Parecer GEOT nº 490 DE 29/10/2014
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 29 out 2014
Cálculo da média mensal do valor do ICMS incidente nas operações interestaduais, prevista no art. 4º da Lei nº 14.186/02 (COMEXPRODUZIR).
Nestes autos, ..........................., Empresa Individual de Responsabilidade Ltda., inscrita no CNPJ/MF sob o nº .................. e no CCE/GO sob o nº ............., com estabelecimento localizado na .................................., solicita esclarecimentos acerca do cálculo da média mensal do valor do ICMS incidente nas operações interestaduais, prevista no art. 4º da Lei nº 14.186/02 (COMEXPRODUZIR), em virtude do seu pedido de enquadramento no incentivo, na modalidade expansão, protocolizado em 30 de janeiro de 2012.
A autora da consulta relata que exerce a atividade de importação e distribuição de brinquedos, tendo protocolizado pedido de enquadramento no incentivo COMEXPRODUZIR, na modalidade expansão, o que requer o cálculo da média do ICMS recolhido pela empresa, o qual, pelo entendimento da consulente, deveria seguir as orientações contidas no art. 4º da Lei nº 14.186/02, no art. 4º, inciso II, § 2º do Decreto nº 5.686/02 e na Lei nº 13.591/00.
A consulente informa, ainda, que, “apesar de já se encontrar em operação, a empresa nunca havia pago ICMS sobre suas operações de vendas de mercadorias, pois o valor pago no desembaraço sempre foi maior que o valor apurado na saída das mesmas. Com isso, a média solicitada no projeto foi zero, haja vista que nunca houve apuração de ICMS efetivamente pago nas saídas interestaduais”.
Não obstante o cálculo da média apresentado pela consulente, resultante em um valor correspondente a “zero”, a Gerência de Controle de Incentivos Fiscais desta Secretaria, em atendimento ao Despacho nº 2..............., da Superintendência do Produzir/Fomentar, no Processo de nº ....................................., elaborou o Cálculo da Média do ICMS nº 011/12, às fls. 29, apresentando um valor equivalente a R$ ..................
Diante do valor da média do ICMS incidente nas operações interestaduais apresentado pela GCIF, a consulente formulou pedido de refazimento do referido cálculo perante a Gerência de Análise de Projetos da Superintendência do Produzir/Fomentar, da Secretaria de Indústria e Comércio, pedido este analisado mediante a emissão do Parecer de fls. ... a ..., pela Gerência de Controle de Incentivos Fiscais, o qual concluiu pela manutenção do valor apurado no Cálculo da Média do ICMS nº 011/12, de 21 de maio de 2012, para efeito de enquadramento no incentivo COMEXPRODUZIR.
Irresignada, a consulente formalizou a presente consulta, pontuando suas indagações nos seguintes termos:
1 – A legislação a ser utilizada para o cálculo da média de ICMS, para fins de cadastramento no COMEXPRODUZIR, modalidade expansão, são o art. 4º da Lei nº 14.186/02 e o art. 4º, inciso II, § 2º do Decreto nº 5.686/02?
2 – Há alguma previsão legal para o cálculo da média de ICMS com a utilização do art. 5º do Decreto nº 5.686/02, retroativamente aos 12 meses anteriores à data da solicitação de cadastramento no COMEXPRODUZIR?
O incentivo COMEXPRODUZIR, Subprograma do Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás - PRODUZIR, foi instituído pela Lei n° 14.186, de 27 de junho de 2002, e regulamentado pelo Decreto n° 5.686, de 02 de dezembro de 2002, com o objetivo de apoiar, por meio da concessão de crédito outorgado, operações de comércio exterior realizadas por empresa comercial importadora e exportadora, inclusive por “trading company”, que opere, exclusiva ou preponderantemente com essas operações, por intermédio de estrutura portuária de zona secundária localizada no Estado de Goiás (art. 1°, parágrafo único, Lei n° 14.186/2002; art. 2°, Decreto n° 5.686/2002).
O crédito outorgado, equivalente a 65% (sessenta e cinco por cento), incide somente sobre o saldo devedor do ICMS correspondente à operação interestadual com bens e mercadorias importados do exterior diretamente pela empresa beneficiária, cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido por intermédio de estrutura portuária de zona secundária localizada no Estado de Goiás (art. 3°, inciso III, Lei n° 14.186/2002; art. 3°, caput, Decreto n° 5.686/2002).
No caso da consulente, que já se encontra em operação no Estado de Goiás, o crédito incidirá apenas sobre o valor que exceder à média mensal do ICMS efetivamente pago, correspondente às operações interestaduais realizadas com mercadorias ou bens por ela importados diretamente do exterior. A média, cujo valor deverá ser recolhido mensalmente, é apurada considerando os últimos 12 (doze) meses anteriores à data de protocolo do projeto de viabilidade econômico-financeira na Comissão Executiva do Produzir - CE/PRODUZIR (art. 4°, Lei n° 14.186/2002; art. 4°, § 2°, Decreto n° 5.686/2002).
