Parecer ECONOMIA/GEOT nº 144 DE 11/07/2024

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 11 jul 2024

Exigibilidade de certidão negativa de dívida ativa municipal para fins de fruição de benefício fiscal referente ao IPVA.

RELATÓRIO:

Cuida-se de solicitação de análise e manifestação (...) a respeito do impedimento para gozo dos benefícios fiscais concedidos por lei estadual nas hipóteses em que o contribuinte possuir créditos tributários inscritos na dívida ativa municipal ou em outros órgãos estaduais.

Em suma, questiona o setor consulente se o fato configura ou não óbice para que o interessado tenha acesso aos benefícios, principalmente relacionados ao IPVA.

FUNDAMENTAÇÃO:

Como se sabe, benefícios fiscais são subsídios concedidos pelo Estado, sob a forma de renúncia total ou parcial de sua receita tributária, visando incentivar determinadas operações ou prestações de serviços. Os benefícios se qualificam como isenções, reduções de base de cálculo, crédito outorgado, manutenção de crédito ou devolução total ou parcial do imposto.

Em alguns casos, a legislação estabelece como requisito para a fruição do benefício fiscal que o contribuinte não possua crédito tributário inscrito na dívida ativa.

Nesse sentido, é o teor do disposto no art. 1º do anexo IX do RCTE/GO, que condiciona a utilização dos benefícios fiscais ali previstos à inexistência de créditos tributários inscritos em dívida ativa em nome do sujeito passivo. Vejamos a redação do referido dispositivo:

Art. 1º Os benefícios fiscais, a que se referem os arts. 83 e 84 deste regulamento, são disciplinados pelas normas contidas neste anexo.

§ 1º A utilização dos benefícios fiscais previstos neste anexo, cuja concessão tenha sido autorizada por lei estadual, fica condicionada a que o sujeito passivo:

I - esteja adimplente com o ICMS relativo à obrigação tributária cujo pagamento deva ocorrer no mês correspondente à referida utilização;

II - não possua crédito tributário inscrito em dívida ativa.

III - Revogado;

(...)

§ 1º-C A existência de crédito tributário inscrito em dívida ativa, cuja exigibilidade esteja suspensa de acordo com o art. 503 deste Decreto, ou para o qual tenha sido efetivada a penhora de bens suficientes para o pagamento do total da dívida, não constitui empecilho à utilização dos benefícios fiscais referidos nos §§ 1º e 1º-A.

(...)

§ 2º Na hipótese prevista no inciso II do § 1º, o sujeito passivo perde definitivamente o direito à utilização do benefício, ficando impedido de utilizá-lo:

I - se o benefício for aplicável sobre o valor da operação ou prestação, na operação ou prestação que ocorrer a partir do dia seguinte à data da inscrição do crédito em dívida ativa até o dia em que for sanada a irregularidade;

II - se o benefício for aplicável sobre o valor do saldo devedor do imposto, na apuração do imposto correspondente ao mês em que o crédito for inscrito em dívida ativa até a apuração do imposto correspondente ao mês anterior ao que a irregularidade for sanada.

A dívida ativa pode ter origem em débitos tributários ou em débitos não tributários. Este tratamento abrangente é reforçado pelo artigo 514 do RCTE-GO, que estende as disposições do capítulo também à dívida ativa não tributária:

Art. 514. O disposto neste Capítulo alcança, também, a dívida ativa não-tributária.

Além disso, o artigo 516-C amplia o escopo, incluindo débitos de qualquer natureza resultantes de processos administrativos oriundos dos órgãos da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo:

Art. 516-C. O disposto neste Título aplica-se, também, aos débitos de qualquer natureza resultantes de processos administrativos advindos dos órgãos da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo.

Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, exigir-se-á comprovada liquidez, certeza e exigibilidade dos débitos, garantida a ampla defesa conforme dispuser as normas específicas de cada órgão ou na sua ausência, a observância do disposto na Lei nº 13.800, de 18 de janeiro de 2001.

