Resposta à Consulta nº 663 DE 26/09/2008

Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 26 set 2008

ITCMD – Inventariante - Companheira supérstite de união estável – Omissão do Código Civil em seu artigo 1.790 – Filiação híbrida – Impossibilidade de definição do quinhão destinado a cada um dos herdeiros – Excepcionalmente recolhimento da totalidade do imposto pela inventariante por meio de uma única GARE-ITCMD.

1) A Consulente, companheira supérstite de união estável, na qualidade de meeira e inventariante dos bens e direitos do companheiro falecido a 24 de maio de 2007, requereu a abertura do inventário no prazo determinado pelo artigo 983 do Código de Processo Civil (CPC).

2) Relata que "a referida união gerou dois filhos", considerados comuns e herdeiros necessários da sucessão legítima. Além dos referidos filhos bilaterais, o "de cujus" "deixou outras quatro filhas, todas havidas de seu primeiro casamento com a(...), da qual "separou-se legalmente em 25 de abril de 1978". Cita, ainda, que todos os herdeiros reconhecem a união estável havida entre a Consulente e o "de cujus".

3) Informa que foram prestadas as primeiras declarações e "a Fazenda requereu que a inventariante iniciasse o procedimento relativo às declarações do ITCMD, o que foi prontamente atendido".

4) "Entretanto, dita declaração não pôde ser ultimada, em razão de não haver previsão legal para a hipótese ocorrida ‘in casu’, uma vez que se trata de sucessão de companheiro com descendência híbrida", impossibilitando "a ora Consulente de prestar corretamente a declaração do ITCMD, com a necessária individualização dos tributos devidos pelos herdeiros", visto que o novo Código Civil, "em seu artigo 1790, não contemplou a hipótese de sucessão híbrida, ou seja, a de filhos havidos em uniões ou casamentos diferentes".

5) Transcreve em seu relato o disposto no inciso I e § 1º do artigo 2º, o inciso I do artigo 7º e o "caput" do artigo 16 da Lei nº 10.705/2000, bem como, o artigo 1.790 e "caput" do artigo 1.834 do novo Código Civil (CC).

6) Em seguida, tece considerações sobre o artigo 1.790 do CC, deduzindo que:

6.1) "a companheira ou companheiro, além de meeiro, é herdeiro do falecido";

6.2) "a herança se defere apenas no tocante aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável";

6.3) "o quinhão cabente ao companheiro dependerá da classe de herdeiros com quem concorra";

6.4) "se o companheiro herdeiro concorrer com filhos havidos em comum com o falecido, caber-lhe-á uma quota idêntica àquela que couber a cada um de seus filhos";

6.5) "se o companheiro herdeiro concorrer com filhos apenas do falecido, caber-lhe-á uma quota equivalente à metade que couber a cada um daqueles filhos";

6.6) "se o companheiro herdeiro concorrer com quaisquer outros parentes sucessíveis, caber-lhe-á uma quota equivalente a um terço da herança e, finalmente..."

6.7) "não havendo parentes sucessíveis, herdará a totalidade da herança."

7) Ainda em seu relato, reproduz os comentários de doutrinadores a respeito da questão e assinala a dificuldade de delimitar "qual o quinhão ou quota-parte que lhe cabe na condição de herdeira, uma vez que concorre, ao mesmo tempo com dois filhos comuns e com quatro filhas" só do autor da herança. A Consulente argumenta que não consegue determinar "o valor do tributo de responsabilidade de cada herdeiro", a ser calculado pelo sítio do "http://pfe.fazenda.sp.gov.br", já que é requisito do sistema a determinação do "respectivo quinhão cabível a cada uma das partes".

8) Por fim, indaga "como deve calcular o valor da quota-parte e conseqüentemente do ITCMD devido pela Companheira supérstite e de cada um dos herdeiros, levando-se em conta as regras do artigo 1.790", considerando também o princípio da igualdade entre descentes de mesma classe (CC, artigo 1.834).

