e 11, do Regulamento do ICMS e, consequentemente, ter o direito ao crédito de ICMS originário da aquisição desses produtos.

2. incluir os materiais que se desgastam em contato com as embalagens (primárias ou de transporte) dos produtos fabricados como materiais secundários.

RESPOSTA

Para análise da matéria transcrevem-se os dispositivos do Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto n. 6.080, de 28 de setembro de 2012, que têm vínculo com os questionamentos e, também, excertos da resposta da Consulta n. 23/2009:

Art. 22. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores por este Estado ou por outra unidade federada, apurado por um dos seguintes critérios (art. 23 da Lei n. 11.580/1996):

(...)

Art. 23. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao contribuinte o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação (art. 24 da Lei n. 11.580/1996).

(…)

§ 9º As mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento somente darão direito a crédito quando nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2020 (Lei Complementar n. 138/2010).

§ 10. Para efeitos do disposto no § 9º, entende-se como mercadoria destinada ao uso ou consumo do estabelecimento, a que não seja utilizada na comercialização e a que não seja empregada para integração no produto ou para consumo no respectivo processo de industrialização ou na produção rural.

§ 11. Entende-se por consumo no processo de industrialização ou produção rural a total destruição da mercadoria.

CONSULTA N. 23/2009

Reproduz-se, ainda, os conceitos expendidos pela Decisão Normativa CAT n. 02, de 04.06.82, editada pelo Governo paulista e usualmente invocada por este Setor Consultivo e por inúmeras obras, dentre as quais “Direito Tributário”, de Vittorio Cassone:

(...)

c) Produto secundário - é aquele que, consumido no processo de industrialização, não se integra no novo produto. Exemplos: calcário – CaCO3 (que na indústria de cimento é matéria-prima), na siderurgia é produto secundário, porquanto somente usado para extração das impurezas do minério de ferro, com as quais se transformam em escória e consome-se no processo industrial sem integrar o novo produto; o ferro-gusa, o óleo de linhaça, usado na cerâmica (para o melhor desprendimento da argila na prensa), depois de consumido na queima, não vai integrar o novo produto - telha; qualquer material líquido, usado na indústria de papel que, consumido na operação de secagem, deixe de integrar o novo produto – papel.

Do antes transcrito, depreende-se que o processo de industrialização propriamente dito é entendido como aquele que, desenvolvido sobre a matéria-prima, o material intermediário e o material secundário, os quais são integrados ou consumidos no referido processo, tem como resultado a constituição de um novo produto.

A matéria-prima e o material intermediário, como também o material de embalagem de apresentação, da mesma natureza deste último, são integrados no produto fabricado, enquanto que o material secundário é consumido no processo de fabricação. Há que se distinguir, para tanto, o que é consumido “no processo de industrialização” daquilo que é consumido “durante o processo de industrialização”, porém de maneira extrínseca a ele.

Nesse mesmo sentido, o § 11 do artigo 23 do RICMS/2008, estabelece que a expressão “consumo no processo de industrialização” é determinado pela total destruição do material utilizado nesse processo.

A referida destruição do material, portanto, significa a sua desintegração de maneira imediata e intrínseca no processo, em antagonismo ao mero desgaste ou deterioração de elementos e o seu consumo exterior ao processo de transformação da matéria-prima e de formação do novo produto, como é o caso, por exemplo, do que ocorre na manutenção da linha de produção, com reposição de peças e partes de máquinas e equipamentos que se desgastam durante a fabricação, ou na utilização de materiais que se desintegram e dissipam em contexto espacial ou temporal afastado do que ocorre especificamente com o produto que se industrializa. Estes materiais caracterizam-se, mesmo em ambiente industrial, como o “consumo do estabelecimento” a que se refere o § 9º do mesmo artigo 23 do RICMS/2008.

(…)

Isto posto, passa-se a responder objetivamente as questões.

(…)

Quanto aos gases e varetas para solda, há que se realizar uma distinção, já que quando os respectivos pontos de solda são aplicados, por exemplo, na manutenção de máquinas e equipamentos que compõem o ativo imobilizado da consulente, tratar-se-á de uso e consumo do estabelecimento, não admitindo o crédito.

Todavia, dado o ramo de atividade informado, se os respectivos pontos de solda forem aplicados no produto que está sendo fabricado pela consulente, as varetas de solda submetidas à fusão integrarão o produto final e os gases estarão sendo consumidos no processo industrial, gerando, por consequência, o direito ao crédito.

(...)

Conforme consta na resposta à Consulta n. 23/2009, o Setor Consultivo manifestou seu entendimento no sentido de que a total destruição do material utilizado no processo de industrialização prevista no mencionado § 11 do art. 23 do Regulamento do ICMS significa sua desintegração de maneira imediata e intrínseca no processo, não sendo suficiente o seu desgaste ou deterioração de elementos e o seu consumo exterior ao processo de transformação da matéria-prima e de formação do novo produto.

Assim, conclui-se que o requisito para ser classificado como material secundário é que seja consumido no processo de industrialização, assim se caracterizando a sua destruição no processo.

A descrição e a aplicação dos materiais informados pela consulente permitem concluir que não se consomem no processo produtivo, mas apenas se desgastam em processo extrínseco ao produto, enquadrando-se no conceito de material de uso ou consumo.

Posto isso, responde-se negativamente às indagações da consulente.

A partir da ciência desta, terá a consulente, em observância ao art. 664 do RICMS, o prazo de até quinze dias para adequar os seus procedimentos em conformidade com o que foi aqui esclarecido, caso os tenha praticado diversamente.