Parecer GEOT nº 153 DE 02/10/2017
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 02 out 2017
Benefício fiscal condicionado à emissão de nota fiscal.
I – RELATÓRIO:
A ..................., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº .................., estabelecida ...................., aqui representada pelo seu presidente ...................., em recurso à declaração de inepta do processo nº ...................., expõe os fatos para depois consultar.
Relata que é uma federação de caráter patronal cujo objetivo é a defesa dos interesses de seus filiados e, nos últimos meses, tem sido procurada pelos sindicatos pecuaristas de todas as regiões do Estado acerca de autuações decorrentes da emissão da Guia de Trânsito Animal – GTA ou do Termo de Transferência Animal – TTA, sem a emissão da respectiva nota fiscal.
Infere que a GTA e o TTA são documentos emitidos pela Agência Goiana de Defesa Agropecuária - Agrodefesa, os quais apresentam, como principal função, o controle de rebanho para fins sanitários.
Declara que o TTA foi criado pela Agrodefesa, por meio da Instrução Normativa nº 05/2012, com o objetivo específico de controlar as hipóteses em que não há movimentação física do rebanho, conforme disposto no art. 2º, do referido diploma legal, a seguir transcrito:
Art. 2º A transferência de saldo de animais existentes no Cadastro do sistema de GTA online da Agrodefesa, em razão de herança ou divórcio, tanto judicial como o feito através de cartório, venda da propriedade rural com animais (porteira fechada), doação em vida, nos casos de transferência de saldos de animais entre produtores com exploração pecuária em uma mesma propriedade rural, bem como a transferência de saldo de animais de pessoa física para pessoa física e de pessoa física para pessoa jurídica ou vice-versa, deverá ser feita através do TERMO DE TRANSFERÊNCIA ANIMAL – TTA (modelo constante no Anexo II), QUANDO NÃO HOUVER MOVIMENTAÇÃO DOS ANIMAIS, e através de Guia de Trânsito Animal – GTA, quando ocorrer movimentação física dos animais.
Esclarece que a GTA, diferentemente do TTA, é utilizada nos casos em que há circulação do rebanho, tendo sido instituída pela Instrução Normativa nº 19/2011, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, por meio do Decreto nº 5.741, de 30 de março de 2006.
Relata, por fim, que não ocorreram atos mercantis, já que a propriedade dos bovinos não mudou, pertencendo sempre ao mesmo produtor, havendo apenas a circulação física, principalmente em virtude de troca de pastos ou entre fazendas do mesmo titular, entendendo, assim, que não há a ocorrência de fato gerador do ICMS; contudo, o Fisco Estadual, desta Secretaria, procedeu a lançamentos do crédito tributário sobre tais situações.
A Consulente entende que além da circulação física dos animais é necessária a jurídica para que ocorra o fato gerador do ICMS, conforme expresso no art. 2º, do Decreto nº 4.852/97, Regulamento do Código Tributário do Estado de Goiás – RCTE, a seguir descrito:
Art. 2º Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS - é o tributo que incide sobre a operação de circulação de mercadoria e sobre as prestações de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que a operação e as prestações se iniciem no exterior.
Na sequência, traz à baila o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 166 do STJ, publicada no Diário de Justiça em 23/08/1996, a qual dispõe: “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
Aduz, também, que na operação de comercialização entre produtores rurais, com emissão da GTA, estariam preenchidos os requisitos para a ocorrência do fato gerador do ICMS, entretanto, ainda que tenha ocorrido o mesmo, a operação em questão estaria isenta, nos termos do art. 6º, inciso XLIII, do Anexo IX, do RCTE, a seguir transcrito; não havendo que se exigir ICMS, apenas multa formal por descumprimento de obrigação acessória, no caso da falta de emissão de nota fiscal.
Art. 6º São isentos do ICMS:
(...)
XLIII - a saída interna de gado asinino, bovino, bufalino, caprino, equino, muar, ovino e suíno destinado a criar, recriar ou engorda, realizada entre produtores agropecuários, desde que acobertada por nota fiscal e demais documentos de controle exigidos, ficando mantido o crédito, observado o seguinte (Convênio ICMS 139/92): (g.n.)
