Parecer GEOT nº 139 DE 15/10/2020

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 15 out 2020

ICMS. Não incidência. Remessa de veículos para locação. Alienação posterior ao locatário ou a destinatário diverso do locatário. Tradição simbólica ou real sem retorno físico ao estabelecimento. Arts. 4º, I; 79, I, “m”; 162, III, “b” e 121 do Anexo XII, todos do RCTE-GO.

I - RELATÓRIO

(...) com atividade principal “2910-7/01 Fabricação de automóveis, camionetas e utilitários” e atividade secundária, entre outras, “7711-0/00 Locação de automóveis sem condutor”, estabelecida na (...), solicita esclarecimentos acerca da incidência do ICMS, da emissão de documento fiscal e da necessidade de devolução física do bem, na tradição simbólica ou real de veículos do ativo imobilizado da empresa cedidos sob o regime de locação e posteriormente alienados ao locatário ou a terceiro diverso do locatário.

Informa que seu estabelecimento dedica-se às atividades de fabricação, montagem, desmontagem, comercialização, importação e exportação de veículos automotores, peças, partes, acessórios e equipamentos em geral para veículos automotores, bem como sua blindagem, assistência técnica, locação de veículos automotores sem motorista, além de todas as atividades afins àquelas antes referidas, o treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial, o planejamento, organização e promoção de eventos esportivos, a prestação de serviços de informática e congêneres e a intermediação de negócios.

Esclarece que, na consecução do seu objeto social, cede veículos automotores em locação para pessoas físicas ou jurídicas localizadas em diversos estados da Federação, como, por exemplo, nos Estados de Goiás e de São Paulo (locatários), conforme os termos do contrato modelo intitulado “INSTRUMENTO PARTICULAR DE LOCAÇÃO DE VEÍCULO(S) AUTOMOTORES POR PRAZO DETERMINADO” (DOC. 02); que esses veículos são contabilizados em seu ativo imobilizado com estrita observância da legislação de regência, devendo o ICMS ser recolhido para o Estado de Goiás, em conformidade com o art. 7º, I do Decreto nº 4.852, de 29 de dezembro de 1997, que regulamentou o Código Tributário Estadual – RCTE-GO.

Afirma que os veículos são remetidos para locação nos chamados “carros-cegonha”, acompanhados cada um do respectivo Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV e da nota fiscal de remessa, ao abrigo da não Incidência de ICMS conforme Parecer nº 1210/2007-GOT.

Relata que, ao final do período do contrato de locação, o locatário poderá exercer direito de preferência na aquisição do veículo, nos termos do contrato. Caso não haja manifestação de interesse, poderá ocorrer alienação a terceiro diverso do locatário, de modo que a Consulente tenha recursos necessários para renovar a sua frota e continue a explorar a atividade de locação de veículos automotores sem condutores.

Aduz que, seja na venda ao locatário ou a terceiro diverso, o retorno físico até o estabelecimento da Consulente, antes da transferência definitiva da propriedade ao interessado localizado em outro município, apenas para o cumprimento de formalidades necessárias para a baixa na locação, acarretaria uma série de custos como frete e logística, indiferentes para os fins visados, já que não há fato gerador do ICMS consoante os arts. 37, I “m” da Lei nº 11.651, de 26 de dezembro de 1991, que instituiu o Código Tributário do Estado de Goiás – CTE-GO e 79, I, “m” do RCTE-GO; que o art. 162 do RCTE-GO admite a ulterior transmissão de propriedade pela tradição simbólica da mercadoria que tenha saído anteriormente do estabelecimento transmitente em decorrência de locação.

Por último, indaga se, em relação aos contratos de locação formalizados pela Consulente, na hipótese em que os bens locados (veículos) estejam fisicamente com o locatário e ao final da locação este exercer ou não a opção de compra, está correta a interpretação de que:

1) Na venda da Consulente para o locatário ou adquirente diverso do locatário, não é necessário ocorrer devolução física do bem pelo locatário à Consulente, bastando a emissão da nota fiscal de venda conforme disposto no artigo 162 do RCTE-GO e a Autorização para Transferência de Propriedade de Veículo – ATPV, impressa no Certificado de Registro de Veículo – CRV, para a transmissão da propriedade?

