Consulta nº 45 DE 24/10/2019
Norma Estadual - Tocantins - Publicado no DOE em 24 out 2019
Quais pessoas são consideradas “consumidor final”, para utilização do benefício fiscal tratado na referida lei? As saídas para pessoa física com Inscrição Estadual (por exemplo, produtor rural e outros), a Consulente poderá utilizar-se do benefício fiscal tratado na referida lei? As saídas para pessoa física sem Inscrição Estadual, a Consulente poderá utilizar-se do benefício fiscal tratado na referida lei? Caso a resposta ao item 3 seja negativa, a ora Consulente poderá efetuar saídas para pessoa física, sem utilizar-se do benefício fiscal tratado na referida lei?
Aduz que atua no ramo de comércio atacadista de pneumáticos e câmaras de ar e que está habilitada a usufruir dos incentivos fiscais da Lei n. 1.201/00.
Considerando os dispostos no art. 2º, IV, “d”, e art. 3º, IV, ambos da Lei n. 1.201/00, interpõe a presente
CONSULTA:
Quais pessoas são consideradas “consumidor final”, para utilização do benefício fiscal tratado na referida lei?
As saídas para pessoa física com Inscrição Estadual (por exemplo, produtor rural e outros), a Consulente poderá utilizar-se do benefício fiscal tratado na referida lei?
As saídas para pessoa física sem Inscrição Estadual, a Consulente poderá utilizar-se do benefício fiscal tratado na referida lei?
Caso a resposta ao item 3 seja negativa, a ora Consulente poderá efetuar saídas para pessoa física, sem utilizar-se do benefício fiscal tratado na referida lei?
RESPOSTA:
Como é cediço, a Lei n. 1.201, de 29 de dezembro de 2000, faculta ao contribuinte com atividade econômica no comércio atacadista, atendidos seus requisitos, à usufruição de crédito fiscal presumido do ICMS.
Dentre as diversas condicionantes para a obtenção do benefício fiscal supra, destaco somente às necessárias ao deslinde da consulta.
Art. 2º. O benefício fiscal previsto nesta Lei:
IV - destina-se a contribuinte que satisfaça, cumulativamente, às exigências a seguir:
*d) não comercializar ao consumidor final, exceto à pessoa jurídica, mais de 10% do faturamento total no ano corrente;
*Alínea “d” com redação determinada pela Lei nº 3.345, de 29/12/2017. Produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018.
d) *d) não comercializar ao consumidor final, exceto à pessoa jurídica, mais de 25% do faturamento total nos exercícios de 2013 e 2014 e de 20% no exercício de 2015 e subseqüentes;
Alínea “d” alterada pela Lei nº 2.712, de 9/05/2013 e restaurada pela Lei nº 2.938, de 23/12/2014.
*V - aplica-se às saídas de mercadorias para consumidor final, pessoa jurídica;
*Inciso V com redação determinada pela Lei nº 3.345, de 29/12/2017. Produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018.
*V – não se aplica às saídas de mercadorias para consumidor final, exceto a pessoa jurídica;
*Inciso V acrescentado pela Lei nº 1350, de 16/12/2002 e com redação determinada pela Lei nº 1.584, de 16/06/2005.
V - não se aplica às saídas de mercadorias para consumidor final.
Nota-se que, enquanto o inciso V do artigo supra determina que se aplica o benefício somente para consumidor final pessoa jurídica, o inciso IV faculta ao comerciante atacadista comercializar mercadorias a consumidor final pessoa física, deste que até 10% de sue faturamento total do ano corrente.
As redações anteriores não permitiam o benefício sobre as vendas a consumidor final pessoa física.
Não bastasse esta contradição, o art. 3º, IV, da lei em tela, com a redação dada pela Lei 3.345, de 29/12/2017, traz em seu bojo que os incentivos fiscais são revogados quando a empresa efetuar vendas a consumidor final pessoa física:
Art. 3º Os incentivos são revogados quando a empresa:
*Caput do art. 3º com redação determinada pela Lei nº 3.345, de 29/12/2017. Produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018.
*IV - efetuar vendas a consumidor final, exceto a pessoa jurídica;
*Inciso IV com redação determinada pela Lei nº 3.345, de 29/12/2017. Produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018.
*IV - efetue vendas a consumidor final utilizando-se dos benefícios desta Lei.
*Inciso IV acrescentado pela Lei nº 1.584, de 16/06/2005 e restaurado pela Lei nº 2.938, de 23/12/2014.
*IV - efetuar vendas a consumidor final utilizando-se dos benefícios previstos nesta Lei; (Inciso IV com redação determinada pela Lei nº 2.697, de 21/12/2012 e revogado pela Lei nº 2.935, de 23/12/2014).