Cita que não há isonomia entre os benefícios fiscais quanto à obrigatoriedade de emissão de documento fiscal para fruição de benefício fiscal, citando, como exemplo, a isenção do art. 6º, inciso CXVI, do Anexo IX, do RCTE, abaixo transcrito, o qual não exige a emissão de nota fiscal como condicionante para utilização do benefício.
Art. 6º São isentos do ICMS:
(...)
CXVI - a saída interna de asinino, ave, bovino, bufalino, caprino, eqüino, leporídeo, muar, ovino, ranídeo e suíno realizada por produtor agropecuário, destinada ao abate em estabelecimento frigorífico ou abatedor, estendendo-se, inclusive, à saída realizada por (Lei nº º 13.453/99, art. 2°, II, "x"): (g.n.)
A Consulente entende que a emissão de GTA e de TTA supriria a necessidade de emissão de nota fiscal, haja vista que todo o controle de operações é possível por meio destes documentos, e, que, inclusive, ambos foram instrumentos utilizados para a constituição dos créditos tributários, pelo Fisco Estadual, desta Secretaria.
Por fim, elabora os seguintes questionamentos:
1 – Considerando o disposto no artigo 2º, do RCTE, incide ICMS nas operações entre produtores rurais na qual foi emitida apenas o TTA, sem que tenha ocorrido circulação física do rebanho? Se sim, por qual razão, tendo em vista a falta de preenchimento dos requisitos para o fato gerador do ICMS?
2 – Considerando o mesmo dispositivo legal supramencionado, incide ICMS nas operações na qual foi emitida GTA, porém, não houve mudança de titularidade do ativo biológico, apenas transferência entre fazendas do mesmo titular? Se sim, por qual razão, tendo em vista a falta de preenchimento dos requisitos para o fato gerador de ICMS?
3 – Considerando o benefício fiscal da isenção, previsto no art. 6º, inciso XLIII, do Anexo IX, do RCTE, incide ICMS nas operações entre produtores rurais na qual foi emitida apenas a GTA, sem a devida emissão da nota fiscal; contudo, na operação, também isenta, conforme art. 6º, inciso CXVI, do Anexo IX, do RCTE, não há condicionante, portanto, a emissão apenas de GTA, não está sujeita ao ICMS? Se sim, por qual razão, haja vista que a emissão de GTA suprime a necessidade de controle do Fisco sobre o rebanho, e, ainda, que as saídas entre produtores, com objetivo de abate está abarcada pela isenção sem a condicionante da nota fiscal?
II – FUNDAMENTAÇÃO:
Primeiramente, destaca-se que para a fruição de benefícios fiscais há a exigibilidade de emissão da nota fiscal para cada operação, sendo irrelevante se esta condição está expressa ou não no dispositivo do benefício fiscal, conforme preconiza o art. 1º, § 7º, do Anexo IX, do RCTE, a seguir transcrito:
Art. 1º Os benefícios fiscais, a que se referem os arts. 83 e 84 deste regulamento, são disciplinados pelas normas contidas neste anexo.
(...)
§ 7º No caso de benefício fiscal concedido por meio de lei estadual, cuja fruição esteja condicionada à origem ou ao destino da mercadoria ou da operação, a origem ou o destino devem ser comprovados por meio de documento fiscal idôneo que acompanhe a mercadoria ou a operação, sendo que a ausência do referido documento fiscal impede a utilização do benefício, exceto nas situações em que a legislação tributária dispense a emissão de documento fiscal. (g.n.)
É importante esclarecer, para os casos em comento, sobre a não-incidência, que é a situação não contemplada no campo de incidência do imposto ou aquela em que a lei elegeu como não sujeita à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, definição conferida pelo art. 78, do RCTE.