Para que um débito seja inscrito em dívida ativa, seja ele de natureza tributária ou não, é necessário que atenda a critérios específicos. Conforme preceitua o parágrafo único do artigo 516-C, acima transcrito, exige-se que os débitos tenham comprovada liquidez, certeza e exigibilidade. Isso significa que o valor deve ser determinado (liquidez), a obrigação deve ser legalmente estabelecida e indiscutível (certeza), e o prazo para pagamento deve ter expirado (exigibilidade). Ademais, deve ser garantido o direito à ampla defesa ao devedor. Na ausência de normas específicas, deve-se observar o disposto na Lei nº 13.800, de 18 de janeiro de 2001, que regulamenta o processo administrativo no âmbito da Administração Pública.

Esta abordagem da dívida ativa reflete a preocupação do legislador em garantir que todos os créditos devidos ao poder público, independentemente de sua natureza, possam ser adequadamente cobrados e recuperados, sempre respeitando os princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Ao mesmo tempo, estabelece um procedimento padrão e uniforme para a inscrição de débitos em dívida ativa, promovendo a segurança jurídica e a eficiência na gestão dos recursos públicos.

Percebe-se que o regulamento do Código Tributário Estadual, no art. 1º do Anexo IX, supratranscrito, estabelece como requisito para o gozo dos incentivos tributários previstos nos arts. 83 e 84 a regularidade do contribuinte perante o Fisco. Essa exigência visa resguardar os interesses arrecadatórios, vedando que contribuintes inadimplentes se beneficiem de desoneração tributária até que haja a devida quitação de seus débitos.

No entanto, é importante se ater que os arts. 83 e 84 estão inseridos no Título IV (da não incidência e dos benefícios fiscais) do Livro Primeiro, que regulamenta especificamente o ICMS. Portanto, não disciplina as regras atinentes ao IPVA, dispostas no Título II do Livro Segundo do RCTE.

Com efeito, o parágrafo primeiro do artigo 1º do Anexo IX do RCTE/GO estabelece textualmente que "a utilização dos benefícios fiscais previstos neste anexo", cuja concessão tenha sido autorizada por lei estadual, fica condicionada a que o sujeito passivo [...] não possua crédito tributário inscrito em dívida ativa". Todavia, não se pode olvidar que o IPVA não é abarcado pelos benefícios fiscais disciplinados no Anexo IX do RCTE-GO, o que leva à conclusão imediata de que este preceito normativo fixa um requisito não aplicável ao imposto sobre a propriedade de veículos automotores.

Verifica-se que a condição de não inscrição de débito em dívida ativa funciona como um filtro depurador, permitindo que apenas contribuintes adimplentes, e no regular exercício de suas atividades econômicas, possam se beneficiar dos incentivos fiscais de ICMS, uma vez que estes têm justamente a função de fomentar a produção, o comércio, os investimentos e as exportações. Por conseguinte, haveria uma indisfarçável contradição em se conceder benefícios fiscais com propósito econômico a contribuintes que estejam inadimplentes com suas obrigações tributárias principais, pois tal inadimplemento já revela uma anormalidade, dificuldade ou até mesmo ausência de compromisso no cumprimento da obrigação tributária no desempenho de sua atuação produtiva e econômica.

Portanto, quanto aos benefícios fiscais previstos para o IPVA, é certo que não há no Código Tributário Estadual, tampouco em seu Regulamento, vedação expressa no sentido de que o interessado esteja adimplente com suas obrigações tributárias.

Não obstante, a Lei nº 19.754/2017, que trata do Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais (CADIN ESTADUAL), condicionou a concessão de quaisquer incentivos fiscais à prévia consulta ao cadastro.

Transcreve-se o disposto no art. 6º da lei, com nossos grifos:

Art. 6º É obrigatória a consulta prévia ao CADIN ESTADUAL, por órgãos e entidades da Administração direta e indireta, para:

I – a celebração de contratos administrativos e ajustes de parceria que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos financeiros oriundos do Poder Público;

II – repasses de valores em ajustes de parcerias;

III – concessão de auxílios e subvenções de custeio;

IV – concessão de incentivos fiscais ou financeiros, caso em que a consulta restringir-se-á à dívida tributária;

V – recebimento de prêmios e demais vantagens decorrentes do programa “Nota Fiscal Goiana”;

VI – concessão de empréstimos e financiamentos, bem como garantias de qualquer natureza.

§ 1º A existência de registro no CADIN ESTADUAL constituirá impedimento à realização dos atos a que se referem os incisos I a VI deste artigo.