Percebe-se, pois, que a mesma Lei n. 3.345, de 29/12/17 enseja um conflito ao alterar a Lei n. 1.201/00. Enquanto no seu art. 2º, IV, “d”, menciona que a beneficiária fiscal pode comercializar ao consumidor final até 10% de seu faturamento total no ano corrente, o art. 2º, V, dispõe que o benefício se aplica somente ao consumidor final pessoa jurídica e o art. 3º, IV, dispõe que os incentivos fiscais são revogados quando houver vendas a consumidor final pessoa física.
Este conflito é denominado antinomia. Os dicionários da língua portuguesa definem antinomia como antítese, oposição, contradição, contraste.
O estudo das antinomias jurídicas relaciona-se à questão da consistência do ordenamento jurídico, à condição de um ordenamento jurídico não apresentar simultaneamente normas jurídicas que se excluam mutuamente, isto é, que sejam antinômicas entre si, a exemplo de duas normas, em que uma manda e a outra proíbe a mesma conduta.
Como diz Gisele LEITE:
"A antinomia representa fenômeno comum que espelha o conflito entre duas normas, dois princípios, entre uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. É fenômeno situado dentro da estrutura do sistema jurídico que só a terapêutica jurídica pode suprimir a contradição. Apaziguando o direito com a própria realidade de onde emana”.[1]
O ordenamento jurídico deve encerrar um conjunto unitário e ordenado de elementos em função de princípios coerentes e harmônicos. Todavia, não é isso que se constata quando o mesmo apresenta normas cujas antinomias não possam ser resolvidas por nenhum dos critérios apresentados pela doutrina.
E o grande problema de um ordenamento jurídico revelar-se inconsistente ante a existência de antinomias é a dificuldade que causa ao operador jurídico, no momento em que este precisa encontrar uma solução para os problemas que lhe são apresentados. Em algumas ocasiões, a antinomia encontrada pelo operador será considerada aparente porque, ainda que difícil, alguma solução existirá para afastá-la. Em outras ocasiões, no entanto, a remoção da contradição será impossível, porque a antinomia é real, e então a alternativa, na maioria dos casos, será a ab-rogação de uma das normas antinômicas.
Por antinomia jurídica, na lição de Tércio Sampaio FERRAZ JÙNIOR, entende-se "(...) a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado".[2]
Não interessa aqui o estudo das antinomias tratadas genericamente no campo da lógica. Parte-se, portanto, para a análise das antinomias propriamente jurídicas.
Classicamente, é proposta a seguinte classificação de antinomias (sem adentrar no campo da lógica):
a) Antinomias Reais: pressupõem um conflito ou uma colisão entre normas jurídicas, que se excluem reciprocamente, por ser impossível remover a contradição com os critérios existentes no ordenamento jurídico, até mesmo porque esses são conflituosos. Tércio Sampaio FERRAZ JÙNIOR explica que:
“O reconhecimento desta lacuna não exclui a possibilidade de uma solução efetiva, quer por meios ab-rogatórios (edita-se nova norma que opta por uma das normas antinômicas), quer por meio de interpretação equitativa, recurso ao costume, à doutrina, a princípios gerais do direito, entre outros. O fato, porém, de que estas antinomias ditas reais sejam solúveis desta forma não exclui a antinomia, mesmo porque qualquer das soluções, ao nível da decisão judiciária, pode suprimi-la no caso concreto, mas não suprime a sua possibilidade no todo do ordenamento, inclusive no caso de edição de nova norma, que pode por pressuposição, eliminar uma antinomia e, ao mesmo tempo dar origem a outras. O reconhecimento de que há antinomias reais indica, por fim, que o direito não tem o caráter de sistema lógico-matemático, pois sistema pressupõe consistência, o que a presença da antinomia real exclui.[3](negritamos)
b) Antinomias Aparentes: pressupõem a existência de critérios que permitam sua solução. Constatada a existência de antinomias aparentes, cumpre ao operador jurídico conhecer os critérios que podem ser utilizados na solução do impasse ocasionado entre as normas aparentemente incompatíveis, eis que não demonstram verdadeiramente inconsistência do ordenamento jurídico.
No caso concreto, estamos diante de uma antinomia real. É necessário que o Poder Legislativo ab-rogue o dispositivo legal que gera a confusão (a minuta já foi elaborada pela SEFAZ).
Resta-nos, pois, impossível responder as questões perpetradas pela Consulente.
À Consideração Superior.
DTRI/DGT/SEFAZ - Palmas/TO, 24 de outubro de 2019.
Rúbio Moreira
AFRE IV – Mat. 695807-9
De acordo.
José Wagner Pio de Santana
Diretor de Tributação
LEITE, Gisele. Posse, o mais polêmico dos conceitos do Direito Civil. Artigo disponível na Internet, via WWW:URL, no endereço: www.direito.com.br.
2] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 211.
[3] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Obra citada, p. 206.