Assim, o ICMS não incide sobre a saída interna de mercadoria, que constitua mera movimentação física, desde que retorne ao estabelecimento remetente, conforme disposição do art. 79, inciso I, alínea ‘s’, do RCTE, abaixo transcrito. Outrossim, os itens 1, 2, 2-A e 3, da alínea citada, constituem meros exemplos do dispositivo, uma vez que é utilizada a expressão: “especialmente nas situações a seguir citadas”, portanto, os itens elencados não são exaustivos, sendo possível a ocorrência de outras situações. Por outro lado, a operação de saída interna de animal com finalidade de acasalamento, cruzamento, engorda e criação, desde que retorne ao estabelecimento de origem, também está fora do campo de incidência do ICMS, conforme previsto no art. 79, inciso I, alínea ‘t’, itens 1 e 2, do RCTE, a seguir descrito:
Art. 78. Não-incidência é a situação que não está contemplada no campo de incidência do imposto ou aquela que a lei elegeu como não sujeita à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.
Art. 79. O imposto não incide sobre (Lei nº 11.651/91, art. 37):
I - a operação:
(...)
s) de saída interna de mercadoria ou bem, que constitua mera movimentação física, especialmente nas situações a seguir citadas, desde que retorne ao remetente:
1. para conserto ou reparo, quando o retorno se fizer dentro do prazo de 270 (duzentos e setenta) dias, a contar da data da respectiva saída;
2. para demonstração ou teste, quando o retorno se fizer dentro do prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da data da respectiva saída;
2-A. para mostruário ou treinamento, quando o retorno se fizer dentro do prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da data da respectiva saída;
3. destinada a leiloeiro, quando o retorno se fizer dentro do prazo de 30 (trinta) dias, a contar do dia da respectiva remessa;
(...)
t) de saída interna de produto agropecuário em estado natural, para fim de beneficiamento ou outro tratamento, tais como: classificação, imunização, secagem, acasalamento, cruzamento, engorda, criação, com o objetivo de conservação ou melhoria, desde que deva retornar ao estabelecimento de origem dentro do prazo:
1. de 90 (noventa) dias, a contar da data da respectiva saída;
2. estabelecido em termo de acordo de regime especial, quando tais saídas forem realizadas com habitualidade pelo contribuinte ou houver necessidade de prazo superior ao previsto no item 1 desta alínea; (g.n.)
Para fins de esclarecimento, semovente é considerado mercadoria, assim definido pelo art. 2º, parágrafo único, inciso II, do RCTE.
Noutra senda, o conceito de fato gerador consiste na situação definida em lei que dá nascimento à obrigação tributária, ao passo que a sua caracterização independe da natureza jurídica da operação ou da prestação que o constitua, nos termos do art. 3º, do RCTE, a seguir transcrito:
Art. 3º Fato gerador é a situação definida em lei que dá nascimento à obrigação tributária.
Parágrafo único. A caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação ou da prestação que o constitua.
As situações em que não é exigida a emissão de nota fiscal encontram-se positivadas no art. 183, do RCTE, ocorrendo quando da operação de saída interna dos seguintes produtos, em estado natural: hortifrutícola e ovo de galinha; mobília caseira e bem de uso ou consumo próprio em quantidade proporcional à família, em razão de mudança residencial; do prestador de serviço cuja atividade envolva o fornecimento de mercadoria não sujeita ao pagamento do ICMS.
Por sua vez, depreende-se que tanto a GTA quanto o TTA não são documentos fiscais para fins de natureza tributária, assim como para utilização na elaboração de cálculo do IPM, para efeito de distribuição das parcelas relativas ao ICMS a cada Município. Portanto, tais documentos tem o condão de controlar o rebanho, somente sob o aspecto sanitário.
Quanto à alegação de que o Fisco estadual está utilizando GTA e TTA para realizar autuações, esclarecemos que o art. 445, inciso III, do RCTE, dispõe que, sem prejuízo de outras atribuições e competências funcionais, o fisco estadual pode apreender mercadoria, livro, documento, programa, arquivo magnético e outros objetos, com a finalidade de comprovar infração à legislação tributária ou para efeito de instruir o processo administrativo tributário. Assim como o art. 455, do RCTE, dispõe sobre o movimento real tributável, realizado pelo sujeito passivo, em determinado período, que pode ser apurado por meio de levantamento fiscal, nos moldes indicados nos dispositivos do mesmo.