2) A tradição simbólica com transmissão de propriedade dos veículos integrados ao ativo imobilizado da Consulente, locados e posteriormente alienados para o locatário ou a adquirente diverso do locatário, após transcorridos 12 meses da emissão da nota fiscal de transposição do seu estoque, ocorrerá sem incidência do ICMS, com base nos arts. 4º, I e 121 do Anexo XII, todos do RCTE-GO?

II - FUNDAMENTAÇÃO

Verifica-se, no Cadastro de Contribuintes do Estado de Goiás – CCE-GO, que a Consulente é inscrita como industrial, com atividade econômica principal “2910-7/01 Fabricação de automóveis, camionetas e utilitários” (84%) e secundária, entre outras, “7711-0/00 Locação de automóveis sem condutor” (1%).

Os veículos por ela produzidos e destinados à atividade de locação são integrados ao ativo imobilizado da empresa. A legislação tributária não traz o conceito de ativo imobilizado, que pode ser extraído de normas específicas, a saber:

LEI Nº 6.404/76, que dispõe sobre as Sociedades por ações

“Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:

(…)

IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens;”

Norma Brasileira de Contabilidade - NBC TSP 07, de 22 de setembro de 2017, aprovada pela Resolução 2017/NBCTSP07 do Conselho Federal de Contabilidade

“Ativo imobilizado é o item tangível que:

(a) é mantido para o uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para aluguel a terceiros (exceto se estiver no alcance da NBC TSP 06), ou para fins administrativos; e

(b) se espera utilizar por mais de um período contábil.”

Tratando-se de mercadoria produzida pela autora da consulta, os veículos que serão destinados à locação devem ser integrados ao seu ativo imobilizado com observância do disposto no art. 7º, I do RCTE-GO, abaixo:

“Art. 7º Considera-se, também, ocorrido o fato gerador do imposto, no momento (Lei nº 11.651/91, art. 14):

I - do uso, consumo final ou integração ao ativo imobilizado, relativamente à mercadoria produzida pelo próprio estabelecimento ou adquirida inicialmente para comercialização ou industrialização;” (g.n.)

De acordo com o art. 57, I “b” do RCTE-GO, não implica crédito a entrada de mercadoria ou bem alheios à atividade operacional do estabelecimento.

O Parecer nº 395/2016-GTRE discorre a respeito:

“A regra do art. 57, inciso I, alínea “b”, do RCTE, ao acrescentar o vocábulo operacional às disposições do art. 60, inciso I, alínea “b”, do CTE, restringiu as hipóteses de apropriação de créditos referentes ao ativo imobilizado que tenham relação direta com a atividade operacional do contribuinte. Esta restrição está em harmonia com as decisões do Supremo Tribunal Federal, a respeito do direito ao crédito de ICMS referente às aquisições de bens para o ativo imobilizado, no âmbito do qual o entendimento dominante é o de que este direito não decorre do princípio da não-cumulatividade (CF/88), sendo um benefício fiscal de origem infraconstitucional, conforme AI-763.848-AgR/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ 13.8.2012.

Desse modo, em face da restrição instituída no referido art. 57, o direito ao crédito alcança apenas os bens do ativo imobilizado que sejam necessários ao exercício da atividade-fim (operacional) do estabelecimento do contribuinte.

Como se sabe, as atividades operacionais são aquelas relacionadas com a produção de bens e serviços, bem como as que sejam necessárias à comercialização de bens. Nesse sentido estão as conclusões do Parecer nº 0555/2014-GEOT, no qual está consignado o entendimento de que, para efeito de reconhecimento do direito ao crédito de bens destinados ao ativo imobilizado da empresa, a expressão “atividade operacional do estabelecimento” deve ser entendida como atividade-fim deste, ou seja, a atividade que gera receitas operacionais e que constituem o objeto da empresa.”