Consoante se observa, a Lei nº 19.754/2017 impede a concessão de benefício fiscal ao interessado que possuir registro ativo no CADIN. Dessa forma, o legislador criou um mecanismo eficaz para garantir que os benefícios fiscais sejam concedidos apenas a contribuintes que estejam adimplentes com suas obrigações tributárias.

Cumpre salientar, entretanto, que a consulta prévia ao CADIN ESTADUAL, para fins de concessão de incentivos fiscais ou financeiros, restringe-se à dívida tributária, refugindo de seu escopo os débitos não tributários. Além disso, ressalte-se que o Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais (CADIN ESTADUAL), inobstante sua denominação autoexplicativa, circunscreve-se estritamente ao âmbito estadual. Consequentemente, o cadastro não abarca devedores de entes municipais ou da União, limitando-se aos créditos tributários não adimplidos perante órgãos e entidades da esfera estadual.

Tal delimitação assenta-se no artigo 1º da supracitada lei, verbis:

Art. 1º Fica instituído o Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais (CADIN ESTADUAL), nos termos desta Lei.

Parágrafo único. O CADIN ESTADUAL tem por finalidade a constituição de cadastro único, de forma a permitir à Administração o acompanhamento de potenciais beneficiários de posição de vantagem junto ao Poder Público e que, eventualmente, se encontrem na situação simultânea de favorecido e inadimplente.

Noutro vértice, importante realçar que a lei nº 21.434/2022, em seu artigo 3º, estabelece uma exceção à regra geral do CADIN ESTADUAL. O dispositivo determina que:

Art. 3º Crédito Tributário inscrito em dívida ativa relacionado ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA não impede a utilização dos incentivos ou benefícios fiscais cuja concessão tenha sido autorizada por lei estadual.

A norma cria uma situação excepcional para os créditos tributários relacionados ao IPVA. Mesmo que um contribuinte esteja inscrito no CADIN ESTADUAL em decorrência de débitos de IPVA, isso não o impede de usufruir de benefícios fiscais, incluindo aqueles referentes ao próprio IPVA. Insta observar, também, que a Lei nº 21434/2022 é posterior à Lei do CADIN (Lei nº 19.754/2017). Como se sabe, a lei nova não revoga nem modifica a lei anterior quando estabelece disposições gerais ou especiais compatíveis com as já existentes. Por isso, é plenamente possível a compatibilização das duas normas.

Acerca da inexigibilidade da certidão negativa de dívida ativa municipal para a concessão de benefício fiscal relativo ao IPVA, essa Gerência de Orientação Tributária já se pronunciou no Parecer nº 133/2024-GEOT, orientando que:

No Regulamento do Código Tributário do Estado de Goiás – RCTE não há dispositivo normativo prescrevendo a exigência de certidão negativa municipal para fruição desse benefício.

Por outra vertente, ressaltamos que o consulente faz referência ao dispositivo do Anexo IX do RCTE, art. 1º, § 1º, inciso II, para a exigência, pela Gerência de IPVA da Secretaria da Economia do Estado de Goiás, da certidão negativa municipal para efeito de autorização e concessão da redução da base de cálculo do IPVA em 50% (cinquenta por cento).

Transcrevemos o referido dispositivo regulamentar para compreensão de suas prescrições:

ANEXO IX – RCTE

Art. 1º Os benefícios fiscais, a que se referem os arts. 83 e 84 deste regulamento, são disciplinados pelas normas contidas neste anexo.

§ 1º A utilização dos benefícios fiscais previstos neste anexo, cuja concessão tenha sido autorizada por lei estadual, fica condicionada a que o sujeito passivo:

(...)

II - não possua crédito tributário inscrito em dívida ativa.

De início, observa-se que os benefícios fiscais tratados nos arts. 83 e 84 do RCTE dizem respeito exclusivamente ao ICMS – Imposto sobre Operações Relativas à circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte e Comunicação, à vista da leitura dos dispositivos que tratam dos referidos benefícios fiscais no RCTE.

Em seguida, nota-se que as restrições contidas no § 1º do art. 1º do Anexo IX do RCTE cuidam exclusivamente dos benefícios fiscais previstos no Anexo IX do RCTE, conforme redação literal do dispositivo, não estendendo seu alcance aos demais benefícios fiscais disciplinados no RCTE, especialmente na parte relativa ao IPVA.