A SEFAZ/GO celebrou convênio, dentre outros, para troca de informações, via sistema informatizado, com a Agrodefesa, permitindo, assim, que não haja necessidade de apreensão de documentos e programas, bem como de arquivo magnético, podendo, a fiscalização tributária desta Secretaria utilizar essas informações para instruir o devido processo administrativo tributário, assim o fazendo com o uso da GTA e do TTA sem a respectiva emissão de nota fiscal; em momento algum dando a entender que os documentos sanitários estejam substituindo documentos fiscais, cuja emissão é obrigatória.
Assim, o Fisco estadual está legalmente amparado quanto à utilização de malha fiscal com arquivo de emissão de GTA e de TTA comparando com o arquivo de emissão de nota fiscal, sendo que a emissão, apenas dos documentos sanitários sem o respectivo documento fiscal correspondente, pode ser passível de infração à legislação tributária, tendo o Auditor-Fiscal da Receita Estadual o dever legal de verificar o fato e, se for o caso, efetuar o lançamento tributário, sob pena de responsabilização administrativa, civil e criminal.
III – CONCLUSÃO:
Ante o exposto, é possível delinear as seguintes respostas aos quesitos formulados pela Consulente.
Itens 1 e 2 – A operação de circulação jurídica, com troca de propriedade do rebanho, ainda que não ocorra a saída física dos semoventes, constitui fato gerador do ICMS, em consonância com o art. 3º do RCTE.
Contudo, a operação de saída interna de mercadoria, com emissão de nota fiscal, que constitua mera movimentação física, desde que a mesma retorne ao estabelecimento remetente, não está no campo de incidência do ICMS, conforme art. 79, inciso I, alínea ‘s’, do RCTE.
O imposto não incide, também, sobre a operação de saída interna de semovente para acasalamento, cruzamento, engorda e criação, com a emissão de nota fiscal, desde que retornem ao estabelecimento remetente nos prazos previstos nos itens 1 e 2, da alínea ‘t’, do inciso I, do art. 79, do RCTE.
As demais operações que não se enquadram no art. 79, inciso I, alíneas ‘s’ e ‘t’, do RCTE, com a devida emissão da nota fiscal, devem ser analisadas individualmente, pois podem estar sujeitas à incidência do ICMS, ainda que abarcadas por algum benefício fiscal.
Item 3 – Para fruição de benefícios fiscais relacionados no Anexo IX, do RCTE, todas as operações necessitam da emissão de nota fiscal, conforme preceitua o art. 1º, § 7º, do Anexo IX, do RCTE, independente de estar expressa tal condição no dispositivo do referido benefício.
A GTA e o TTA não são documentos fiscais para fins de natureza tributária, assim como a nota fiscal não é documento hábil para fins sanitários, haja vista que são legislações com finalidades totalmente diversas.
O Quadro de Pessoal do Fisco desta Secretaria tem, dentre outras atribuições, a de constituir o crédito tributário relativo aos tributos estaduais, decorrente do exercício de quaisquer tarefas de controle e fiscalização, especialmente as realizadas por meio de exame de documento ou mercadoria, em poder do sujeito passivo ou de terceiros, podendo, para tanto, utilizar-se de qualquer método ou processo de investigação ou auditoria de natureza tributária, que vise a apurar as circunstâncias e condições relacionadas com o fato gerador, conforme disposições dos artigos 445 e 455, do RCTE e na Lei nº 13.266/1998. Nesse sentido, o Fisco utilizou as GTA e os TTA como documento probatório de possível infração à legislação tributária estadual, para instruir autos de infração.
É o parecer.
Goiânia, 02 de outubro de 2017.
MARISA SPEROTTO SALAMONI
Gerente em Exercício