A atividade econômica dominante da Consulente é a fabricação de automóveis, camionetas e utilitários, sujeita ao regime de apuração mensal do ICMS pelo sistema de débito e crédito e alcançada pelo princípio da não-cumulatividade. O direito ao crédito de que trata o art. 46, I e § 4º refere-se a essa atividade principal ou atividade-fim.

A atividade de locação de veículos está fora do campo de incidência do ICMS, consoante a Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Nessa atividade a autora da consulta não é contribuinte do referido imposto. Resta evidenciado que o ICMS devido nos termos do art. 7º, I do mesmo Regulamento, quando da integração ao ativo imobilizado dos veículos produzidos pelo próprio estabelecimento, embora estejam estes vinculados à atividade secundária de locação, não implica crédito, ou seja, não poderá ser recuperado pela empresa.

Sobre a alienação de mercadoria integrada ao ativo imobilizado do estabelecimento contribuinte, a não incidência do ICMS tem previsão no art. 79, I, “m” do RCTE-GO, que estabelece:

“Art. 79. O imposto não incide sobre (Lei nº 11.651/91, art. 37):

I - a operação:

(…)

m) de saída decorrente de alienação de mercadoria integrada ao ativo imobilizado do estabelecimento;”

Como se vê, na alienação de bens integrados ao ativo imobilizado do contribuinte, assim entendidos os bens corpóreos comprovadamente destinados à manutenção da fonte produtora de receitas (atividade-fim) da empresa, não ocorre a incidência do ICMS.

Ademais, consoante o art. 4º, I do RCTE-GO, é fato gerador do ICMS a operação relativa à circulação de mercadoria. O art. 2º, parágrafo único do mesmo Regulamento conceitua:

“I - operação de circulação de mercadoria, o fato econômico, juridicamente relevado pela lei tributária, concernente a cada etapa dos processos de extração, geração, produção e distribuição de mercadoria com o objetivo de consumo ou de utilização em outro processo da mesma natureza, inclusive na prestação de serviço;

II - mercadoria, qualquer bem móvel, novo ou usado, inclusive produto natural, semovente e energia elétrica, extraído, gerado, produzido ou adquirido com objetivo de mercancia;”. (g.n.)

No momento em que os veículo produzidos pela Consulente são integrados ao seu ativo imobilizado para a manutenção da atividade de locação de automóveis (atenção ao art. 162, V do RCTE-GO quanto ao documento fiscal), deixam de ser qualificados como mercadoria para serem qualificados como bens, sem o propósito de mercancia, ainda que ocorra sua venda posterior. As eventuais vendas desses veículos após o uso a que se destinaram, geralmente com o objetivo de renovação da frota, não configuram circulação de mercadoria para efeito de ocorrência do fato gerador do imposto.

Todavia, para que não seja caracterizado o objetivo de mercancia, vale dizer, para que não se evidencie a atividade de revenda, em que há incidência do ICMS,  deve-se observar o tempo de permanência do bem no ativo imobilizado, conforme regramento contido no Anexo XII do RCTE-GO, qual seja:

“Art. 121. Na operação de venda de veículo autopropulsado, realizada por pessoa física que explore a atividade de produtor agropecuário ou por qualquer pessoa jurídica, antes de 12 (doze) meses da data da aquisição junto à montadora, deve ser efetuado o recolhimento do ICMS em favor do estado do domicílio do adquirente, nas condições estabelecidas neste capítulo (Convênio ICMS 64/06, cláusula primeira).”

Desse modo, a eventual venda dos veículos locados, realizada após 12 (doze) meses da data da integração ao ativo imobilizado, ocorrerá sem incidência do ICMS.

Na hipótese de venda antes de transcorridos o referido prazo, observar-se-á o disposto no art. 125 do Anexo XII do RCTE-GO:

“Art. 125. A pessoa jurídica que explore a atividade de produtor agropecuário, locação de veículo ou arrendamento mercantil, adquirente de veículo, nos termos deste capítulo, quando proceder a venda, possuindo Nota Fiscal modelo 1 ou 1-A, deve emiti-la, em nome do adquirente, na forma da legislação que rege a matéria, constando no campo "Informações Complementares" a apuração do imposto na forma do art. 122 (Convênio ICMS 64/06, cláusula quinta).”