Exatamente neste ponto reside a indagação proposta pela autora da consulta, sendo pertinente enfatizar que a solução a ser apresentada permeia o campo meramente interpretativo.
A interpretação do direito não é tarefa das mais simples, e está sujeita à constante controvérsia. Para tornar mais previsível e realizável a tarefa de interpretar os textos jurídicos desenvolveu-se uma ciência, a hermenêutica. Hermenêutica significa, genericamente, a arte de interpretar o sentido das palavras: é uma arte de interpretação de textos. Já a hermenêutica jurídica é a ciência que tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos que tornam a interpretação do Direito mais fácil e eficiente.
O cálculo da média de recolhimento do ICMS, exigido para fins de enquadramento no incentivo COMEXPRODUZIR no caso de empresa comercial importadora e exportadora já instalada no Estado de Goiás, encontra-se disciplinado no art. 4º da Lei nº 14.186/02 e no art. 4º, inciso II, § 2º do Decreto nº 5.686/02, nos seguintes termos:
Art. 4º Na situação em que a empresa comercial importadora e exportadora já esteja operando no Estado de Goiás, o benefício do crédito outorgado do ICMS de que trata o art. 3º incide apenas sobre o valor que exceder à média mensal do valor do ICMS efetivamente pago por ela, correspondente às operações interestaduais realizadas com mercadorias ou bens importados diretamente pela importadora e exportadora, devendo a média ser apurada por meio dos pagamentos do imposto relativo àquelas operações interestaduais nos últimos 12 (doze) meses anteriores à data de entrada do projeto. (g.n.)
Art. 4º O crédito outorgado incide sobre o saldo devedor do ICMS correspondente à operação interestadual com bens e mercadorias importados do exterior diretamente pela empresa beneficiária, ainda que destinados a consumidor final, da seguinte forma:
[...]
II - sobre o valor que exceder à média mensal do ICMS efetivamente pago pela beneficiária, no caso de empresa comercial importadora e exportadora já instalada no Estado de Goiás;
[...]
§ 2º A média de recolhimento do ICMS referida no inciso II do caput deste artigo deve ser apurada por meio dos pagamentos do imposto relativos às operações interestaduais nos últimos 12 (doze) meses anteriores à data de protocolo do projeto, e atualizada mensalmente segundo os critérios adotados pelo Programa PRODUZIR. (g.n.)
As redações são precisas no momento em que mencionam as expressões “pagamentos do imposto”, equivalentes a recolhimento efetivo do imposto. O processo de cálculo da média é efetuado com base nos pagamentos do imposto relativos às operações interestaduais nos últimos 12 (doze) meses anteriores à data de protocolo do projeto. Em não apresentando efetivo recolhimento do ICMS relativamente às operações interestaduais no período citado, não há média de recolhimento mensal a ser estipulada.
A experiência jurídica consagrou a regra de hermenêutica segundo a qual “a lei não contém frase ou palavra inútil, supérflua ou sem efeito”. Todas as palavras contidas na lei são lei, e todas têm força obrigatória. Nenhum conteúdo da norma legal pode ser esquecido, ignorado ou tido como sem efeito, sem importância ou supérfluo. A lei não contém palavras inúteis. Como ensinava Carlos Maximiliano, “devem-se compreender as palavras (da lei) como tendo alguma eficácia”. Só é adequada a interpretação que encontrar um significado útil e efetivo para cada expressão contida na norma.
Nesse sentido, a redação do art. 4º da Lei nº 14.186/02 e do art. 4º, inciso II, § 2º do Decreto nº 5.686/02, ao mencionar a expressão “devendo a média ser apurada por meio dos pagamentos do imposto relativos àquelas operações interestaduais nos últimos 12 (doze) meses anteriores à data de entrada do projeto”, deve ser interpretada consagrando-se a regra acima explicitada, o que equivale dizer que não se deve desprezar ou substituir as expressões do texto legal, sob pena de aniquilar o sentido e o alcance das normas objetivado pelo legislador.
Considerando outra regra clássica de interpretação, “quando a lei não fez distinção o intérprete não deve fazê-la (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus)”, não deve o exegeta criar, na interpretação, distinções que não figuram na lei. Essa regra adverte para a aplicação geral, sem exceções, da regra cujo sentido é geral, e para a qual o legislador não previu exceções. Distinguir, nesse tema, quer dizer excepcionar, tratar de forma dessemelhante, tratar como exceção. E a regra indica que não se presumem exceções. As exceções a uma regra geral devem estar previstas na lei, embora não se ignore que não precisam estar previstas na mesma lei, que podem estar previstas de forma implícita, ou que podem decorrer da interpretação sistemática da mesma ou de outras normas.