Portanto, para a fruição do benefício fiscal de redução de base de cálculo em 50% do IPVA, conforme prevê o art. 402-A do RCTE, a legislação tributária do Estado de Goiás não exige que o contribuinte tenha certidão negativa de dívida ativa municipal.

Por derradeiro, deve-se considerar ainda o disposto no art. 195, § 3º da Constituição Federal de 1988, que estabelece uma restrição de âmbito nacional à concessão de benefícios fiscais. O texto constitucional preceitua que:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)

§ 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

A norma impõe uma limitação adicional, que transcende as esferas estadual e municipal, alcançando todos os entes federativos. Assim, independentemente da natureza do tributo ou do Ente concedente do benefício fiscal, a regularidade perante o sistema de seguridade social é condição sine qua non para a fruição por pessoa jurídica de qualquer incentivo fiscal, incluindo aqueles relacionados ao IPVA.

A aplicação deste dispositivo constitucional implica que, mesmo que determinado contribuinte, pessoa jurídica, esteja em conformidade com as exigências estaduais para a concessão de benefícios fiscais do IPVA, ainda assim poderá ser impedido de ter acesso a tais benefícios caso possua débitos com o sistema de seguridade social.

Desse modo, com fulcro nas considerações alhures alinhavadas, conclui-se que os benefícios do IPVA demandam a observância das exigências contidas no §1º do art. 6º da lei 19.754/2017 e no §3º do art. 195 da Constituição Federal, os quais obstam a concessão da vantagem fiscal aos devedores de créditos tributários do Estado de Goiás registrados no CADIN ESTADUAL e às pessoas jurídicas devedoras do sistema da seguridade social. Entrementes, não se exige a certidão de dívida ativa municipal ou federal, ressalvada a relativa ao sistema de seguridade social para a pessoa jurídica, vez que não subsiste norma que  estabeleça tal requisito.

CONCLUSÃO:

Ante todo o exposto, a Gerência de Orientação Tributária firma o seguinte entendimento:

1. As disposições contidas no art. 1º do Anexo IX do Regulamento do Código Tributário do Estado de Goiás (RCTE/GO) não se estendem aos benefícios fiscais relacionados ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Tais disposições têm aplicabilidade restrita ao âmbito do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).

2. A Lei nº 19.754/2017, que institui o Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais (CADIN ESTADUAL), em seu artigo 6º, inciso IV, estabelece vedação à concessão de benefícios fiscais aos sujeitos passivos que possuam registro ativo neste cadastro. Contudo, impõe-se ressaltar que, no tocante à concessão de incentivos fiscais ou financeiros, a consulta ao CADIN ESTADUAL deve circunscrever-se exclusivamente aos créditos tributários, excluindo-se de seu escopo os débitos de natureza não tributária. Logo, dívidas de natureza não tributárias do interessado para com o Estado de Goiás não obstam a concessão de incentivo fiscal relativo ao IPVA.

3. O art. 195, § 3º da Constituição Federal de 1988 veda a concessão de benefícios fiscais à pessoa jurídica em débito com a seguridade social.

4. Não subsiste exigência legal ou regulamentar que condicione a concessão de benefício fiscal concernente ao IPVA à apresentação de certidão negativa de dívida ativa municipal ou federal. A ausência de previsão normativa nesse sentido corrobora o entendimento de que a regularidade fiscal do contribuinte perante entes municipais ou da União, ressalvada a relativa ao sistema de seguridade social para a pessoa jurídica, não constitui requisito para a fruição dos benefícios fiscais relacionados ao IPVA no âmbito do Estado de Goiás.

5. A Lei nº 21.434/2022, em seu artigo 3º, estabelece uma exceção à regra geral do CADIN ESTADUAL, ao prescrever que os créditos tributários inscritos em dívida ativa relacionados ao IPVA não impedem a utilização de incentivos ou benefícios fiscais autorizados por lei estadual. Desse modo, o registro no CADIN ESTADUAL decorrente de débitos de IPVA não constitui óbice à fruição de benefícios fiscais, incluindo aqueles relativos ao próprio IPVA. Frise-se que esse preceito normativo, posterior à lei do CADIN ESTADUAL (Lei nº 19.754/2017), estabelece uma exceção específica para os débitos atinentes ao IPVA.

É o parecer.

GOIANIA, 11 de julho de 2024.

HELVÉCIO VIEIRA DA CUNHA JÚNIOR

Auditor Fiscal da Receita Estadual