Quanto ao retorno físico do bem ao estabelecimento da Consulente e à emissão de documento fiscal antes da tradição real ou simbólica, no caso de venda ao final do contrato de locação, examinem-se as disposições do art. 162, III, “b” do RCTE-GO:

“ Art. 162. A emissão da Nota Fiscal, modelos 1 ou 1-A, deve ocorrer:

(…)

III - antes da tradição real ou simbólica da mercadoria:

(…)

b) no caso de ulterior transmissão de propriedade de mercadoria que, tendo transitado pelo estabelecimento transmitente, deste tenham saído sem o pagamento do ICMS, em decorrência de locação ou de remessa para armazém geral ou depósito fechado;”

Observe-se que, ao considerar a tradição simbólica do bem que tenha saído em decorrência de locação, a norma abriga a possibilidade de a transmissão da propriedade ocorrer sem a devolução do bem locado e sem nova remessa da locadora ao locatário.

Assim, pode-se inferir que a tradição real (na venda a terceiro diverso do locatário) ou simbólica (na venda ao próprio locatário) do bem, no caso de ulterior transmissão de propriedade do veículo locado poderá ser efetivada sem a devolução do bem pelo locatário à Consulente e sem nova remessa da Consulente ao locatário ou remessa a terceiro adquirente diverso do locatário. A transmissão de propriedade será efetivada por meio do documento fiscal de venda (Nota Fiscal Eletrônica – NF-e, modelo 55) e da Autorização para Transferência de Propriedade de Veículo – ATPV, impressa no Certificado de Registro de Veículo – CRV, lembrando que é também devida a emissão da NF-e na saída do bem com destino ao locatário por ocasião do contrato de locação.

Ao final do contrato de locação, o veículo volta juridicamente ao patrimônio da empresa, podendo esta promover sua venda independentemente do retorno físico ao seu estabelecimento. Em síntese, é permitida a transmissão de propriedade, seja por tradição simbólica ao locatário, seja por tradição real a terceiro diverso, de um bem que esteja na posse do locatário, sem o retorno físico desse bem ao estabelecimento locador.

A autora da consulta deve manter rigoroso controle dos veículos incorporados ao seu ativo imobilizado que, de fato, são destinados à atividade de locação, de forma a viabilizar oportuna averiguação fiscal.

III – CONCLUSÃO

Com base no exposto, pode-se concluir:

1) Na venda da Consulente para o locatário ou adquirente diverso do locatário, não é necessário ocorrer a devolução do veículo à Consulente, bastando para a transmissão da propriedade a emissão da nota fiscal de venda (NF-e, modelo 55) antes da tradição, conforme disposto no artigo 162, III, “b” do RCTE-GO, e a Autorização para Transferência de Propriedade de Veículo – ATPV, impressa no Certificado de Registro de Veículo – CRV;

2) A transmissão de propriedade com tradição simbólica (locatário) ou real (terceiro diverso do locatário) do veículo integrado ao ativo imobilizado da Consulente, locado e posteriormente alienado ao locatário ou a adquirente diverso do locatário, após transcorridos 12 meses da emissão da nota fiscal de transposição do seu estoque, ocorrerá sem incidência do ICMS, com base nos arts. 4º, I; 79, I, “m” e 121 do Anexo XII, todos do RCTE-GO.

A autora da consulta deve manter rigoroso controle dos veículos incorporados ao seu ativo imobilizado que, de fato, são destinados à atividade de locação, de forma a viabilizar oportuna averiguação por parte do fisco.

É o parecer.

GERÊNCIA DE ORIENTAÇÃO TRIBUTÁRIA, aos 15 dias do mês de outubro de 2020.

Documento assinado eletronicamente por OLGA MACHADO REZENDE, Auditor(a) Fiscal da Receita Estadual, em 15/10/2020, às 18:41, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.

Documento assinado eletronicamente por ELIZABETH DA SILVA FERNANDES FARIAS, Auditor(a) Fiscal da Receita Estadual, em 12/11/2020, às 08:52, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.