Assim sendo, quando o legislador criou a regra da média de recolhimento mensal do ICMS para as empresas já instaladas no Estado de Goiás, indubitavelmente ele pretendia assegurar o recolhimento do imposto que a empresa já realizava sobre as operações interestaduais, com mercadorias ou bens importados diretamente pela importadora e exportadora, restando inequívoco o objetivo de incentivar apenas o incremento da atividade de comércio exterior. Não obstante a finalidade clara de não dispensar tributo já auferido, dado como certo para os casos de empresas já em atividade no Estado, o legislador não cuidou das situações de empresas sem recolhimento mensal relativamente às operações interestaduais, como o caso da consulente.
Diante dessa situação, não cabe ao intérprete conferir ao texto legal interpretação que objetive abarcar uma situação não prevista no ordenamento, como no caso em comento.
Ultimando, vale mencionar a regra segundo a qual “a posição do dispositivo no texto esclarece seu alcance”. A referida regra de hermenêutica conclama à interpretação sistemática, que, em certa medida, inclui uma interpretação “topológica”. O lugar em que determinada disposição é inserida, dentro do texto legal, permite compreender a abrangência que o legislador quis lhe dar. O texto legal é organizado em partículas principais, os artigos, que podem ser subdivididos em subpartes, fragmentos subordinados, que são os parágrafos, os incisos, as alíneas. É intuitiva a noção de que as disposições de um inciso têm abrangência limitada às hipóteses ou à situação contemplada no artigo a que o inciso está subordinado. Um artigo e seu parágrafo subordinado guardam, geralmente: a) uma relação de regra geral/exceção, onde o parágrafo institui regras que contrariam a norma geral do seu caput, excepcionando-a; ou b) uma relação de genérico/específico, onde o caput estabelece os contornos gerais de um mandamento, e os parágrafos explicitam aspectos ou desdobramentos da hipótese.
O raciocínio acima guarda correspondência com o questionamento da consulente acerca da possibilidade de utilização do art. 5º do Decreto nº 5.686/02 para a realização do cálculo da média de recolhimento de ICMS, prevista no inciso II do art. 4º do referido Decreto.
O caput do aventado art. 5º trata da forma estabelecida para se obter o valor do crédito outorgado concedido como incentivo do COMEXPRODUZIR. Seus incisos explicitam como se apura o saldo devedor do ICMS correspondente às operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, sobre o qual se aplicará o percentual de 65% (sessenta e cinco por cento), resultando no valor do incentivo.
Pela regra estudada, a posição de um comando legal permite compreender a abrangência que o legislador quis lhe conferir. Portanto, não há como inserir nas disposições do art. 5º do Decreto nº 5.686/02 a temática do cálculo da média de recolhimento do ICMS, definida no art. 4º, inciso II, § 2º do mesmo Decreto.
Cabe aqui uma abreviada observação a respeito da regra de hermenêutica pela qual se estabelece que “quando a lei é obscura, interpreta-se restritivamente”. Por incontáveis razões, eventualmente a redação do texto legal é falha, ou contém erros que lhe prejudicam a compreensão, ou é redigida em termos extremamente dúbios ou subjetivos, que dificultam uma interpretação objetiva. Em situações assim, compete ao operador do direito buscar uma interpretação que torne a regra aplicável, efetiva, e, nesses casos, a norma defeituosa na sua construção textual deve ser interpretada restritivamente, para englobar apenas os casos indiscutivelmente nela previstos, e produzir apenas os efeitos e consequências literalmente contemplados no texto.
Certamente que os textos das normas em estudo já são suficientemente claros e, nesse sentido, o velho aforismo in claris non fit interpretatio (no que é claro não cabe interpretação), oferece sua contribuição.
Destarte, onde o legislador redigiu “pagamentos do imposto”, não deve o intérprete conferir alcance distinto à expressão, como por exemplo, “saldo devedor”, posto que, em assim o fazendo, estaria alterando o texto da norma, ensejando uma interpretação que não nos parece adequada ao caso.
Alinhavadas as questões pertinentes ao esclarecimento da matéria, respondemos aos questionamentos nos termos que se seguem:
1 – O cálculo da média mensal do valor do ICMS a ser efetivamente pago pela empresa já instalada no Estado de Goiás, beneficiária do incentivo COMEXPRODUZIR, correspondente às operações interestaduais realizadas com mercadorias ou bens importados diretamente pela importadora e exportadora, deve ser realizado nos termos do disposto no art. 4º da Lei nº 14.186/02 e no art. 4º, § 2º do Decreto nº 5.686/02;
2 – Não há justificativa legal para o cálculo da média acima referenciada utilizando-se das disposições do art. 5º do Decreto nº 5.686/02, o qual trata do cálculo do valor do crédito outorgado correspondente às saídas interestaduais, concedido como incentivo do COMEXPRODUZIR.
É o parecer.
Goiânia, 29 de outubro de 2014.
RENATA LACERDA NOLETO
Assessora Tributária
Aprovado:
GENER OTAVIANO SILVA
Gerente de Orientação Tributária