9) Registra-se, ainda, que não consta das "primeiras declarações", anexadas à consulta, referência ao quinhão de cada herdeiro, mas consta a doação da parcela pertinente à Consulente, na qualidade de herdeira, para três instituições infantis, devidamente identificadas.

10) Preliminarmente, cabe esclarecer que na união estável, a participação do companheiro sobrevivente se dá quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união, na forma estabelecida pelo artigo 1.790 do Código Civil.

11) Todavia, segundo a doutrina, há dificuldade em identificar o quinhão que é devido à companheira supérstite na concorrência sucessória, como assinalado pela Consulente, uma vez que não se reconhece suficiente clareza ao disposto pelo artigo 1.790 do Código Civil, em relação às famílias pluriparentais, que surgem da sucessividade de vínculos afetivos, ensejando a chamada filiação híbrida¹. Isto é, quando há filhos exclusivos do autor da herança e filhos deste com a companheira sobrevivente.

12) Por outro lado, da análise do texto normativo, parece ser aplicável à hipótese o inciso I do art. 1.790 do CC. Isso porque, ocorrendo a situação prevista no inciso I (concorrência com filhos comuns) entende-se de todo afastada a hipótese do inciso II desse mesmo artigo, por não ser possível tratamento desigual entre filhos de mesmo pai. No presente caso, em tese, todos os herdeiros, inclusive a Consulente, devem receber idêntica quota de herança.

(1) HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. "Comentários do Código Civil", ed. Saraiva, 2007, v.20, pg. 236.

13) Entretanto, considerando as inquietações doutrinárias, que propõem soluções "sui generis" para o caso de companheiro sobrevivente concorrendo com filiação "híbrida" e a ausência de previsão legal ou de qualquer indicação pacífica sobre a forma de calcular a parcela hereditária de cada herdeiro nessa situação, entende-se ser de boa cautela aguardar a individualização de cada quinhão no respectivo processo de inventário.

14) Vale lembrar que o artigo 192 do Código Tributário Nacional (CTN) preconiza que: "Nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas". Ou seja, a partilha não se efetiva, judicial ou extrajudicialmente, sem a prova de quitação das obrigações tributárias.

15) Nesse sentido, considerando-se que, "até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível" e que a herança se defere, "como um todo unitário" (art. 1.791, parágrafo único do Código Civil), em princípio, não existe impedimento nas normas do ITCMD para que se calcule e recolha o imposto sobre o valor total da herança, no que se refere à transmissão "causa mortis" (observado o disposto nos artigos 12 e 16 da Lei 10.705/2000).

16) Dessa forma, para dar continuidade ao processo de inventário, diante da excepcionalidade da situação apresentada e para evitar futuros contratempos com eventual redefinição de quotas, a Consulente poderá optar por recolher a totalidade do imposto "causa mortis", calculado sobre o montante transmitido, por meio de uma única Guia de Arrecadação Estadual (GARE-ITCMD) em seu nome, considerando sua situação de inventariante, a ser emitida eletronicamente no endereço do Posto Fiscal Eletrônico: "http://pfe.fazenda.sp.gov.br" (Portaria CAT - 15/2003, artigo 13, §1º).

17) Deparando-se com algum problema operacional relativo ao procedimento de emissão da referida GARE-ITCMD, a Consulente pode procurar o Posto Fiscal pertinente à Comarca de tramitação do processo judicial de inventário, conforme disposto no inciso II do artigo 9º da Portaria CAT – 15/2003.

18) Salienta-se que, após a deliberação da quota-parte de direito destinada a cada um dos herdeiros, caso o recolhimento do imposto seja feito por uma única GARE-ITCMD, a Consulente, inventariante, poderá fazer constar a parte individualizada do imposto correspondente a cada herdeiro, conforme o respectivo quinhão, no próprio processo de inventário.

19) Por fim, as doações mencionadas nas "primeiras declarações" (item 9 desta resposta), no que pertine ao ITCMD, também deverão ser objetos de análise para oportuna definição de incidência do tributo ou de caracterização de hipótese de isenção, conforme o caso.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.